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Homeschooling: lei que regulamenta ensino domiciliar é suspensa em cidade de Santa Catarina
Uma decisão judicial suspendeu a Lei Municipal 7.550/2021, de Chapecó (SC), que regulamentou na cidade a prática do ensino domiciliar, a chamada homeschooling. A medida cautelar de urgência foi deferida pelo desembargador Salim Schead dos Santos, relator da ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público.
Apesar da medida cautelar de urgência concedida no último dia 19 de novembro, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC, por meio de seu Órgão Especial, ainda não tem previsão para apreciar o mérito da ação. Em sua decisão, o relator não entrou no mérito da matéria, mas considerou pertinente o questionamento da ação.
A alegação inicial é de que a edição de lei municipal regulamentando a matéria violou o sistema de competências legislativas previsto na Constituição da República. A fundamentação foi baseada em tese do Supremo Tribunal Federal – STF e no risco de dano às crianças e adolescentes do município.
Aprovada em 25 de outubro e vigente desde então, a Lei de Chapecó faculta aos pais optar pela modalidade domiciliar de ensino para seus filhos já a partir do próximo ano letivo. A norma, então, está com seus efeitos suspensos enquanto tramita o processo, até que seja proferida decisão quanto ao seu mérito.
“A excepcional urgência que justifica o deferimento de forma unipessoal está caracterizada no fato de que a submissão da medida ao referendo do órgão colegiado, muito provavelmente, ocorrerá apenas no próximo ano, após o período de suspensão de prazos processuais previsto no artigo 220 do Código de Processo Civil, considerada a necessidade de observar os prazos de intimação para manifestação prévia das partes e os prazos de intimação a respeito da posterior inclusão do feito em pauta”, concluiu Salim.
Competências
“A decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina indica observância das competências atribuídas pelo constituinte aos entes federativos, porque os estados e os municípios não devem legislar sobre homeschooling”, indica a advogada e professora Lígia Zigiotti, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Ela levou o tema ao XIII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, em outubro.
Segundo a especialista, a situação é parecida com o que decidiu o Supremo Tribunal Federal – STF, em 2020, ao declarar a incompetência de estados e municípios para legislarem sobre o cabimento de se tratar de gênero em salas de aula. A norma que vetava “ideologia de gênero” nas escolas foi derrubada pela Corte.
“Não há particularidades nestes contextos estaduais e municipais capazes de motivar um regramento específico, deslocado do restante do país, sobre educação. Mas a inconstitucionalidade extrapola o fator puramente formal e atinge o mérito da questão, porque a educação domiciliar rompe com a proteção integral da infância e da adolescência.”
Violação de direitos
A advogada acredita que o TJSC deve manter a proibição da lei. “A medida cautelar de urgência deve se manter, definitivamente, e a expectativa é de que, para além de atestar a incompetência do ente federativo em questão, a Corte enfrente as potenciais violações a direitos humanos e fundamentais decorrentes da educação domiciliar.”
Ela diz que a jurisprudência do STF é exemplar para fundamentar essa expectativa. “Em dezenas de casos de 2020 em que se confirmou a inconstitucionalidade de legislações que proibiam a discussão de gênero em salas de aula, confirmou-se que Estado – incluída a escola – e família são igualmente responsáveis pela educação infanto-juvenil.”
“Não é possível que as instituições formais de ensino excluam os pais dos processos de aprendizagem, mas, tampouco, que, nesta trajetória, os pais excluam as instituições formais de ensino. Inexiste hierarquia entre eles, como equivocadamente supõem as alegações de que compete à família decidir se as filhas e os filhos devem ou não ir às escolas e o que autorizam que nelas seja estudado.”
Escola é mais do que acesso à informação
Em 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE indicou 38,3 milhões de pessoas com idade entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil, como em operação de tratores e de máquinas agrícolas, em beneficiamento do fumo, do sisal e da cana-de-açúcar, em corte de madeira, em seleção de lixo e em trabalho doméstico.
“É uma nação que ocupa o segundo lugar mundial em casos de exploração sexual contra crianças e adolescentes, que, quando vítimas de abuso, encontram em 70% dos casos os seus familiares como agressores. Nestas terras, 4,4 milhões de crianças, que significam 11,5% das que têm entre 0 e 13 anos no Brasil, vivendo na miséria, em famílias de renda per capita inferior a 1,90 dólares ao dia.”
Segundo Lígia Ziggiotti, para este contexto, a escola é acesso à informação e muito mais. “É acesso a merenda, a lazer e a esporte. É acompanhar frequência escolar, impedindo exploração infantil. É oferecer livros, acolhimento e proteção contra violências, inclusive de gênero – geralmente cometidas no ambiente doméstico.”
“Privar crianças e adolescentes de escolas, portanto, é produzir uma franca exposição destes sujeitos à violência e à opressão, na contramão do que prevê o nosso texto constitucional”, conclui a advogada.
Processo 5058462-84.2021.8.24.0000
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