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Adoção de idosos: viabilidade jurídica ainda é um desafio neste tema tensionado pela pandemia
Acolher, abrigar e adotar uma pessoa em situação de abandono e vulnerabilidade, mesmo na ausência de vínculos sanguíneos, é algo natural quando se trata de crianças e adolescentes, mas ainda um desafio quando se trata de pessoas idosas. Durante o Mês da Adoção, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM tem publicado uma série de reportagens que examinam questões emergentes nesta seara, como a própria adoção de idosos.
No Poder Legislativo, algumas propostas pretendem dar maior apoio e qualidade de vida aos idosos institucionalizados por meio da adoção. Entre elas, os PL 956/2019, 5475/2019 e 5532/2019, que visam alterar o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) para prever a possibilidade.
Outro texto em tramitação é o Projeto de Lei 105/2020, que prevê a criação do instituto da senexão – a colocação de pessoa idosa em família substituta. A proposta considera que o termo “adoção” não se adequa à situação dos idosos.
“Alguns fatos sociais recentes nos mostraram a necessidade de se falar da aplicação do instituto da adoção também para as pessoas idosas, principalmente aquelas denominadas de ‘idosas órfãs’, às quais não possuem familiares e nenhuma rede de apoio apta para ajudá-las neste momento específico da vida”, explica Patrícia Novais Calmon, presidente da Comissão da Adoção e do Idoso do IBDFAM seção Espírito Santo – IBDFAM/ES. Para ela, o que mais importa para o exercício da paternidade/maternidade é o afeto.
A autora dos artigos “A colocação de idosos em família substituta por meio da adoção: uma possibilidade?” e “Senexão: um novo instituto de direito das famílias?” acredita que não há mais a necessária observância das nuances pautadas na Biologia, como acontecia em outros tempos. “O ser pai ou ser mãe está muito mais na função exercida do que no ato de gerar, lembrando a brilhante colocação, de 1979, de João Baptista Villela.”
Para a advogada, o Direito deve regulamentar adequadamente a inclusão de pessoa idosa em família substituta, seja por meio de institutos já existentes no ordenamento jurídico, como a adoção, ou pela criação de outro, como a senexão. “A senexão e a adoção de idosos visariam regulamentar situações fáticas semelhantes, mas não seriam institutos idênticos, já que suas consequências seriam distintas (um transformaria o adotando em filho, diferentemente do outro)”, avalia.
Viabilidade jurídica
Segundo Patrícia Calmon, embora a interpretação conjunta do artigo 37 do Estatuto do Idoso e 28 do ECA confira uma viabilidade jurídica mínima à aplicação do instituto da adoção de idosos, o Judiciário ainda é muito reticente na sua aplicação. “Foge ao comum uma pessoa mais jovem adotar uma mais velha. O curioso é que no Direito romano, o jurisconsulto Gaio já previa essa possibilidade de adoção do mais velho pelo mais novo.”
“Ademais, não se pode esquecer da previsão possivelmente impeditiva prevista no artigo 42, § 3º, do ECA, que determina que deve existir uma diferença de 16 anos entre o adotante e o adotando. Certamente, tal lógica não se aplicaria às adoções de idosos e demandaria um olhar mais criativo do intérprete da lei”, comenta a advogada.
A especialista afirma que são muitos desafios a serem superados. Frisa, no entanto, que a sociedade deve enxergar a importância de se repensar o instituto da adoção também para o caso dos idosos.
Impactos da pandemia
A advogada lembra que houve um aumento da violência contra idosos em instituições de longa permanência durante a pandemia da Covid-19. “Não se tem dúvida de que a pandemia evidenciou a situação vivida por idosos em instituições de longa permanência, tais como a impossibilidade de contato com pessoas de fora da instituição (em um momento inicial da pandemia), o abandono por parte da família, e a saúde mental dos idosos institucionalizados, entre outras questões.”
“É certo que estes fatos perpassam pelo direito à convivência familiar e comunitária da pessoa idosa, direito este que é fundamental, mas muitas vezes esquecido pela família e sociedade. Aliás, não se pode esquecer que o próprio direito à convivência familiar e comunitária é fundamento para a aplicação da adoção de idosos”, conclui Patrícia.
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