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Dica IBDFAM: Toscana, filme dinamarquês da Netflix, é rico para análises do ponto de vista do Direito e da Psicanálise
Conflito nas relações intrafamiliares, paternidade socioafetiva, inventário, casamento e separação, amor e desamor. Esses são alguns dos temas caros ao Direito das Famílias e das Sucessões presentes em Toscana, filme dinamarquês lançado recentemente pela Netflix. A história é sobre um chef de cozinha que vai para a Itália vender os bens que herdou do pai, mas conhece uma mulher inspiradora que o faz repensar a vida.
Quem comenta o filme é a advogada e psicóloga Marli Martins de Assis, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. “Os conflitos nas relações intrafamiliares são construídos com referência a uma figura de alteridade (grande outro; nome-do-pai; lei)”, inicia a especialista.
“Somos sujeitos inseridos numa conjectura de transcendência e tradição. Os primeiros vínculos, estruturantes ou esgarçados, com as figuras parentais, seja nas representações inconscientes ou nas experiências contextualizadas, influenciam diretamente no que nos tornamos ou vivenciamos no laço social.”
Referenciais psicanalíticos
A história do longa-metragem pode ser lida sob esse ponto de vista. “Com base em referenciais psicanalíticos, entendo que o protagonista Theo levou para a idade na maturidade uma demanda inconsciente infantil, a mesma demanda psíquica que outrora o levou a romper vinculação afetiva com o pai. São conjecturas e a arte nos permite realizá-las.”
“Nesse confronto com a figura de alteridade e na incapacidade para construções simbolizadas, o personagem vivencia um quadro de conflitos em todas suas relações e escolhas, seja na vida amorosa e afetiva ou no trabalho. Fracassa. Insiste em dar certo, mas é confrontado a todo momento com fantasias, ressentimentos e angústias. Lutava para destruir as identificações com a figura paterna – uma morte simbólica - até receber a notícia da morte do pai biológico e de sua condição de herdeiro.”
Ela conta que, a princípio, Theo recusa a herança. “Incorporá-la seria aproximar-se da imago paterna castradora. Interessante que na sua condição identitária e de filiação, Theo também revelava cenas fantasmagóricas com um pai biológico que o limitava em seus desejos. Negar a herança. Negar a tradição e a ancestralidade. Na sua luta interior, destrói até a estátua do pai que ornamentava os jardins do castelo herdado.”
“Nesse cenário acaba decidindo assumir a herança para dela se desfazer e usufruí-la de outra forma. Nesse contexto se depara com suas histórias e memórias da infância, ofertadas inicialmente pelo olhar de Sophia. Esta vivenciou uma identificação estruturante e mesmo de socioafetividade com o pai do Theo, com o qual conviveu desde a infância, sendo inclusive acolhida na residência.”
Fantasias e memórias afetivas
A psicóloga aponta que, sob o olhar de Sophia, “o enamorado Theo foi descortinando fantasias e memórias afetivas, iniciando um laço amoroso com Sophia e ao mesmo tempo uma reconciliação com as representações simbólicas de um pai e com sua história infantil com o pai biológico”.
“Entende-se que na verdade Theo não podia ver com a consciência, mas já havia uma ‘herança’ desse pai em sua vida – a gastronomia. E com ela só conseguiu sucesso após a reconciliação interna com a alteridade. Entretanto, com o pai biológico morto não houve a reaproximação pai-filho, mas abriu um espaço para o Amor e para o trabalho, em versões construtivas e de criação. Inclusive, podemos entender uma simbolização na cena de reconstituição da estátua do pai, anteriormente destruída.”
Ela acrescenta: “Outra vertente poderia ser a existência de uma paternidade socioafetiva e as implicações que o inventário poderia ter na vida de Sophia e Theo. Mas, após um desenlace entre Sophia e o ex-noivo, uma outra história de laço conjugal se inscreve na vida dos protagonistas”.
Criação de várias narrativas
Como um objeto artístico, Toscana pode contribuir para os profissionais do Direito, segundo Marli Martins de Assis. “Inspirada em grandes estudiosos no mundo literário, acredito que a arte nos liberta para a criação de várias narrativas. O profissional do Direito ou da Psicanálise, não pode sair analisando, interpretando, julgando, avaliando as pessoas, mas pode utilizar dos objetos artísticos em suas construções e compreensão da natureza humana.”
“Assim, entendo que tais objetos artísticos despertam olhares e saberes que de outra forma não alcançaríamos, seja pela sensibilização que eles nos despertam ou porque nem sempre estaremos disponíveis a vivenciá-los de forma idêntica nas relações duras do cotidiano. Nas últimas recusamos as controvérsias”, conclui a especialista.
TOSCANA
Drama. Direção: Mehdi Avaz e Nikolaj Scherfig. Com Anders Matthesen, Cristina Dell’Anna e Andrea Bosca. Disponível na Netflix.
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