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Identidade de gênero deve ser considerada na concessão de aposentadoria a servidores em Santa Catarina, especialistas comentam
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Servidor que realizou alteração de gênero deverá ter considerado aquele constante em seu registro civil de pessoa natural (certidão de nascimento) no momento do requerimento do benefício previdenciário. Caso a alteração ocorra após o requerimento, a concessão da aposentadoria e apreciação do ato devem observar a nova condição.
O entendimento foi apresentado pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina – TCE-SC, em sessão na semana passada. Trata-se de uma resposta à consulta formulada pelo Instituto de Previdência de Itajaí sobre a aplicabilidade das regras de aposentadoria em casos de mudança de gênero.
O prejulgado busca consonância com orientações do Supremo Tribunal Federal – STF, na tese de Repercussão Geral dos Temas 761 e 445, e do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do Recurso Especial – REsp 1.626.739. Foram dois marcos na jurisprudência no sentido do reconhecimento da dignidade da população transgênero.
Dignidade da pessoa humana e vedação à discriminação
Em atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana e da vedação à discriminação, segundo o TCE-SC, é defeso ao ente público responsável pela análise de processos de aposentadoria proceder a tratamento diferenciado quando da tramitação de requerimentos de aposentadorias de servidores que promoveram a alteração de seu gênero, atestada pelo documento de registro civil.
O relator, conselheiro-substituto Cleber Muniz Gavi, concluiu pelo não conhecimento da consulta por considerar que a mesma não está embasada em norma ou regramento específico. Não há, então, como afirmar que existe uma questão precisa sobre a dúvida formulada.
O presidente, conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, solicitou vista do processo e apresentou manifestação divergente, opinando pelo conhecimento da consulta e sua resposta. A proposta apresentada pelo presidente foi vencedora, na discussão em plenário, por cinco votos a dois.
Decisão é justa e pioneira, diz Maria Berenice Dias
Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Maria Berenice Dias comenta a decisão. “Diante da maior visibilidade à população trans, com a possibilidade de se fazer a adequação e do nome e identidade de gênero de forma administrativa, essas alterações acabam sempre se refletindo no âmbito do Direito Previdenciário”, destaca.
“Há, afinal, normas diferentes para homens e mulheres, a exemplo da aposentadoria, concedida às mulheres com idade inferior à dos homens. Contudo, ainda não havia nada decidido em relação às pessoas trans neste país”, acrescenta Maria Berenice.
Para a especialista, o posicionamento do TCE-SC foi pioneiro, justo e corajoso. “A ideia é que esse entendimento acabe sendo consagrado pela jurisprudência e venha a ser acolhido até pela via administrativa, sem a necessidade de processos judiciais, até quem sabe por instruções normativas.”
“A Previdência foi pioneira ao regular a concessão de pensão por morte para sobreviventes de uniões homoafetivas. Já que é um órgão com essa sensibilidade, espero que adote a mesma posição em se tratando da população trans”, pontua a advogada. Além de vice-presidente do IBDFAM, ela é presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do Instituto.
Direito Previdenciário ainda apresenta desafios para as pessoas trans, afirma Anderson De Tomasi
Presidente da Comissão de Direito Previdenciário do IBDFAM, o professor Anderson De Tomasi Ribeiro ressalta que o TCE-SC vai ao encontro do entendimento do STF e do STJ sobre os direitos das pessoas trans à identidade, à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana, ao reconhecimento perante a lei, à não discriminação, entre outros.
“Analisando os fundamentos tanto do STJ quanto do STF a pergunta que fica é: o Direito Previdenciário ainda apresenta desafios para a população trans no Brasil? Sim, sem dúvida, pois os benefícios previdenciários, principalmente os programáveis (aposentadorias), levam em conta o gênero para a composição dos requisitos”, destaca Anderson.
O especialista acrescenta: “Por exemplo, na aposentadoria por idade, o homem precisa de 65 anos de idade e a mulher, 62, mas ambos com o mesmo tempo de contribuição, 15 anos. Neste caso, me parece coerente a decisão do TCE/SC que levou em consideração o disposto no registro civil de pessoa natural na ocasião do requerimento da aposentadoria”.
O especialista vislumbra situações ainda sem respostas. “Exemplo de uma aposentadoria por tempo de contribuição antes da Reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103/2019), que previa aposentadoria para homens com 35 anos de contribuição e mulheres com 30 anos. Quando há exercício de atividade especial, ou seja, contato com agentes nocivos à saúde, a mulher tem acréscimo de 20% e os homens 40% ao tempo (percentual aplicado às mulheres é menor porque se aposentam com menos tempo).”
“Hipoteticamente, se houvesse o caso de um médico cirurgião que tivesse exercido a atividade durante 20 anos, este tempo passaria para 28 anos (acréscimo de 40%). Supondo que após o exercício deste tempo, ele altera o registro de gênero, assim, passaria a ter direito a se aposentar com 30 anos e não mais 35. A questão é, como ficaria a conversão do seu tempo (período que exerceu atividade especial): utilizaríamos o conversor de 20 ou 40%?”, indaga Anderson.
Ele conclui: “O desafio seria a interpretação de tempos ‘híbridos’, ou seja, período trabalhado em um gênero com o conversor referente a este, entretanto, requerimento efetuado em gênero diverso. Após a EC 103/2019, a situação se complica ainda mais, pois o cálculo dos benefícios levará em conta o tempo e, aqui, também teremos situações híbridas. Desafio lançado, o direito à alteração do registro de gênero é uma conquista e teremos que encontrar a melhor forma de amparar este direito.”
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