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Casal homoafetivo pode registrar filho, fruto de inseminação caseira, com duas mães; juiz ressaltou "direito de ser feliz"
Duas mães, que vivem em união estável desde o ano passado, conseguiram na Justiça de Sergipe a autorização para registro de nascimento do filho com dupla maternidade. Assim, a companheira daquela que deu à luz deve constar como mãe socioafetiva da criança, gerada por inseminação caseira. A decisão favorável é da 19ª Vara Cível de Aracaju.
De acordo com as autoras da ação, diante de parca situação econômica, o desejo de constituir família e ter filhos foi realizado por meio de inseminação caseira, que tem baixo custo para a realização. O procedimento tem sido adotado por casais que não podem recorrer às técnicas de reprodução assistida, que podem exigir altos valores.
O pedido foi feito com tutela de urgência, ante a necessidade de inserir o recém-nascido no plano de saúde da mãe socioafetiva. O bebê nasceu em meados de julho com problemas de saúde e necessitando de medicamentos de alto custo. O Ministério Público deu parecer favorável para constar a dupla maternidade no assento de nascimento.
Direito de ser feliz
Na análise do caso, o juiz Paulo Henrique Vaz Fidalgo ressaltou não existir lei federal que rege a inseminação heteróloga, mas atos normativos do Conselho Federal de Medicina – CFM disciplinam a matéria. As mães seguiram os procedimentos adequados para esses casos, a exemplo do anonimato do doador, como ressaltou o magistrado.
Ele também citou o reconhecimento das famílias homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal – STF, em julgamento de 2011 que teve o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM como amicus curiae. “A doutrina, hodiernamente, ressalta que, acima de qualquer outra finalidade na constituição de uma família, está o direito de ser feliz”, acrescentou Fidalgo.
Em decisão favorável ao casal, o juiz ainda determinou que conste, no registro da criança, os avós das duas linhas maternas e demais consectários jurídicos inerentes ao estado de filiação. O pedido foi julgado procedente em atenção ao melhor interesse da criança e com base nos termos do artigo 487 do Código de Processo Civil.
Decisão sensível à realidade social
Presidente do IBDFAM seção Sergipe, a advogada Acácia Lelis atuou no caso. Para ela, a decisão judicial proferida mostrou-se sensível à realidade social. “Visou principalmente resguardar o direito da criança quanto ao reconhecimento imediato de sua identificação, que é um direito da personalidade”, comenta.
“O projeto parental de casais homoafetivos muitas vezes esbarra na condição econômica e, por isso, muitos optam pela inseminação caseira. A decisão judicial legitimou uma situação fática, em respeito aos princípios da autonomia privada, afetividade, busca da felicidade e da dignidade humana”, acrescenta Acácia.
Ela destaca que a realização de projeto parental por meio de inseminação caseira ainda não está regulamentada. “Em razão disso, a possibilidade do reconhecimento da dupla maternidade encontra amparo no que preceitua o artigo 1.597 do Código Civil, que prevê a presunção da filiação quando a inseminação for com o consentimento do outro cônjuge.”
Há ainda, por analogia, a aplicação do disposto nos artigos 16 e 17 do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. “O reconhecimento da filiação decorrente da reprodução assistida é regulamentada pela Resolução do CNJ, dispensando prévia autorização judicial.”
“O que leva muitos casais homoafetivos à utilização desse método é a ausência de recursos financeiros para custear a reprodução assistida em clínicas especializadas e a invisibilidade de políticas públicas voltadas a esse público. Acredito que políticas públicas inclusivas albergando esses casais seria um dos caminhos possíveis, uma vez que a regulamentação do procedimento esbarra em questões complexas”, defende Acácia.
Leia a íntegra da decisão no Banco de Jurisprudência do IBDFAM (acesso exclusivo para associados).
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