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Dia Nacional da Adoção: morosidade da Justiça desafia prazos previstos pelo ECA
Nesta quinta-feira, 25 de maio, é celebrado o Dia Nacional da Adoção. A data, oficializada por meio da Lei 10.447/2002, foi criada com o objetivo de dar visibilidade ao direito de convivência familiar, uma das principais normas do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990). Apesar disso, a demora do processo é uma realidade que se impõe à vida de crianças e adolescentes aptos para adoção em todo o Brasil.
Para a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o não cumprimento dos prazos previstos pelo ECA é o principal desafio enfrentado pela adoção no Brasil hoje.
“Não é preciso alterar a lei, mas sim cumpri-la. Enquanto o Judiciário não se equipar para lidar com esses sujeitos de direitos, eles serão esquecidos e envelhecerão no acolhimento sem família e sem seus direitos preconizados no artigo 227 da Constituição Federal”, afirma.
A especialista se refere à cláusula que diz ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito (...) à convivência familiar e comunitária (...).”
“O que dizer de um país em que o próprio Judiciário não cumpre o princípio da prioridade absoluta? Onde crianças e adolescentes não são considerados em seu superior interesse?”, questiona.
Extinção e destituição
Para que uma criança seja adotada, é necessário que os genitores tenham o poder familiar extinto ou destituído. A extinção se dá pela morte ou por meio da entrega voluntária. Já a destituição se dá pelo descumprimento das responsabilidades parentais.
“O processo de destituição do poder familiar tem duração prevista de 120 dias e chega a durar, em média, sete anos e meio. Imagine uma criança que chega ao acolhimento aos cinco e aguarda sete anos para ser liberada para adoção, perdendo a infância em procedimentos que chegam aos tribunais superiores”, avalia.
Silvana explica que a morosidade da Justiça é um dos principais responsáveis pela grande quantidade de crianças aptas para adoção no Brasil, assim como “uma política biologista velada”.
De acordo com dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, atualmente existem no Brasil mais de 4.300 crianças aptas para adoção.
“Sabemos que a família natural é prioritária, mas, apenas, se nela existir amor e cuidado. Não adianta perder a infância para que genitores que não conseguem exercer a parentalidade responsável se recuperem, ou ‘lembrem’ que os filhos existem e têm direitos”, aponta.
“Não se trata de ‘tirar’ os filhos das pessoas pobres. Se essa fosse a premissa não existiriam cerca de 30 mil crianças e adolescentes acolhidos e, sim, 1 milhão. Ser humilde, pobre, não significa ser negligente, abandonar, explorar ou maltratar. Existe cuidado em famílias humildes. Existe amor, carinho e afeto”, ela acrescenta.
Propostas legislativas
Questionada sobre os principais projetos de lei que tratam da adoção atualmente, a especialista destaca PL já arquivados que, segundo ela, deveriam ser reapresentados, como é o caso do PL 369/2016, que altera o ECA para dispor sobre adoção na modalidade intuitu personae, mediante a comprovação de prévio conhecimento, convívio ou amizade entre adotantes e a família natural, bem como, para criança maior de dois anos, do vínculo afetivo entre adotantes e adotando.
Silvana também destaca o PL 5.449/2019, que estabelece que as decisões judiciais que tenham deferido a adoção ou a destituição de poder familiar, pendentes de recurso perante tribunais superiores, produzirão efeitos imediatos, caso os detentores originais do poder familiar não estejam presentes no processo.
“Isso significa que as decisões estariam à revelia dos pais biológicos e com recursos apresentados pela Defensoria Pública. Dessa forma, permite-se a formação, desde logo, da nova família constituída a partir da adoção”, afirma.
Ela também chama a atenção para o PL 1.535/2019, que dispõe sobre regras relativas à guarda provisória no processo de adoção. A proposta determina que, no período de habilitação, o adotante pode fazer uso do nome social, permitindo maior vínculo e segurança para a criança ou adolescente e o adotante.
“Com isso, fica permitido que crianças em fase de adoção possam ter mais garantias sobre o uso do nome social (da família dos pais adotantes), o direito de matrícula em escolas públicas e a continuidade nos atendimentos públicos prestados durante estadia em instituições de acolhimento. Contudo, a alteração dos documentos do adotado só poderá ser feita após a conclusão do processo legal”, pontua.
Por fim, ela ressalta o PL 938/2019, que dispõe sobre programas de estímulo à adoção por meio de busca ativa de pessoas interessadas em adotar crianças e adolescentes.
“O PL permite que o Poder Público faça campanhas de busca ativa de pessoas interessadas na adoção de crianças e adolescentes, com a publicação de fotografias das crianças, sempre com a autorização da criança, da Justiça e do Ministério Público. O projeto estabelece prioridade na adoção de crianças e adolescentes com deficiência, doença crônica ou necessidades específicas de saúde, além de grupo de irmãos. O texto também prevê aumento de pena em um terço para crimes que atinjam as crianças e os adolescentes inseridos nesses projetos”, afirma.
Crianças Invisíveis
Silvana do Monte Moreira enfatiza a atuação do IBDFAM. O Instituto, além de ter uma comissão específica que trata do tema da adoção, também tem o projeto Crianças Invisíveis, que busca diagnosticar entraves existentes nas áreas do acolhimento institucional e familiar de crianças e adolescentes e da adoção para propor uma agenda positiva em âmbito social, político, legislativo e científico que visa garantir o direito à convivência familiar desses infantes.
“Estamos prestes a lançar nosso livro com autores e autoras que vivem a infância. Serão várias abordagens tratando desse direito ainda tão desconhecido. Além disso, estamos elaborando um projeto de lei para abordar corretamente as questões do direito da criança e do adolescente na área protetiva”, afirma.
Recentemente, o Instituto passou a fazer parte do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, representado pela diretora nacional Renata Nepomuceno e Cysne. O Conanda é um órgão colegiado, paritário, indispensável para garantia de direitos da criança e do adolescente, responsável pelas diretrizes da Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outras atribuições.
Além disso, Silvana destaca que a Comissão de Adoção do IBDFAM realizou uma reunião com Ariel de Castro Alves, Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, pasta ligada ao Ministério dos Direitos Humanos do Governo Federal, na qual foram abordadas inúmeras questões envolvendo a adoção. Saiba mais.
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