Direito de Família na Mídia
Mais um pai condenado a indenizar filha por abandono
22/06/2004 Fonte: Espaço VitalDepois dos casos de Capão da Canoa e Belo Horizonte, agora aconteceu em
São Paulo. Um pai foi condenado por danos morais a indenizar sua filha em R$
50 mil, por abandono. A determinação é do juiz Luis Fernando Cirillo, da 31ª
Vara Cível Central de São Paulo. A sentença foi publicada ontem. O réu tem
15 dias para recorrer.
De acordo com os advogados Camila Parolin de Albergaria Barbosa e
Willians Duarte de Moura, o pai abandonou a autora da ação ainda
recém-nascida - logo após ter-se separado da sua mulher. Conforme os autos,
o acusado logo se casou novamente e teve três filhos.
A autora da ação e a nova família do pai eram membros da colônia judaica
de São Paulo. Por isso, se encontravam constantemente. Segundo os advogados,
o pai desprezava a filha, fingindo não conhecê-la quando se encontravam.
A filha alega que, durante anos, se sentiu humilhada e rejeitada perante
a colônia. Diz que "cresceu envergonhada, tímida e embaraçada". A sentença
admitiu que "a autora sofre de complexo de inferioridade e tem problemas
afetivos e psicológicos".
O juiz entendeu que, "a par da ofensa à integridade física e psíquica,
decorrente de um crescimento desprovido do afeto paterno, o abandono afetivo
se apresenta também como ofensa à dignidade da pessoa humana, bem jurídico
que a indenização do dano moral se destina a tutelar." (Proc. nº
01.36747-0).
Leia a parte nuclear da sentença:
"A paternidade provoca o surgimento de deveres. Examinando-se o Código
Civil vigente à época dos fatos, verifica-se que a lei atribuía aos pais o
dever de direção da criação e educação dos filhos, e de tê-los não somente
sob sua guarda, mas também sob sua companhia (art.384, I e II).
Há, portanto, fundamento estritamente normativo para que se conclua que
a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além da
guarda, portanto independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de
ter o filho em sua companhia. Além disso, o abandono era previsto como causa
de perda do pátrio poder (art. 395, II), sendo cediço que não se pode
restringir a figura do abandono apenas à dimensão material. Regras no mesmo
sentido estão presentes também no Código Civil vigente (arts. 1.634, I e II
e 1.638, II).
É certo que o Código Civil em vigor explicita ser lícito o exercício
exclusivo do agora denominado poder familiar por um dos pais, se não existir
casamento (art. 1.631), a ponto de prever expressamente a perda do direito
dos pais de ter filhos em sua companhia na hipótese de separação judicial
(art. 1.632). Mas a perda do direito à companhia não é absoluta, uma vez que
o art. 1.589 da mesma lei prevê direito de visita, companhia e de
fiscalização da manutenção e educação do filho em favor do pai ou d mãe que
não detém a guarda.
Vê-se, portanto, que não há fundamento jurídico para se concluir,
primeiro, que não haja dever do pai de estabelecer um mínimo de
relacionamento afetivo com seu filho, e em segundo lugar que o simples fato
da separação entre pai e mãe seja fundamento para que se dispense quem não
fica com a guarda do filho de manter esse relacionamento.
A par da ofensa à integridade física (e psíquica) decorrente de um
crescimento desprovido do afeto paterno, o abandono afetivo se apresenta
também como ofensa à dignidade da pessoa humana, bem jurídico que a
indenização do dano moral se destina a tutelar.
É evidente que a separação dos pais não permitirá a quem não detém a
guarda o estabelecimento de convivência freqüente, ou mesmo intensa. Por
este motivo é que efetivamente não se mostra razoável, em princípio e em
linhas gerais, considerar que todo pai ou mãe que se separa e deixa o filho
com o outro genitor deva pagar ao filho indenização de dano moral. Mas nem
por isso poderá ir ao outro extremo e negar a ocorrência de dano moral se o
pai ou a mãe, tendo condições materiais e intelectuais, se abstém
completamente de estabelecer relacionamento afetivo ou de convivência, ainda
que mínimo, com seu filho, como se não houvesse um vínculo de parentesco,
que no âmbito jurídico se expressa também como companhia, transcendendo
assim a dimensão estritamente material....
A perita judicial concluiu que a autora apresenta conflitos, dentre os
quais o de identidade, deflagrados pela rejeição do pai (situação de
abandono), uma vez que o réu não demonstra afeto pela autora nem interesse
pelo seu estado emocional, focando sua relação com a requerente apenas na
dimensão financeira, a ponto de considerar normal ter se esquecido da filha.
A autora não teve possibilidade de conviver com uma figura paterna que se
relacionasse com ela de forma completa, defrontada com a situação de ser
formalmente filha do réu ao mesmo tempo em que tentava vivenciar uma relação
pai/filha com o segundo marido de sua mãe. Seu referencial familiar se
caracterizou por comportamentos incoerentes e ambíguos, disso resultando
angústia, tristeza e carência afetiva, que atrapalharam seu desenvolvimento
profissional e relacionamento social" (Com informações da revista Consultor
Jurídico).