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Especialistas comentam decisão do STF que desobriga separação de bens para maiores de 70 anos
Na última semana, o Supremo Tribunal Federal – STF determinou que o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes. Por unanimidade, o Tribunal entendeu que manter a obrigatoriedade da separação de bens, prevista no Código Civil, desrespeita a autonomia e o direito de autodeterminação das pessoas idosas.
Relator do Recurso Extraordinário com Agravo – ARE 1309642 (Tema 1.236), com repercussão geral, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que “a obrigatoriedade da separação de bens impede, apenas em função da idade, que pessoas capazes para praticar atos da vida civil, ou seja, em pleno gozo de suas faculdades mentais, definam qual o regime de casamento ou união estável mais adequado”.
No processo em análise, a companheira de um homem com quem constituiu união estável quando ele tinha mais de 70 anos recorreu de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP, que negou a ela o direito de fazer parte do inventário ao aplicar à união estável o regime da separação de bens.
O STF negou o recurso e manteve a decisão do Tribunal de São Paulo. O ministro Barroso explicou que, como não houve manifestação prévia sobre o regime de bens, deve ser ao caso concreto aplicada a regra do Código Civil. O ministro salientou que a solução dada pelo Supremo à controvérsia só pode ser aplicada para casos futuros, ou haveria o risco de reabertura de processos de sucessão já ocorridos, produzindo insegurança jurídica.
Na prática, o que significa a decisão? O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM convidou especialistas no assunto para ajudar a compreendê-lo.
Como a decisão será aplicada?
O advogado Fabiano Rabaneda, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Mato Grosso – IBDFAM-MT, explica que a decisão reconhece e reafirma o princípio da busca da felicidade.
“Ao reconhecer a não compatibilidade constitucional do regime de separação obrigatória, da forma como foi dada a decisão, o STF assegura a segurança jurídica para as relações que tinham iniciado antes do julgamento e confere a possibilidade, por meio de escritura pública, da mudança imediata do regime de bens”, afirma.
Ele esclarece que o STF extinguiu o regime de separação obrigatória, enquanto manteve o regime de separação legal no ordenamento jurídico.
“Iniciado o relacionamento com menos de 70 anos, pode-se optar – além dos outros regimes – pelo regime de separação convencional. Neste caso, no óbito, o sobrevivente será meeiro dos bens em que comprovar esforço comum e herdeiro dos bens particulares. Entretanto, se iniciado o relacionamento após os 70 anos, vigerá como padrão a separação legal, não se comunicando no caso de óbito os bens particulares”, explica.
E acrescenta: “A mudança agora é que pode ser possível a alteração do regime de bens para outro, diverso da separação, via escritura pública, mantendo, no caso de escolha da comunhão parcial, a incomunicabilidade obrigatória dos bens particulares em caso de óbito”.
A norma se tornou inconstitucional?
O advogado e professor Carlos Eduardo Elias de Oliveira, membro do IBDFAM, caracteriza a decisão como uma “solução intermediária”, já que o Supremo “entendeu que o dispositivo legal tem que ser interpretado de uma maneira específica para ser considerado constitucional”.
“Trata-se de uma técnica conhecida como interpretação conforme a Constituição. Nesse sentido, o STF entendeu que o regime da separação legal é o regime aplicável para o septuagenário, salvo se o septuagenário firmar pacto antenupcial e escolher outro regime de bens. No caso de casamento, será por meio de escritura pública; já no caso de união estável, será por meio de um contrato de convivência, que tem que ser feito por escritura pública”, diz.
“Parte da doutrina tem criticado essa medida, dizendo que o legislador estaria presumindo a vulnerabilidade da pessoa idosa. Na minha visão, entendo que o Supremo, neste momento, chegou a uma solução de conciliação que respeita a liberdade da pessoa idosa e evita situações de golpe”, pontua.
Qual será o papel dos tabelionatos?
Tabeliã de notas na capital de São Paulo, Priscila de Castro Teixeira Pinto Lopes Agapito, presidente da Comissão de Notários do IBDFAM, explica que as pessoas que pretendem se casar e têm mais de 70 anos agora passam a ter as mesmas opções que qualquer casal teria.
“Sendo assim, eles podem procurar um tabelião de notas e fazer um pacto antenupcial, escolhendo o regime de bens que melhor lhes aprouver – separação convencional, comunhão universal, comunhão parcial de bens, participação final nos aquestos ou um regime híbrido e até mesmo a própria subsunção ao regime da separação obrigatória de bens. No silêncio, ou seja, se nada dispuserem em contrário, valerá a separação legal de bens, prevista no artigo 1.641, II, do Código Civil”, afirma.
Neste caso, é possível fazer o pacto tanto presencialmente, independente do endereço de residência, quanto virtualmente, pelo e-notariado, seguindo as regras de competência do Código Nacional de Normas do Conselho Nacional de Justiça. O mesmo se aplica para os casais que desejarem fazer a escritura de união estável.
Também ficou definido que pessoas acima dos 70 anos que já estejam casadas ou em união estável podem alterar o regime de bens, mas para isso é necessário autorização judicial (no caso do casamento) ou manifestação em escritura pública (no caso da união estável).
“Se as pessoas já forem casadas, elas devem contratar um advogado e pedir a alteração judicial deste regime de bens nos termos do artigo 1.639 (pedido judicial e motivado). Se o casal viver em união estável, basta ir até o tabelionato de sua preferência (se o ato for físico) ou buscar o tabelião de seu domicílio (se o ato for digital), dispensada a presença de advogado, e solicitarem a alteração do regime de bens por escritura pública”, ela explica.
“Em todos os casos, os casais se responsabilizarão por não ferirem e por ressalvarem os direitos de terceiros e declararão que não há fraude nessa alteração. E os efeitos dessa alteração serão ex nunc: não retroativos”, complementa.
Como fica o Direito das Sucessões?
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Minas Gerais – IBDFAM-MG, o advogado e professor José Roberto Moreira Filho avalia a decisão como desfavorável para os juristas que defendem a inconstitucionalidade da norma presente no Código Civil.
“Há uma grande dúvida sobre como ficam os inventários que estão em trâmite. Alguns defendem que não existe mais a separação obrigatória, enquanto outros, como eu, entendem que ela ainda é a regra, a menos que haja escritura em contrário. Isso cria um ônus adicional para as pessoas idosas, já que agora, aos 70 anos, precisam gastar com escrituras públicas e pactos se desejarem outro regime que não seja o da separação obrigatória”, afirma.
Em relação ao Direito das Sucessões, ele entende que todos os processos abertos de pessoas maiores de 70 anos que se casaram estarão sujeitos ao regime legal da separação obrigatória.
“Isso traz insegurança jurídica aos inventários em andamento. No entanto, entendo que é possível modificar o regime de bens durante o casamento, mesmo após os 70 anos, desde que isso seja feito por meio de pacto antenupcial por escritura pública ou seguindo os procedimentos legais para mudança de regime, com o consentimento de ambos os cônjuges e sem prejudicar terceiros, apresentando as razões dessa mudança”, analisa.
Em live, especialistas discutem a decisão
Na última quarta-feira (7), especialistas do IBDFAM abordaram o assunto na live A decisão do STF - Como fica o Regime da Separação Obrigatória?. Participaram da conversa Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM; Priscila de Castro Teixeira Pinto Lopes Agapito, presidente da Comissão de Notários do IBDFAM; Mário Luiz Delgado Regis, presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM; e João Ricardo Brandão Aguirre, presidente da Comissão de Ensino Jurídico do IBDFAM. Assista:
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br