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No wrong way home e uma possível concepção de lar
Claudio Augusto Varela Ayres de Melo Filho
Advogado
Resumo: O presente artigo se propõe a ilustrar através da música e do vídeo no Wrong Way Home tentar conceituar o “lar”, suas implicações na vida e desenvolvimento de uma pessoa, como identificá-lo, assim como auxiliar na visualização de elementos do direto, presentes no cotidiano, principalmente o direito de família e do estatuto da criança e do Adolescente. No intuito de promover reflexões de conceitos não pensados no dia a dia, assim como a ausência de fomentação de educação de história e direito, o que impede que essa seja realizada, cominando em uma estagnação, a qual impede o desenvolvimento social em seu núcleo, ou seja, a família.
Palavras chave: Lar.Direito.Família.Criança.Adolescente.
Abstract: This article aims to illustrate through the music/video Wrong Way Home, trying to conceptualize the concept of“home”, its implications for a person's life and development, how to identify it, as well as assist in the visualization of elements of the right present in the everyday life, mainly family law and the statute of children and adolescents. In order to promote reflections on concepts not thought of on a daily basis, as well as the absence of promotion of history and law education, which prevents this from being carried out, resulting in a stagnation, which prevents social development at its core, the family.
Keywords:Home. Family. Law. Children. Adolescents.
Agradecimentos: Gostaria de agradecer a pessoa que me ensinou o que é um lar, o pilar que me ajuda a sustentar meus alicerces, que me ensina sempre que podemos fazer um pouco mais, sempre nos respeitando, que a empatia não é sentir a dor do outro, mas imaginar esta dor, uma vez que somos únicos em nossas vivências. A Ana Margareth Manique, agradeço a pessoa que você é e por estar em minha vida. Assim como você fez comigo, espero que esse artigo fomente a curiosidade pelo aprendizado e a vontade de sermos melhores.
A obra Google Spotlight Stories: Pearl Theatrical, desenvolvida pela Google, para a promoção de uma experiência de realidade virtual, conta a história de uma família monoparental[1], a qual está ligada por um carro e a música.
A música base do vídeo se chama no Wrong Way Home. Possuindo duas versões, na primeira há possibilidade de movimentação 360º, na segunda o movimento da câmera é automático.
Já no primeiro momento de contato com a obra, ao observar o título da música, em tradução livre significa, “não há caminho errado para o lar”, mas o que seria lar? Questionamento deveras subjetivo, no entanto, com certo esforço, é possível alcançar alguns critérios subjetivos para que possamos elucidar seu significado. O qual pode ser alcançado através de outros questionamentos como, pelo que ele é composto? Qual sua importância na vida de uma pessoa? E mais, como pode afetar o desenvolvimento de uma criança?
A começar é preciso dizer, “lar” não é necessariamente um local físico, ou seja, não é um lugar formado somente por matéria, a exemplo, uma casa, um apartamento ou até mesmo um carro. O lar é primeiramente e precipuamente formado do imaterial, ou seja, os sentimentos que são desenvolvidos em torno de um ambiente no qual há formação da afetividade entre pessoas ou até mesmo animais e plantas.
O lar se torna material, ou seja, tangível, quando ele é dotado de sentimentos e memória das quais são formadas com o tempo, como bem ilustrado na música, um dos lares tanto da garotinha e seu pai é o carro, talvez não o seu único lar, no entanto, pela narrativa, o mais importante, pois nele foram desenvolvidos memórias afetivas e sentimentos junto ao seu pai na busca do próprio sonho.
Mas que sentimentos seriam esses? O lar acima de tudo é onde a pessoa se sente segura tanto fisicamente quanto emocionalmente, podendo ser ela mesmo naquele ambiente, tecer suas opiniões e seus comportamentos sem medo. É um local, onde não há só o afeto, mas sua predominância.
Neste sentindo, voltando a análise da obra é perceptível que há uma perfeita sincronia com a narrativa e a música, uma vez que conta a trajetória de um pai no qual sonhava em ser músico e junto com sua filha pequena viajavam o país em busca deste sonho. Vivendo diversas aventuras, nas quais, apesar dos empecilhos e dificuldades o afeto foi fomentado como um pilar de ambos, vindo a possuir como marco destas experiencias e sentimentos, o carro.
A obra aborda de forma maestral as mudanças de perspectiva. No início até a metade a música e o contexto giram em torno do pai que está seguindo o seu sonho de músico, mas não abdica de seus deveres paternos.
Todavia, diante do insucesso, acaba por desistir do seu sonho e optar por uma vida “ordinária”. No contexto demonstrado, ele acredita que o modelo de família nuclear[2] seria a melhor forma de contribuir para o desenvolvimento de sua filha.
No momento em que ocorre a mudança da vida de ambos também ocorre a mudança de perspectiva e a garotinha vira a “protagonista”.
Diante disto, percebemos como o carro se tornou um ponto de refúgio e segurança, quando ela faz “traquinagens” com seus amigos ou mais velha quando entra em conflito com seu pai. Assim como um local para dividir boas experiências, como ela faz com seus amigos.
Perto do fim, com o reboque do veículo, nós temos um avanço no tempo, voltando quando a filha retorna ao carro e se recorda dos momentos ali gravados. Não só isso, como também o restaura para que se torne o meio de locomoção para o seu show, o qual traz seu pai consigo e a banda. No intuito de justamente compartilhar esse sentimento de conquista, através da construção da relação de ambos baseada no afeto.
Sendo assim, é perceptível que um lar pode ter turbulências, mas sua essência é composta de memórias que remetem aos sentimentos de segurança e afeto. Onde podemos nos recuperar, sendo respeitados por sermos nós mesmos ao dividir aperreios e momentos de tranquilidade, além do mais importante, de podermos sermos frágeis, falhar e suceder nas buscas dos nossos sonhos ou do que acreditamos ser melhor para nós.
Posto isto, é essencial para as pessoas em geral, o retorno para um lugar seguro e confortável. Nem sempre recheado de pessoas, mas com aquelas ou aqueles fatores que fomentam o ambiente com segurança e afeto, os quais são imperiosos para uma boa vivência.
Seguindo este raciocínio é imperioso para a formação saudável de uma criança, o desenvolvimento em um lar e não em um ambiente hostil. Uma vez que o contato com relações afetivas de segurança e carinho durante o seu desenvolvimento são importantíssimas para o desenvolvimento da sua autoestima na vida adulta. (MANIQUE, 2020)
Apesar de parecer utópico diante das atrocidades que são noticiadas que ocorrem em supostos lares, o estado, através de suas leis tenta fomentar, a exemplo, o crescimento saudável das crianças. Vale ressaltar o conjunto de normas voltadas justamente para essa finalidade, qual seja a LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990, conhecida também como o Estatuto da criança e do adolescente, no qual pode ser acessado gratuitamente através do site do Planalto. Esta lei prevê que a criança crescerá em um ambiente saudável e seguro, sendo garantido por aqueles que o rodeiam, como exposto no art. 18-A do ECA:
Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
O conhecimento do direito é imperioso e deveria ser fomentado socialmente desde as bases da educação, justamente para se ter a noção do que deveria ser, para o levantamento do questionamento de, por que não é?
Prosseguindo com este raciocínio, a LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002, conhecida como código civil possui capítulo intitulado Do Poder Familiar, nome já ultrapassado devendo ter nova interpretação, qual seja, dever familiar. Conforme é esclarecido por Maria Berenice Dias:
Ainda que o atual Código Civil tenha eleito a expressão poder familiar para atender à igualdade entre o homem e a mulher, não agradou. Mantém ênfase no poder, somente deslocando-o do pai para a família. Critica Silvio Rodrigues: pecou gravemente ao se preocupar mais em retirar a expressão a palavra “pátrio” do que incluir seu real conteúdo, que, antes de um poder, representa obrigação dos pais, e não da família, como o nome sugere. O poder familiar, sendo menos um poder e mais um dever, converteu-se em um múnus, e talvez se devesse falar em função ou em dever parental. (DIAZ, 2020, p. 302)
A mudança do nome poder familiar para dever familiar é grande relevância, pois esses são decorrentes do pátrio poder, o qual consistia em dar ao Homem da família o poder de subjugar tanto a mulher como seus filhos, lhe garantindo uma posição hierárquica superior. Tal situação gerava momentos de infortúnio, como violências físicas e psicológicas. (LOBO, 2014)
Na contemporaneidade o pátrio poder, pode ter deixado de existir na lei, em decorrência da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §5, que garante igualdade entre o homem e a mulher na gestão familiar, como código civil, usando o termo em seu capítulo, Do poder familiar.
Na obra, base deste artigo, na qual, apesar da vida atípica em que um profissional da música possa ter, isto não o impede de fomentar um lar e mais, não exclui a possibilidade de não exercer seu poder/dever familiar, dentro da sua família, qual seja, a Monoparental[3]
Em razão destes fatores, o conhecimento da história e evolução do direito de família é importantíssimo, pois com ele é possível se levantar diversos questionamentos, assim como auxiliar na compreensão e na empatia, uma vez que torna possível conhecer as mais diversas formas de se compor uma família, como a monoparental.
O afeto tem sido o princípio basilar para os avanços no direito das famílias, sendo responsável por inovações, como a família Eudemonista[4], a reparação moral pelo abandono afetivo, inclusão no registro de nascimento de mais de um pai ou mãe, baseado na socioafetividade, dentre outros.
Tendo isto em vista, apesar de se tratar de uma obra fictícia, o levantamento da reflexão abordada é real. Apesar de diversas pessoas viverem uma vida ordinária, por que há empecilhos para a formação de um lar? Pergunta extremamente subjetiva, uma vez que nenhum lar é igual ao outro, mas cabe ao leitor refletir sobre a existência de seu lar e se vive realmente em um lar, uma vez que ele pode ser formado através de uma estrutura deveras atípica, como é mostrado no vídeo base deste artigo.
Para além disto, resta também identificar os fatores que transformam a casa em um ambiente hostil e não um lar. Dentre estes, apesar do legislador não poder supor todos os exemplos de elementos possam prejudicar um lar ou a formação do mesmo, tenta evitar tais chagas através de leis como a Lei 11.340/06 conhecida como Lei Maria da Penha, em que protege a mulher contra violência no ambiente doméstico e a Lei 12.318/10 conhecida como Lei de Alienação Parental, que promove a proteção a crianças e adolescentes contra a influência negativa de um genitor em relação ao outro.
Diante do apresentado, certas reflexões escapam de nossas vidas, o que de certa forma atrapalha em nossa vivência. O conhecimento das leis e da história nos possibilitam, através de acontecimentos e de obras questionar a realidade em que estamos inseridos.
Ao passo em que, se não refletimos e não questionamos ficamos impedidos de mudar. Ao refletir sobre as estruturas de um lar, nos questionamos qual seria o lar ideal e se estamos vivendo em um.
Por isso, fomentar a explicação do direito e da história através de linguagens alternativas é essencial para se trabalhar reflexões essenciais para se ter em uma vida, como o que é um “Lar”? e mais eu tenho direito a ter um lar?
Desta forma, através da obra No Wrong Way Home é possível, aliado ao conhecimento do direito de família, fugir do modelo ordinário das formações das famílias e dos lares e refletir sobre outras formas de se construir um lar, e mais, respeitar aqueles que não se assemelham ao nosso modelo, mas são dotados de afeto.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
DIAS, M. B. Manual de Direito das Famílias. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.
LÔBO, P. Direito Civil: volume 5: famílias. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MANIQUE, Ana Margareth. A importância e os desdobramentos da afetividade nas relações intra e interpessoais. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1542/A+import%C3%A2ncia+e+os+desdobramentos+da+afetividade+nas+rela%C3%A7%C3%B5es+intra+e+interpessoais Acessado em : 12 de Maio de 2022.
RODRIGUES, Danielle P. C. A humanização das decisões no direito das famílias. Disponível em:https://ibdfam.org.br/artigos/1260/A+humaniza%C3%A7%C3%A3o+das+decis%C3%B5es+no+direito+das+fam%C3%ADlias+-+a+primazia+do+melhor+interesse+do+menor Acessado em : 11 de Maio de 2022.
SPOTLIGHT, Google Stories. 360 Google Spotlight Stories: Pearl. Youtube, 20 de mai. de 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WqCH4DNQBUA> Acessado em: 12 de Maio de 2022.
SPOTLIGHT, Google Stories. Google Spotlight Stories: Pearl Theatrical. Youtube, 17 de jun. de 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tZwAbpbtsb0> Acessado em: 12 de Maio de 2022.
[1] Família formada pelo(s) filho(s) e um dos pais.
[2] A família composta de pai, mãe e filhos.
[3] Família formada pelo(s) filho(s) e um dos pais.
[4] Família que tem como base a felicidade dos integrantes. Ou seja, uma família democrática, plural, isonômica, baseada na socioafetividade. (RODRIGUES, 2018)
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