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Especialistas comentam decisão do STF que estendeu licença-maternidade a servidores federais que sejam pais solo
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Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal – STF finalizou o julgamento em que estendeu a licença-maternidade aos servidores federais que são pais em família monoparental. Em respeito ao princípio de isonomia de direitos entre homens e mulheres, o benefício de 180 dias de afastamento do trabalho passa a valer também para os pais solo – em geral, homens têm direito a apenas cinco dias.
O Recurso Especial – RE 1.348.854 foi interposto por um médico a quem foi negado o benefício. O STF reconheceu a repercussão geral com o Tema 1.182. Toda a Corte seguiu o voto favorável do relator, o ministro Alexandre de Moraes, e fixou a seguinte tese:
“À luz do artigo 227 da Constituição Federal, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade, e o princípio da maternidade responsável, a licença-maternidade, prevista no artigo 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal de 1988 e regulamentada pelo artigo 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai, genitor monoparental.”
Em seu voto, Moraes afirmou que considera inconstitucional qualquer previsão do regime de previdência do servidor público que não estenda ao pai monoparental os mesmos direitos de licença-maternidade garantidos à mulher. Ele observou que, por diversas vezes, o STF assegurou direitos às mulheres gestantes visando não apenas ao seu bem-estar, mas também à proteção integral da criança.
Segundo o relator, desde a Constituição Federal de 1988, não há mais a figura da “cabeça do casal”, e o poder familiar é dividido, tanto nos direitos conjugais quanto nos deveres de proteção aos filhos, aos quais devem ser assegurados todos os direitos de convivência familiar. Para Moraes, a igualdade de direitos pretendida pelo homem, neste caso, visa à integral proteção da criança, e não a um benefício a si próprio.
“É excepcionalidade porque, histórica, tradicional e tragicamente, os homens sempre tiveram mais direitos que as mulheres, e o que sempre se buscou foi estender às mulheres os direitos que só os homens tinham”, observou o ministro. A decisão, válida, a princípio, apenas para servidores públicos, pode nortear julgamentos em instâncias inferiores.
Entenda o caso que chegou ao STF
No caso dos autos, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS recorria de decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região – TRF-3, que confirmou a concessão da licença-maternidade, por 180 dias, a um perito médico da própria autarquia, pai de crianças gêmeas geradas por meio de fertilização in vitro e barriga de aluguel.
Segundo o juiz de primeiro grau, apesar de não haver previsão legal nesse sentido, o caso é semelhante ao falecimento da mãe, uma vez que as crianças serão cuidadas exclusivamente pelo pai. O magistrado lembrou que a Lei 12.873/2013 alterou a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT para inserir a possibilidade de concessão da licença de 120 dias ao empregado adotante ou que obtiver guarda judicial para fins de adoção. De acordo com o acórdão, a finalidade das licenças parentais é privilegiar o desenvolvimento do recém-nascido, e negar-lhe esse direito viola o princípio da isonomia material em relação às crianças concebidas por meios naturais.
Já o INSS defendeu que a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio viola o artigo 195, § 5º da Constituição Federal e traz grande prejuízo ao erário. Argumenta ainda que a decisão do TRF-3 atinge a esfera jurídica de toda a administração pública. Para a autarquia, embora a licença-maternidade seja um benefício do filho, o texto constitucional é claro ao estabelecer que ela é dada à mulher gestante, em razão de suas características físicas e diferenças biológicas que a vinculam ao bebê, como a amamentação. O argumento é de que negar o benefício não representa falta de assistência aos filhos, pois o pai tem direito à licença-paternidade pelo período estabelecido em lei: cinco dias.
Decisão respeitou direitos e princípios constitucionais
“A Constituição Federal, no seu artigo 226, garante a liberdade de planejamento familiar e uma delas é a opção pela família monoparental”, lembra o advogado Anderson De Tomasi Ribeiro, presidente da Comissão de Direito Previdenciário do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Para o especialista, o STF “acerta considerando o princípio da isonomia entre homem e mulher e principalmente a proteção integral à criança (artigo 227 da Constituição Federal) ao permitir a extensão para 180 dias a licença-maternidade ao pai solo, ainda mais, neste caso sendo crianças gêmeas”.
“Não seria crível entendermos que a licença de 180 dias caberia tão somente à mulher, uma vez que o objetivo finalístico desse benefício é o afastamento, neste caso do pai, do trabalho, para cuidar dos filhos. Havendo tratamento diverso, estaríamos sem dúvida prejudicando a quem a lei foi criada para proteger, ou seja, a criança.”
Aplicação em casos análogos
Há a possibilidade de que, com a decisão do STF, o benefício seja estendido a outras situações vulneráveis por instâncias inferiores. Anderson De Tomasi entende que, em casos análogos, pode haver uma aplicação do mesmo entendimento assumido pela Corte Suprema, uma vez que esta decisão passa a ser um precedente obrigatório.
“Ademais, situações como esta possibilitarão, por analogia, o direito ao recebimento do benefício por pai adotante, uma vez que esta matéria já foi discutida pelo STF ao julgar o Tema 782. A Corte entendeu que os prazos da licença ao adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença à gestante, nem a fixação de prazos diversos em função da idade da criança adotada.”
STF se movimenta junto à sociedade
“Mais uma vez, o STF mostra seu compromisso de dar efetividade à Constituição da República, que assegura como prioridade absoluta proteção integral a crianças e adolescentes”, elogia a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM.
Ela pontua que o Supremo também se coloca em acordo com a movimentação da sociedade. Do mesmo modo, a Corte já reconheceu as famílias homoafetivas, a filiação socioafetiva como prioritária com relação à biológica, o reconhecimento da multiparentalidade, entre outras decisões importantes.
Agora, novamente em relação aos vínculos de filiação, o STF não perde de vista a popularização das técnicas de reprodução assistida, que tem sido cada vez mais procurada. “Diante deste cenário, outra não poderia ser a solução ditada pela Corte Suprema senão conceder licença para quem exerce os poderes parentais e tem o dever de cuidado.”
Lapso temporal entre pais e mães deve ser superado
Para Maria Berenice, a distinção do lapso temporal entre licença-maternidade e licença-paternidade deve ser superada. “Deve-se se entender que esses benefícios são voltados ao cuidado da criança”, pontua a advogada.
O tema é tratado no Projeto de Lei 1.974/2021, em tramitação na Câmara dos Deputados, que busca garantir a todas as pessoas com responsabilidade com uma criança ou adolescente plenas condições de exercer seu papel legal de cuidador, independentemente de gênero. Com uma proposta de “licença parental”, válida para homens e mulheres, o texto institui, entre outras medidas, a garantia de 180 dias de licença para os dois responsáveis.
O projeto, de autoria dos deputados Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ), só não aborda a multiparentalidade, como identifica Maria Berenice. “O texto limita a concessão da licença a duas pessoas, quando nem sempre uma criança tem somente dois pais”, lembra a especialista.
A pauta também integra o Projeto de Lei do Senado – PLS 134/2018, que institui o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, uma iniciativa do IBDFAM e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB ainda em tramitação. “O texto propõe a adoção de licença-natalidade, a ser concedida a todos aqueles que assumem essas obrigações parentais, independentemente de ser homem, mulher e mais de uma pessoa.”
Projeto da Câmara abrange os casos de adoção
Para Anderson De Tomasi, o Projeto de Lei 1.974/2021, que cria a "licença parental", válida para homens e mulheres, vai ao encontro do posicionamento do STF, uma vez que corrige a violação ao princípio da isonomia, deferido para as mães com prazo mínimo de 120 dias e pais, tão somente cinco.
“Com essa equivalência, a responsabilidade, hoje ao encargo quase que exclusivo das mães, poderá ser compartilhada com seu companheiro ou sua companheira. O projeto avança, e de forma bem importante, quando não restringe a licença decorrente da gestação em si, mas também em casos de adoção em si”, destaca Anderson.
Ele conclui: “Não se pode perder de vista que quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva (Tema 782), argumentação esta cabível ao projeto em andamento”.
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