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Lei Maria da Penha completa 19 anos com altos índices de violência
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Há quase vinte anos, a Lei Maria da Penha (11.340/2006) representa um marco no enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil, mas, em 2025, o país ainda lida com altos índices de violência doméstica. O que ainda falta para garantir proteção efetiva às vítimas? É o que busca responder a professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, no dia em que a lei completa 19 anos.
Conforme dados da 5ª edição da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Datafolha, 37,5 % das mulheres brasileiras sofreram pelo menos um tipo de violência (física, sexual ou psicológica) por parceiro íntimo entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025, representando cerca de 27,6 milhões de mulheres. A violência psicológica (31,4 %) foi a mais relatada, seguida por física (16,9 %), ameaças e stalking (16,1 %).
Em 2024, uma pessoa foi estuprada a cada seis minutos. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 indicou que foram notificados 87.545 casos, o número mais elevado desde que a estatística começou a ser acompanhada, em 2006, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP, que edita o levantamento. Dessas vítimas, 76,8 % são crianças e adolescentes até 14 anos; quase 68% dos estupros ocorreram dentro de casa.
O Anuário também constatou um recorde de feminicídios: foram 1.492 casos desde a tipificação do crime, em 2015. Destes, 80% foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros, e 64 % ocorreram no domicílio, atingindo predominantemente mulheres negras.
Conforme o Painel Violência Contra a Mulher, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 2024 houve mais de 966.785 novos casos de violência doméstica registrados na Justiça. Foram julgados 10.991 processos de feminicídio, morte de mulheres por menosprezo ou discriminação à condição de mulher, em 2024. Esse é o maior número desde 2020, quando se iniciaram os registros.
Adélia Moreira Pessoa observa que várias leis foram publicadas nos últimos tempos para reverter o cenário. Entre elas, a Lei 15.123/2025, que aumenta a punição para violência psicológica utilizando tecnologia, e a Lei 15.125/2025, que permite o monitoramento de agressores de mulheres por meio de tornozeleiras eletrônicas para garantir o cumprimento de medidas protetivas em casos de violência doméstica e familiar.
Enfrentamento à violência
Apesar de ser popularmente conhecida pelo nome da famarcêutica cearense que ficou paraplégica após tentativa de assassinato pelo ex-marido, a Lei 11.340/2006 ainda não tem o nome Maria da Penha expresso no texto legal. A medida é foco do Projeto de Lei 5.178/2023, em análise no Senado Federal. Para Adélia, a proposta é oportuna, tendo em vista a trajetória de Maria da Penha e o fato de que o texto já é conhecido em todo o país por este nome.
Em 2021, no aniversário de 15 anos da LMP, o IBDFAM entrevistou Maria da Penha. Clique aqui para ler a entrevista na íntegra.
Adélia considera ser indispensável o aperfeiçoamento das estratégias que garantam a efetividade no enfrentamento à violência de gênero, “o que passa, necessariamente, pelas instituições públicas e privadas, com envolvimento de todos os poderes do Estado e da sociedade, na garantia de um acesso concreto ao direito de viver sem violência”.
“Ano a ano, a violência contra a mulher ocupa grande espaço na mídia, na segurança pública, no sistema de justiça e na vida de milhares de famílias. Aumenta o número de Inquéritos, ações penais de violência doméstica e júris de feminicídio. Entretanto, não adianta medidas, apenas, no âmbito criminal. A questão é bem mais complexa e exige mudança de padrões culturais que foram modelados por séculos (ou milênios?) de submissão da mulher”, pondera.
Segundo a especialista, a violência pode ser um sintoma de uma crise de poder: “o poder patriarcal está cedendo espaço para autonomia da mulher que viveu assujeitada durante tanto tempo.”
“O momento do divórcio ou dissolução da união, disputa de guarda e alimentos, pode ser o de maior risco para a mulher, pois o homem pode não aceitar essa decisão pela percepção de estar perdendo o poder. Enquanto a mulher era silenciada e não fazia valer seus direitos, havia menor número de feminicídio; quando procura libertar-se, pode sofrer a violência letal”, afirma.
Sanção positiva
Também em análise no Senado Federal, o Projeto de Lei 2549/2024 propõe a criação do Selo Cidade Mulher, a ser conferido aos municípios que se destacarem na efetividade das políticas públicas específicas para o bem-estar das mulheres.
Segundo Adélia, o texto é uma sanção premial ou sanção positiva, que recompensa ação desejável, em vez de punir condutas indesejadas, atuando como incentivo para promover ações benéficas para a sociedade, para que as cidades façam adesão às políticas públicas para mulheres.
“Para isso, são observados critérios de: busca da igualdade efetiva entre mulheres e homens; combate à discriminação; universalidade dos serviços e benefícios ofertados pelo Estado; participação das mulheres em todas as fases das políticas públicas; transversalidade como princípio orientador das políticas públicas, além de adesão ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, bem como o combate à exploração sexual de meninas e adolescentes e ao tráfico de mulheres e promoção dos direitos humanos das mulheres em situação de prisão”, detalha.
As leis, esclarece Adélia Moreira Pessoa, estabelecem sanção para garantia de seu cumprimento. “Na maior parte, as sanções possuem o caráter repressivo, penalizador; entretanto, há vantagem de utilização da forma positiva da sanção, denominada sanção premial, como meio de gerar adesão, efetuando-se direcionamento de ações, por vias menos gravosas. É um reforço positivo, conhecido na Psicologia.”
Conquistas
Apesar dos números, Adélia Moreira Pessoa reconhece avanços importantes já conquistados, como a criação de inúmeras políticas nos diversos poderes do Estado e no âmbito do Sistema de Justiça, da Segurança Pública, da Assistência Social, da Educação ou da Saúde, por exemplo.
“Foram criadas Varas especializadas para julgar violência contra a mulher, hoje existentes em todos os Estados brasileiros, bem como Casas da Mulher Brasileira, espaços de atendimento e acolhimento de mulheres em situação de violência. Na Segurança Pública, foram instaladas Delegacias da Mulher em todos os Estados. As Patrulhas Maria da Penha, tanto ligadas à Polícia Militar quanto às vinculadas à Guarda Municipal, em vários Estados e municípios do país, têm prestado excelente trabalho no acolhimento, proteção e acompanhamento de mulheres em situação de Violência Doméstica”, elenca.
A professora elogia normas expedidas pelo CNJ para garantir maior equidade de gênero no âmbito do Poder Judiciário, como o Protocolo para Julgamentos com Perspectiva de Gênero. Além disso, cita a criação de Secretarias de Políticas para Mulheres, além das Secretarias ou Coordenadorias de Políticas Públicas para Mulheres, e de órgãos específicos, como os Centros de Referência de Atendimento à Mulher – equipamento municipal que oferece suporte e atendimento especializado para mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Outros destaques citados por Adélia são os Núcleos ou Centros de Apoio Operacional da Mulher, a Comissão da Mulher Advogada do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e nas seccionais, e o Núcleo de Defesa e Proteção aos Direitos da Mulher – NUDEM.
“Vale registrar ainda que vislumbramos um campo novo nas ciências humanas e sociais: os estudos de gênero, com um caráter crítico-reflexivo radical à condição de subordinação, opressão e subalternização das mulheres, estampando uma dimensão multicultural e emancipatória, em um paradigma plural. Isso está sendo trabalhado em várias instituições de ensino superior e entidades de pesquisa”, destaca.
Adélia entende a educação como via indispensável à mudança de padrões culturais sexistas que ainda estão na base, no plano de fundo da violência e discriminação da mulher. “Essa via deve ser mais trabalhada nos diversos espaços.”
“Não será de forma rápida que mitos, preconceitos e estereótipos serão desconstruídos. A vigência de uma lei pode ajudar, funciona como um dos fatores para o fim da violência. Contudo, as leis não bastam. É preciso que toda a sociedade se mobilize e nunca é demais enfatizar o papel fundamental da educação”, afirma.
A diretora nacional do IBDFAM conclui ser inegável que a Lei Maria da Penha frutificou com resultados profícuos em vários espaços. Segundo ela, cabe ao IBDFAM contribuir para a efetivação da lei em sua integralidade, em uma perspectiva multidimensional e multicultural emancipatória, focada em redes interdisciplinares e de múltiplos agentes, na heterogeneidade e na diversidade e permanentemente aberto ao diálogo.
Por Débora Anunciação
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