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Rio de Janeiro inclui gênero “não binarie” em certidões de nascimento; especialista comenta
No Rio de Janeiro, pessoas que não se identificam nem com o sexo masculino nem com o feminino podem optar pela inclusão do gênero “não binarie” na certidão de nascimento. A iniciativa é da Defensoria Pública do Rio de Janeiro – DPRJ, em parceria com a Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ.
Em novembro do ano passado, uma ação da Defensoria garantiu decisões judiciais favoráveis para pessoas transgêneras e não binárias alterarem suas certidões de nascimento. As sentenças garantiram a alteração imediata dos registros.
O entendimento é de que a orientação do Supremo Tribunal Federal – STF para os cartórios realizarem requalificação civil sem ação judicial, em vigor desde 2017, não vem sendo estendida aos não binários. Na prática, o grupo precisa recorrer ao Judiciário para obter a alteração do prenome e do gênero em sua documentação.
Inclusão social
Para a presidente da Comissão de Notários e Registradores do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Márcia Fidélis Lima, a iniciativa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro é oportuna no sentido de ser um passo a mais na busca da inclusão social e da garantia de cidadania e dignidade para toda a população LGBTQIAP+. “Não obstante a inoperância legislativa, principalmente nos temas relacionados à sexualidade e orientação sexual, o que estamos acompanhando nas últimas décadas é um trabalho conjunto de juristas das mais diversas áreas do Direito, bem como cientistas e estudiosos desse tema.”
A especialista destaca que os entendimentos do STF e demais tribunais, com regras claras definidas por atos normativos do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e dos Tribunais de Justiça, provocados por advogados, defensores públicos, juntamente com um trabalho doutrinário volumoso, vêm permitindo aos Ofícios da Cidadania (Cartórios de Registro Civil), o estabelecimento do estado da pessoa natural de forma cada vez mais inclusiva.
“A comunidade LGBTQIAP+ costuma ser vista em um lugar comum, como se todas as medidas, normativas ou não, atendessem a todos os indivíduos representados pela sigla, o que é absolutamente irreal. O Provimento nº 73 do CNJ tem como objeto a possibilidade de alteração de registros da pessoa transgênero. O Provimento nº 122, também do CNJ, tem como objeto registros de pessoas intersexo. Não necessariamente essas normas atenderão às necessidades específicas da pessoa não binária”, avalia.
Márcia Fidélis explica que a dicotomia homem/mulher ainda impera, formalmente falando, no sistema jurídico brasileiro. “Ela engessa a pessoa humana como se somente existissem homens e mulheres, machos e fêmeas. Contudo, cada obra doutrinária publicada, cada julgado proferido, cada decisão dos tribunais, cada alteração mínima na forma de se expedir um documento, contribuem para a fragilização desse engessamento, na medida em que vão permitindo qualquer menção diferente da exclusividade homem/mulher.”
“Constar no registro o sexo do bebê como ‘ignorado’, nem de longe inclui com eficácia o intersexo, mas com certeza já é prova de que existem outras situações que não se enquadram na binariedade. E é exatamente o que se depreende quando, meses depois da edição do Provimento nº 122, do CNJ, que disciplinou expressamente que se mencione no registro o sexo como ‘ignorado’, decisões como essas passaram a ser mais comuns”, comenta a especialista.
Segundo ela, o próximo passo, se ainda prevalece a inércia legislativa, é a edição de regulamentação do procedimento por ato normativo do Poder Judiciário, para que não seja necessária ação judicial. “As conjunturas políticas do Brasil atual não vêm permitindo um debate científico, histórico e cultural sadio para que essas iniciativas pudessem ser discutidas academicamente, em prol de o Estado proporcionar, celeremente, as garantias fundamentais a todos os brasileiros.”
“Talvez o impacto negativo de tudo isso seja ainda maior na esfera ordinária legislativa. Há que se caminhar no sentido da positivação desses novos olhares, tornando concreto o reconhecimento que deveria ser natural”, avalia Márcia.
Linguagem neutra
De acordo com a presidente da Comissão de Notários e Registradores do IBDFAM, “o que se tem visto, contrario sensu, são projetos de leis estaduais e até federais, proibindo a implementação da linguagem neutra em instituições como escolas e órgãos públicos. E é sabido que dificilmente iniciativas contrárias prosperariam na atual conformação das Casas Legislativas, até porque as pressões e os interesses divergentes não permitiriam”.
Ela destaca, porém, um equívoco de linguagem na expressão “não binarie”, na certidão que vem sendo usada pela imprensa para ilustrar as decisões judiciais. “Objetiva-se a aplicação de linguagem neutra, no sentido de utilizar a letra ‘e’ como indicativo de neutralidade em substituição ao ‘a’ ou ‘o’.”
“Sem entrar no mérito da possibilidade de uso da linguagem neutra nestes termos nos documentos de registros públicos – que inclusive foi tema da minha exposição no último congresso bienal do IBDFAM – é importante que se verifique que o nome do campo na certidão é ‘sexo’. Sexo é uma palavra masculina”, frisa a especialista.
Ela acrescenta: “Nesse campo, geralmente, escreve-se masculino, feminino ou ignorado. Porque a concordância tem que atender ao título do campo. Da mesma forma que é de nacionalidade brasileira, tanto o homem quanto a mulher. Quando se pergunta qual o sexo de uma mulher, respondemos feminino e não feminina. Por esse motivo, exclusivamente em relação à grafia, à regra da língua portuguesa, entendo um equívoco que se mencione que o sexo é ‘não binarie’. Entendo que deve ser não binário”.
Gênero neutro
O termo não binário refere-se a pessoas que se identificam com a ausência de gênero ou com uma mistura entre ambos. Popularizou-se nas redes sociais a linguagem neutra, e a inserção dos pronomes pelo qual o usuário prefere ser chamado, como “ela/dela”, “ele/dele” ou “elu/delu”. A discussão parte do princípio de propiciar uma linguagem mais inclusiva.
Também em prol da inclusão, e para descomplicar as viagens de quem não se identifica nem com o gênero feminino nem com o gênero masculino, alguns países já possibilitam a emissão de passaportes com gênero não especificado. Entre eles, Canadá, Alemanha, Austrália, Dinamarca, Malta, Nova Zelândia, Paquistão, Índia, Irlanda e Nepal.
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