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STF decide que maiores de 70 anos podem afastar regime de separação de bens em casamentos e uniões estáveis
O Supremo Tribunal Federal – STF negou provimento ao Recurso Extraordinário com Agravo – ARE 1309642 (Tema 1236) e, por unanimidade, fixou o entendimento de que, “nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas maiores de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”. O julgamento, iniciado em outubro de 2023, chegou ao fim na tarde desta quinta-feira (1º), na primeira sessão plenária de 2024, que marca o início do Ano Judiciário.
Os nove ministros acompanharam o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que traçou um panorama histórico, desde o Código Civil de 1916, para exemplificar como a legislação que prevê a obrigatoriedade da separação de bens acompanhou o aumento da expectativa de vida da sociedade brasileira. Votaram os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e a ministra Cármen Lúcia.
“A realidade é que a população brasileira está envelhecendo progressivamente, vivendo mais e tendo menos filhos. Neste sentido, é necessário combater o etarismo. A análise da ementa do Recurso Extraordinário versa sobre a constitucionalidade do artigo e sua extensão às uniões estáveis. A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP reformou a decisão para validar o dispositivo. A dúvida é se essa regra é constitucional e se estende às uniões estáveis, violando os princípios da dignidade humana e da igualdade”, diz o ministro.
Barroso advertiu que utilizar idosos como instrumento para satisfazer interesses dos herdeiros vai contra o princípio da autonomia. “Além disso, utilizar a idade como elemento de desequiparação entre as pessoas é vedado pela Constituição Federal, sendo ilegítimo, uma vez que são pessoas maiores e capazes. Considero que a interpretação que dê cogência a esse dispositivo seja inconstitucional”, pontua.
Apesar disso, no caso concreto, como não houve manifestação do falecido, a norma é aplicável. Os ministros consideram que decisão contrária poderia gerar insegurança jurídica.
IBDFAM atuou como amicus curiae
“Trata-se de um marco para o Direito das Famílias”, avalia a advogada Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional da Pessoa Idosa do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. “A obrigatoriedade do regime de separação de bens para maiores de 70 anos fere flagrantemente a dignidade e a autonomia da pessoa idosa. Nós não podemos avaliar a capacidade de decidir de uma pessoa sob a ótica cronológica, somente”, afirma.
O IBDFAM atuou como amicus curiae, em defesa da inconstitucionalidade da imposição do regime de casamento para maiores de 70 anos. Maria Luiza Póvoa apresentou sustentação oral no Plenário.
Com a decisão do STF, pessoas com mais de 70 anos que se unirem em matrimônio ou em união estável terão o direito de escolher qual regime de separação desejam. O tema é de repercussão geral, portanto terá aplicação para casos semelhantes em instâncias inferiores na Justiça.
“O Supremo está corrigindo uma falha do legislador e restabelecendo a dignidade da pessoa idosa. Esse é um tema social de enorme relevância, que carece da necessidade de adequação da legislação à evolução da sociedade”, avalia a advogada.
Entenda o caso
O julgamento do ARE 1309642 (Tema 1236) começou em 18 de outubro de 2023 e surgiu como repercussão de um caso que ocorreu na cidade de Bauru, no interior de São Paulo, no qual um homem e uma mulher mantiveram uma união estável de 2002 a 2014, ano em que ele morreu.
Em primeira instância, o juízo reconheceu a companheira como herdeira. No entanto, os filhos do homem recorreram e, embora tenha confirmado a união estável, o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP aplicou o regime de separação de bens, já que ele tinha mais de 70 anos quando a relação foi selada, seguindo o exposto no artigo 1.641, II, do Código Civil.
Os autos foram encaminhados para o Superior Tribunal de Justiça – STJ e, então, para o STF, já com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República – PGR.
Ao julgar a repercussão geral da matéria, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou considerar que a questão ultrapassa interesses subjetivos do caso ocorrido em Bauru por apresentar relevância social, jurídica e econômica.
Reforma do Código Civil
O fim do regime da separação obrigatória de bens está entre as propostas da Comissão de Juristas formada para propor o anteprojeto de lei para a reforma do Código Civil.
O grupo é presidido pelo Ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça – STJ. A vice-presidência é do Ministro Marco Aurélio Bellizze, também do STJ.
O professor Flávio Tartuce, presidente da Comissão de Direito das Sucessões do IBDFAM, é o responsável pela relatoria geral da Comissão, juntamente com a professora Rosa Maria de Andrade Nery.
Do Instituto, também integram a Comissão: Maria Berenice Dias, Carlos Eduardo Elias de Oliveira, Giselda Hironaka, Gustavo Tepedino, José Fernando Simão, Mário Delgado, Nelson Rosenvald, Pablo Stolze e Rolf Madaleno.
O artigo “A reforma do Código Civil - Fim do regime da separação obrigatória de bens”, de autoria de Flávio Tartuce, disponível no site do IBDFAM, aborda o assunto.
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