Direito de Família na Mídia
Aproximação forçada preocupa
16/08/2010 Fonte: Jornal O TempoApesar de se basear no censo escolar para determinar que a Justiça identifique os pais de 4,85 milhões de estudantes brasileiros sem o nome do genitor em seu registro de nascimento, o objetivo final do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é mapear a real quantidade de pessoas sem paternidade identificada no Brasil, o que pode não agradar a muitos adultos nessa situação e que não têm interesse nessa aproximação paternal.
É o caso, por exemplo, das irmãs Joseni e Juliana Alves de Almeida. Quando soube do programa do CNJ, pelo qual poderia ser beneficiada, Joseni, 32, disse que as propostas pouco estimulam sua vontade em conhecer o pai. "Depois de tanto procurar, perdi um pouco o interesse e tenho medo de me decepcionar caso venha a descobrir quem ele é", diz.
Juliana, 24, também já teve vontade de conhecer o pai. "Nesta altura do campeonato, isso não me incomoda mais", admite. Ela nunca chegou a questionar sua mãe sobre o que realmente aconteceu e sempre evita tocar no assunto. "Acho fundamental uma criança ou um adolescente conviver com o pai. A iniciativa desse programa é muito boa, mas, para mim, já não adianta mais", ela conta. (Da Redação)
"Mais importante do que o nome é saber quem é o pai"
Cresci em meio a muito carinho, sem conhecer o meu pai, mas sempre ouvindo que era o "fruto" de um grande amor. Minha mãe nunca falou mal dele e sempre se colocou à disposição para ajudar a encontrá-lo quando eu quisesse.
Tinha 4 anos quando ela perguntou se eu queria conhecê-lo ou se aceitaria o futuro marido dela como um pai "emprestado". Criança que era, achei melhor ter um pai "emprestado" que já conhecia do que me arriscar a encontrar um total desconhecido.
A ausência do nome de um pai nos meus documentos nunca me fez infeliz. Não me fez - nem faz - melhor ou pior que os outros. Não impediu minha cidadania quando tirei a carteira de identidade nem esmoreceu minha conquista quando obtive a carteira de motorista e o diploma de curso superior.
Mas cresci sonhando em saber como era o rosto dele. Todos que o conheciam diziam que nós parecíamos fisicamente. Aos 23 anos, entendi que precisava ver a cara dele para ter paz. Avisei a minha mãe que o procuraria e fui atrás dele com a ajuda de um amigo. Antes, receosa que sou, procurei uma delegacia e me certifiquei de que ele não era um criminoso.
Após alguns telefonemas mediados, fiquei frente a frente com o meu pai. Hoje, 14 anos depois, temos uma convivência saudável e não sinto mais aquele vazio que me incomodava. Meus documentos continuam sem o nome do pai - e não me incomodo com isso. Tenho o que considero mais importante: o amor, o respeito e a admiração dos meus pais.Ana Cristina, 38 Professora
Caso
Abandono e briga são as justificativas
Mãe de Joseni e Juliana, Maria da Penha Almeida, 52, conta que não informou os nomes dos pais das filhas nos respectivos registros por desentendimentos com os companheiros. "Todos eles deram motivos para não serem considerados pais de minhas filhas", lamenta Penha. "Assim que fiquei grávida, a gente brigou e ele desapareceu", diz ela sobre um de seus relacionamentos. "E com o outro não foi diferente".
"Desde que comecei a falar, pergunto para minha mãe onde está meu pai. Mas ela nunca diz nada", conta Joseni. (Da Redação)
Minientrevista com Rodrigo da Cunha Pereira
"O pai que não estabelece esse vínculo com o filho é irresponsável e deve ser punido por isso"
Qual a sua opinião sobre o projeto Pai Presente?
Dei os parabéns ao CNJ. Esse projeto está reascendendo a lei nº 8.560/92. A intenção é muito boa e espero que essa identificação dos pais se cumpra porque é muito preocupante e até alarmante o número de crianças sem o nome do pai na certidão.
Isso não vai contra o direito da mãe de não informar o nome do pai?
Não, porque, quando se trata de criança, o interesse maior dela deve prevalecer. Ainda que isso signifique revelar alguns segredos da intimidade: muitas vezes, o pai é casado com outra mulher. E o Estado pode e deve interferir quando se trata de menores.
Afinal, quem está certo?
Não tenho dúvida de que o direito é do filho. A noção de paternidade é fundante do sujeito, todos têm o direito de saber quem é o pai, mesmo que o genitor não queira assumir. O nome do pai é que simboliza a entrada do sujeito na vida social.
Qual a implicação para o homem ao reconhecer a paternidade?
Implica a obrigação de sustentar o filho, pagar pensão alimentícia. O filho passa a ter direito patrimonial de herança. Pode não mudar a relação afetiva, mas o pai que não estabelece esse vínculo com o filho é irresponsável e deve ser punido por isso.
Os tribunais vão conseguir achar os pais desses 5 milhões de brasileiros?
Espero viver para ver isso. É exequível, pode ser que não se registrem 100% das crianças, mas uma boa parte será registrada, sim. Muitas dessas crianças não foram registradas porque a mãe não tem condições de promover a investigação de paternidade. Por isso, o Estado deve ajudá-la. A resolução não prevê punição para as mães que não contribuírem, mas o importante aqui é instalar uma política pública de buscar a paternidade de quem não a tem.