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Especialista examina institutos Supressio e Surrectio no Direito das Famílias
Em geral, a doutrina brasileira relaciona o estudo da supressio e da surrectio a derivações do princípio da cláusula geral da boa-fé objetiva. É o que explica o advogado Marcos Ehrhardt Junior, vice-presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. No entanto, ambos os institutos têm correlação com o Direito das Famílias, veja de quais formas, a seguir.
Os institutos da supressio e da surrectio estão relacionados à prolongada omissão no exercício de um direito. Enquanto no primeiro, após o decurso de prazo extenso, uma pessoa perde determinado direito por não exercê-lo; o segundo, representa o direito pelo exercício reiterado, para a outra parte.
O ponto de partida de ambos é o Direito Obrigacional. Para Marcos Ehrhardt, porém, é possível expandir o alcance para o campo das relações familiares.
O advogado explica que os institutos da supressio e surrectio são utilizados no Direito de Família, mas ainda com aplicação controvertida. “Estão relacionados a situações pontuais. É mais fácil encontrar decisões relacionadas ao exercício de pretensões patrimoniais no campo da Família e Sucessões”, detalha.
“Temos que levar em consideração a exigência de um comportamento leal, honesto e transparente, por exemplo, de herdeiros em relação ao fornecimento de informações sobre itens do espólio. Outro exemplo seria em relação a cônjuges que, discutindo o valor de pensão alimentícia, não podem sonegar informações para melhor avaliação da sua atual condição financeira e aferimento da possibilidade de efetuar o pagamento de alimentos”, aponta o especialista.
Natureza das relações
Para o advogado, conhecer os institutos da supressio e da surrectio e aprofundar o estudo nesta seara é essencial. “Trabalhar a confiança em uma relação familiar é algo que está relacionado ao fortalecimento da solidariedade e da fraternidade desses vínculos.”
Ele acrescenta: “É estabelecer o fomento de um ambiente ético das relações, em que transparência, honestidade e lealdade devem prevalecer. Isso ajuda a fortalecer os vínculos interpessoais e a proteção dos interesses das pessoas mais vulneráveis nessas relações”.
Segundo Marcos Ehrhardt, a aplicação dos institutos é possível dentro dos limites, sem desvirtuar os objetivos previstos na Constituição, como a preservação da intimidade e da dignidade dos envolvidos. “É preciso entender a natureza das relações familiares, sobretudo daquelas de conteúdo existencial, e não aplicar, de modo irrestrito, institutos que foram feitos para o universo das obrigações contratuais em relações que têm a dignidade e a solidariedade como ponto principal.”
Quebra da confiança
O vice-presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do IBDFAM cita exemplos da aplicação no Direito das Famílias. “Vamos imaginar uma sentença que concedeu os alimentos e fixou a atualização monetária do valor da pensão pelo índice oficial de inflação a cada doze meses.”
Ele continua: “Já se passaram mais de quatro anos, e o valor da pensão continua sendo pago com base no valor originário fixado pelo juiz no momento da sentença. Depois de quatro anos sem cobrar atualização monetária, faria sentido cobrar a diferença ainda não prescrita do devedor de alimentos? Será que o longo tempo sem exercer determinada posição jurídica permitiria que você, a qualquer momento, de modo arbitrário, decidisse que seria hora de exigir essa pretensão?”, questiona Marcos.
De acordo com o advogado, a resposta é negativa justamente pelo instituto da supressio. “O exercício do direito a buscar a correção do valor da pensão não vai poder mais ocorrer justamente para não caracterizar quebra da confiança, o abuso daquela determinada posição jurídica.”
Pagamento espontâneo
O especialista menciona outro ponto, ainda sem posição definitiva dos tribunais: a possibilidade de alguém que não teria mais o direito de exigir alimentos continuar recebendo o valor da pensão. “Neste cenário, o pagamento passou a ser feito por pura liberalidade do credor, que faz isso por meses ou até anos e, de repente, por alguma dificuldade, suspende o pagamento desses valores.”
“Será que alguém que já não tem mais obrigação legal de pagar a pensão alimentícia e decide continuar apenas por liberalidade, poderia ser obrigado a continuar fazendo um pagamento que, em princípio, era espontâneo?”, indaga Marcos Ehrhardt.
A situação descrita, explica o advogado, seria passível da aplicação do instituto da surrectio. “O fato de o credor ser obrigado a continuar com o pagamento da prestação, apesar de não ter nenhuma obrigação legal, por conta do seu comportamento anterior. É por isso que muita gente relaciona o estudo desse assunto à vedação de comportamento contraditório.”
Marcos menciona ainda decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no sentido de que não seria possível exigir a permanência de modo indefinido dessa obrigação, já que ela não seria mais exigível juridicamente. “Na época do julgamento no STJ, o ministro chegou a dizer que a boa intenção da pessoa que continua pagando os alimentos não poderia ser utilizada em seu desfavor.”
“A decisão de ajudar a outra parte foi algo espontâneo, e o motivo de suspender o pagamento não deve ser objeto de análise do Judiciário. Neste caso específico, não estamos falando de alimentos para incapazes ou menores de idade, mas sim de alimentos entre cônjuges, que têm um tratamento diferente na doutrina”, conclui o advogado.
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