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Especialista discute as repercussões da violência doméstica nos processos de Direito das Famílias no XIII Congresso do IBDFAM
“Repercussões da violência doméstica nos processos de Direito das Famílias” é o tema da palestra da advogada Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, no XIII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões. O evento terá programação totalmente on-line nos dias 27, 28 e 29 de outubro. Inscreva-se.
No ano em que se celebra os 15 anos de existência da Lei Maria da Penha (11.340/2006), a advogada Adélia Moreira Pessoa questiona: “Será que a Lei Maria da Penha e suas várias alterações ocorridas nestes 15 anos possibilitaram um real acesso das mulheres aos direitos e à justiça? Houve maior proteção para as mulheres em litígios de direito de família permeados pela violência doméstica?”.
Ela continua: “Se a conjugalidade foi construída como projeto de completude, cercado de expectativas, o que ocorre quando há falência desse projeto, especialmente pela presença da violência doméstica? E os operadores do Direito percebem essa violência ao chegar o conflito à Justiça, nas ações de divórcio, dissolução de união estável, na regulamentação do direito de convivência dos filhos, alimentos, alienação parental, etc?”
Adélia avalia que este é um caminho difícil a ser percorrido nas ações de família, devido à invisibilidade da violência doméstica subjacente, que costuma passar despercebida no bojo dos litígios conjugais e onde está presente, muitas vezes, um misto de violência moral, psicológica e patrimonial.
Violências psicológica, patrimonial e moral
Na palestra do XIII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, a especialista pretende examinar as violências psicológica, patrimonial e moral contra a mulher presentes em ações de família. “É preciso registrar que o momento da dissolução e divórcio pode aprofundar fissuras, impedindo o diálogo e incentivando o uso de tudo o que estiver ao alcance do agressor para atacar e se vingar.”
Segundo ela, a ocasião é um momento de muito risco para o aumento da violência contra a mulher, inclusive para o feminicídio. “O formulário de risco, construído pelo CNJ/CNMP – e hoje regulado pela Lei 14.149/2021 – determina a aplicação de um questionário às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar preferencialmente pela Polícia Civil, pelo Ministério Público ou pelo Poder Judiciário, dependendo de onde ocorra o primeiro atendimento dessa mulher vítima.”
“O questionário inclui como importante fator de risco a seguinte questão: ‘Você se separou recentemente do(a) agressor(a), tentou ou manifestou intenção de se separar?’, o que, conforme as estatísticas, aumenta em 5 vezes o risco de feminicídio. O formulário de risco inclui também a questão: ‘Você está vivendo algum conflito com o(a) agressor(a) em relação à guarda do(s) filho(s), visitas ou pagamento de pensão?’”, explica a advogada.
Competência híbrida
Adélia observa que a necessidade de dar visibilidade à violência contra a mulher permeia muitos litígios familistas. “Constatamos essas violências constantemente, e o pior é que, muitas vezes, os operadores do direito naturalizam essa violência que passa despercebida – até mesmo por alguns integrantes da advocacia que trabalham na área das famílias.”
“Do ponto de vista normativo-formal avançamos muito, não há dúvida”. Entre os avanços, ela cita a determinação de medidas necessárias a serem implantadas para proteção da mulher em situação de violência doméstica e de sua família, e a possibilidade de as ações de família serem apreciadas e julgadas no mesmo Juízo que tenha apreciado a violência doméstica ou as medidas protetivas.
“Apesar de estar previsto no artigo 14 da Lei 11.340/2006, desde 2016, a competência híbrida, tanto na área penal como também na cível, não acontece na prática. Em muitos estados a mulher é obrigada a buscar várias vezes a Justiça para o divórcio, ou dissolução da união, alimentos, regularização de guarda e convivência familiar, entre outros temas relativos ao Direito de Família”, reconhece Adélia.
Ela acrescenta: “Esta competência híbrida, prevista na Lei Maria da Penha, foi reafirmada com a inclusão do artigo 14A, pela Lei 13.894 de 29 de outubro de 2019 – Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Este artigo foi vetado pelo Presidente da República, mas rejeitado o veto pelo Congresso.”
A advogada pretende ainda “examinar a jurisprudência de Tribunais superiores na aplicação da lei no pertinente ao tema, apesar da resistência de alguns segmentos jurídicos que continuam a alegar a incompetência dos juizados para apreciação de matéria cível, mesmo que decorrente da violência doméstica”.
“Urge a adequação das Leis de Organização Judiciária dos Estados a essa disposição da lei – competência híbrida dos juizados de violência doméstica para incluir ações cíveis decorrentes da Violência Doméstica e Familiar, para que a mulher não mais precise percorrer um calvário, em varas distintas, em busca de seus direitos e de seus filhos, para que não haja mais justificativas a impedir o acesso da mulher em situação de violência a uma justiça nos moldes preconizados não só na Lei Maria da Penha, mas também, pela Constituição e pelas Convenções internacionais ratificadas pelo Brasil e, portanto, parte do nosso ordenamento jurídico”, pontua..
Falhas sistemáticas
A presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM destaca que a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – CEDAW, há décadas ratificada pelo Brasil, tem um comitê fiscalizador como órgão de avaliação do cumprimento da Convenção, com competência para examinar os relatórios apresentados pelos Estados-Partes e formular sugestões e Recomendações Gerais.
“Na Recomendação Geral 33 do Comitê CEDAW/ONU sobre o acesso das mulheres à justiça, observou-se uma série de obstáculos e restrições que impedem as mulheres de realizar seu direito de acesso à justiça, com base na igualdade, agravado por fatores de intersecção que afetam algumas mulheres em graus ou modos diferentes, incluindo a falta de proteção jurisdicional efetiva dos Estados partes em relação a todas as dimensões do acesso à justiça”, explica a especialista.
Segundo Adélia, esses obstáculos ocorrem em um contexto estrutural de discriminação e desigualdade, devido a fatores que permeiam a sociedade como estereótipos de gênero, requisitos, procedimentos e práticas em matéria probatória, e à falha em sistematicamente assegurar que os mecanismos judiciais sejam física, econômica, social e culturalmente, acessíveis a todas as mulheres. “Todos esses obstáculos constituem persistentes violações dos direitos humanos das mulheres.”
“Vale destacar na Recomendação do Comitê que ‘em casos de conflitos de família ou quando a mulher carece de acesso igualitário à renda familiar, a verificação de recursos para determinar a elegibilidade à assistência jurídica e defensoria pública deve basear-se na renda real ou nos bens disponíveis da mulher’”, ressalta a advogada.
De acordo com a especialista, o Comitê recomenda que os Estados-partes, dentre outras medidas, removam as barreiras econômicas à justiça oferecendo assistência jurídica; desenvolvam atividades de divulgação específicas e distribuam informações sobre mecanismos, procedimentos e remédios de justiça disponíveis, em vários formatos, e também nas linguagens das comunidades, através de unidades ou balcões específicos para mulheres. “É recomendado também que se estabeleçam centros de atenção integral, que incluam uma série de serviços jurídicos e sociais, a fim de reduzir o número de etapas pelo qual uma mulher tem que passar para obter o acesso à justiça.”
Adélia pontua que há o reconhecimento pelo Comitê CEDAW de que os estereótipos e os preconceitos de gênero no sistema judicial podem ter um impacto particularmente negativo sobre as mulheres vítimas e sobreviventes da violência, “influenciando decisões, muitas vezes baseadas em crenças e mitos em vez de fatos relevantes, penalizando mulheres que não agem conforme estereótipos vigentes em dada sociedade.”
“A Recomendação 33 do Comitê CEDAW reforça a necessidade de as mulheres poderem contar com ‘um sistema de justiça livre de mitos e estereótipos, e com um judiciário cuja imparcialidade não seja comprometida por pressupostos tendenciosos. Eliminar estereótipos no sistema de justiça é um passo crucial na garantia de igualdade e justiça para vítimas e sobreviventes’” , ressalta.
E para isso, ela garante que aponta a necessidade da adoção de medidas que incluam “programas de conscientização e capacitação a todos os agentes do sistema de justiça e estudantes de direito, para eliminar os estereótipos de gênero e incorporar a perspectiva de gênero em todos os aspectos do sistema de justiça”.
“Recomenda o Comitê que se incluam outros profissionais nesses programas de conscientização e capacitação, em particular profissionais de saúde e trabalhadores sociais, que desempenham potencialmente um papel importante em casos de violência contra as mulheres e em questões de família e se assegure que sejam institucionalizados programas de capacitação para juízes, promotores, advogados e funcionários encarregados de fazer cumprir a lei sobre a aplicação dos instrumentos jurídicos internacionais relacionados aos direitos humanos”, explica Adélia.
Além disso, a advogada lembra que deve ser propiciada a conscientização sobre o impacto dos estereótipos e preconceitos, e que a educação deve ser desenvolvida a partir de uma perspectiva de gênero, “não só nas escolas, mas também através da sociedade civil, da mídia e do uso das TICs que são essenciais para superar as múltiplas formas de discriminação e os estereótipos que têm impacto sobre o acesso à justiça, e também para assegurar a eficácia e eficiência da justiça para todas as mulheres”.
“É preciso falar da dor silenciada, da naturalização da violência e tratar disso em todos espaços educacionais, inclusive nas escolas jurídicas dos diversos segmentos do sistema de justiça. É preciso insistir que a legislação garantidora dos direitos da mulher já é suficientemente abrangente, em termos formais. Entretanto, é urgente que não seja apenas uma vitrine a ostentar um dever ser de vanguarda, mas se concretize na vivência das mulheres. Assim, na palestra serão apresentadas algumas propostas e sugestões de encaminhamentos”, conclui Adélia Pessoa.
A abordagem integra o Painel 4, que enfoca a “Violência Doméstica, Gênero e Alienações", na quinta-feira, dia 28 de outubro, das 10h às 11h. A mesa terá Flávia Brandão como presidente e também contará com palestras de Alice Birchal e Ana Carolina Madaleno.
Confira a íntegra da programação.
Prospecções sobre o presente e o futuro
O XIII Congresso do IBDFAM será em homenagem ao jurista Zeno Veloso (1945-2021), cofundador e um dos maiores entusiastas do Instituto. Com o tema geral “Prospecções sobre o presente e o futuro”, a programação trata dos principais assuntos relacionados às famílias contemporâneas. Saiba mais sobre o evento.
Inscrições
Fique atento: as vagas para o XIII Congresso do IBDFAM são limitadas. A participação só será garantida após a confirmação do pagamento. Clique aqui e garanta a sua inscrição.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br