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Por unanimidade, STF derruba lei municipal que vetava “ideologia de gênero” nas escolas
Os ministros do Supremo Tribunal Federal – STF decidiram pela inconstitucionalidade de uma regra municipal que proibia a utilização de material didático com conteúdo relativo à diversidade de gênero nas escolas. A Lei 1.516/2015 de Nova Gama, no interior de Goiás, foi derrubada por unanimidade na última sexta-feira, 25 de abril.
Desde o dia 17 de abril, o plenário do STF julgava, por meio de sessão virtual, a Arguição de Descumprimento de Preceito Federal – ADPF nº 457, proposta pela Procuradoria-Geral da República. A norma, que já estava suspensa por liminar, versava contra a “ideologia de gênero”, expressão pejorativa utilizada por contrários à abordagem da diversidade sexual e identidade de gênero.
O relator, o ministro Alexandre de Moraes, concordou com o argumento de que a medida invadiu a competência privativa da União ao legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Contrariava, ainda, princípios constitucionais como a igualdade de gênero, a laicidade do Estado, o direito à liberdade de aprender e ensinar, entre outras questões.
Decisão tem importância ímpar
Diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada e professora Ana Carla Harmatiuk Matos atenta que, mais uma vez, a luta contra a violência de gênero e os direitos da população LGBTI passam pelo STF. O plenário, a exemplo, declarou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, em 2012, e reconheceu os efeitos da união estável homoafetiva, em 2011.
“Percebemos que temas contramajoritários, polêmicos na sociedade, acabam não tendo tanta proteção via processo legislativo”, avalia Ana Carla. “O STF tem essa função constitucional de proteger direitos fundamentais e grupos sociais com dificuldade de, através do sistema representativo, ter suas pautas reconhecidas. Mais uma vez, é o Supremo que informa um conteúdo tal de direitos fundamentais a serem tutelados.”
Segundo a advogada, o julgamento recente se coaduna a um entendimento sobre o tema que já começava a surgir no Poder Judiciário. Além disso, “por ser do STF, tem uma importância ímpar”, ela avalia.
“Os fundamentos muito bem lançados na decisão terão a função de divulgar os direitos fundamentais e uma hermenêutica constitucional para a temática, estancando, portanto, essa sangria legislativa e tentando controlar um conteúdo escolar que diga respeito ao maior esclarecimento desses temas, ainda tão duros e que devem ser enfrentados no nosso País.”
IBDFAM é amicus curiae na ADPF 578
A ADPF 457, relativa ao município de Nova Gama, é uma das 15 ações que tramitam no STF relacionadas ao movimento Escola sem Partido. O IBDFAM foi aceito como amicus curiae em uma delas: a ADPF 578, ajuizada por órgãos de trabalhadores em educação e associação LGBTI, que questionam a Lei Complementar 9/2014 do município de Santa Cruz de Monte Castelo, no Paraná.
A arguição, relatada pelo ministro Luiz Fux, questiona a validade da norma que institui, no âmbito municipal, o programa Escola Sem Partido, que busca mecanismos para coibir, nas instituições de ensino, manifestações consideradas “doutrinação ideológica e política” por professores e material didático que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais de estudantes ou de seus pais e responsáveis.
O IBDFAM sustenta que a medida afronta competência privativa da União, nos termos do art. 22, XXIV, da Constituição Federal, e contraria valores e princípios do art. 206 da Constituição Federal. “Estados e municípios não têm liberdade de legislar sobre temas de educação. Trata-se de um desrespeito às normas vigentes, além de ser um dispositivo discriminatório em relação às mulheres e à população LGBT”, explica Ana Carla.
ADPF 624 veda vigilância e censura de atividade docente
Também aguarda julgamento no STF a ADPF 624, que pede a vedação a qualquer ato do Poder Público que autorize ou promova a vigilância e censura da atividade docente com base em vedações genéricas e vagas à “doutrinação” política e ideológica e à emissão de opiniões político-partidárias, religiosas ou filosóficas, entre outras. Com relatoria do ministro Celso de Mello, a arguição foi ajuizada em 2019 pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Diante da recente decisão do STF, a expectativa para o julgamento da ADPF 624 é das melhores, diz Ana Carla. “À luz dos direitos fundamentais e individuais do texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal tem sido o grande horizonte de conquistas para as temáticas relacionadas tanto às questões de gênero quanto à população LGBT.”
Ao convergir com várias outras ligadas ao tema, a ADPF 624 poderá ser um divisor de águas, segundo a advogada. “Acredito que o STF cumprirá a sua função, cujo cerne é o controle de constitucionalidade em seu núcleo mais essencial, mais fundante do ser humano. É nesse sentido que acreditamos que o julgamento seguirá à luz do que já tem sido decidido em outras ações isoladas sobre a temática”, prevê Ana Carla.
Escola deve oferecer sociabilidade e proteção
O movimento Escola sem Partido, fundado em 2004, se baseia no combate a uma suposta doutrinação no ensino básico. “Ideologia de gênero”, expressão sequer reconhecida no universo acadêmico e educacional, é como os mais conservadores classificam a abordagem da diversidade e do estudo relacionado a gênero.
“Tem-se a falsa compreensão de que estaria, no ambiente escolar, como que uma propaganda de que gênero é uma escolha ou um incentivo a outras identidades de gênero e orientações sexuais”, pontua Ana Carla.
“Ao contrário, as escolas querem combater violências e o bullying, além de informar graves dados de como as mulheres sofrem discriminações e violências em seus lares.” A advogada atenta que o ambiente de ensino pode ser também de proteção secundária a crianças e adolescentes. Afinal, por vezes, o lar é lugar de abusos e violências.
“A escola pode capacitar para uma outra cidadania, mais humanista. Pode fornecer conhecimento, com uma sociabilidade secundária, e um universo de proteção para aqueles que podem estar sofrendo algum tipo de violência. Fora isso, a escola também deve, dentro de seu meio, fornecer modos seguros e não violentos entre seus alunos para interagirem, com relações não violentas e sem discriminações”, defende Ana Carla.
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