Notícias
Prisão de devedor de pensão alimentícia deve ser retomada, determina CNJ; especialistas opinam
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou orientação para a retomada dos decretos de prisão de devedores de pensão alimentícia, em especial daqueles que se recusam a se vacinar para adiar o pagamento da dívida. A recomendação considera o arrefecimento da pandemia da Covid-19, o avanço da vacinação e a prioridade da subsistência alimentar de crianças e adolescentes.
Segundo o relator da norma, o conselheiro Luiz Fernando Keppen, “crianças e adolescentes continuam sofrendo com o recorrente inadimplemento, porquanto o direito à liberdade e saúde do devedor tem prevalecido sobre a subsistência e dignidade das crianças e adolescentes, muito embora sejam a parte vulnerável da relação”.
A nova recomendação do CNJ sugere aos magistrados dos Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal que considerem o contexto epidemiológico local, o calendário de vacinação do município de residência do devedor, a situação concreta do contágio da população carcerária local e a eventual recusa do devedor em vacinar-se, como forma de postergar o cumprimento da obrigação alimentícia.
O texto reforça que “a prisão domiciliar não configura medida eficaz apta a constranger o devedor de alimentos a quitar sua dívida”, além do “inegável fato de que o cumprimento da obrigação alimentícia só ocorre com o anúncio da expedição do mandado prisional”.
Em março de 2020, o CNJ recomendou aos magistrados ponderação sobre a prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, para evitar os riscos de contaminação e de disseminação da Covid-19 no sistema prisional. Em julho do mesmo ano, o Congresso Nacional publicou a Lei 14.010/2020, sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado – RJET no período da pandemia do coronavírus.
Conforme o texto, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia deveria ser cumprida exclusivamente em modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das obrigações. O Superior Tribunal de Justiça – STJ, contudo, observou que a prática causou aumento da inadimplência e, após a vigência da Lei, a Corte possibilitou alternativas à prisão domiciliar que não fosse o regime fechado.
Caráter coercitivo
O advogado e professor Conrado Paulino da Rosa, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, diz que a nova postura do CNJ “traz de volta o efetivo caráter coercitivo da execução sob pena de prisão”. Ele destaca a vulnerabilidade a que estavam expostos aqueles que dependiam de pensão alimentícia desde março de 2020.
“Sem o risco da prisão, em muitos casos, tínhamos os próprios executados peticionando que a sua prisão pudesse ser realizada de forma domiciliar, sendo que, quando nós estávamos em um confinamento total, todas as pessoas, exceto as que prestam serviços essenciais, se encontravam em uma espécie de prisão domiciliar”, comenta Conrado.
Para o especialista, a retomada da prisão por dívida alimentar no Brasil é uma medida que se fazia mais do que necessária. “Afinal de contas, não podemos esquecer que o intuito do decreto prisional por dívida alimentar não é punitivo, é coercitivo, ou seja, busca fazer o devedor de alimentos pagar a sua dívida. Com essa nova postura do CNJ, voltamos a ter uma efetividade nos decretos prisionais por dívida alimentar.”
Logo no início da proliferação da Covid-19 no Brasil, Conrado Paulino da Rosa publicou no portal do IBDFAM o artigo “A prisão do devedor de alimentos e o coronavírus: o calvário continua para o credor”, escrito em parceria com Cristiano Chaves de Farias. O posicionamento era no sentido contrário à possibilidade de prisão domiciliar pela dívida alimentar.
“Entendo que o intuito do CNJ foi preservar a integridade física do devedor, mas não podemos esquecer daquela pessoa que tem um filho consigo. Na realidade brasileira, os cuidados parentais após o divórcio são realizados com a casa da mãe como residência fixa. Com a pandemia, essas mulheres tiveram que encontrar meios de garantir a subsistência dos filhos.”
Se, por um lado, o CNJ protegia o devedor de alimentos da contaminação pelo coronavírus, deixava desprotegida as crianças e os adolescentes que dependiam de pensão – bem como suas mães, sem os necessários meios para provê-los. “Finalmente, em ótima hora, tivemos essa mudança de postura por parte do Conselho Nacional de Justiça.”
Avanço da vacinação
Segundo o advogado e professor Rolf Madaleno, diretor nacional do IBDFAM, o atual entendimento do CNJ “expressa o que acontece ao longo do tempo no nosso país”. Ele lembra que se alcançou um maior controle na pandemia. A vacinação também avança: nesta semana, o Brasil chegou à marca de 54,38% da população devidamente imunizada – com duas doses ou com dose única.
“Já estão sendo liberadas convivências que antes não eram nem imaginadas – estamos falando de quase dois anos de pandemia. É natural, então, que, na medida em que existe esse afrouxamento das relações sociais, busque-se a retomada da normalidade, inclusive com a prisão do inadimplente alimentar, que não paga a pensão embora tenha condições e não se enquadre em uma situação de exoneração ou suspensão dessa obrigação.”
O jurista concorda que as prisões domiciliares, no período, eram ineficazes diante da necessidade de quarenta e isolamento social imposta a toda a população. Para além da prisão domiciliar, havia soluções efetivas, como a suspensão da ordem de prisão ou a conversão em pena de penhora quando isso fosse possível. “Contudo, a prisão civil tem um componente de convicção, de efetividade muito maior”, opina.
“A prisão busca o constrangimento do devedor de alimentos, porque senão ele não paga mesmo. O ódio em relação ao credor ou ao representante do credor é maior do que a compreensão de que está atingindo um filho”, avalia. O objetivo do CNJ, a princípio, era compressivo, mas houve um inadimplemento neste período, com um prejuízo adicional ao credor de alimentos, segundo Rolf Madaleno.
“As pessoas já passavam privações naturais por falta de trabalho, e aqueles que se viram privados do seu direito alimentar sofreram mais ainda, porque não tinham um meio de coagir ao pagamento da pensão. Com essa retomada, o ideal é que encontrássemos outras formas, porque nem a ameaça de prisão vinha sendo tão efetiva quanto se espera.”
Ele conclui: “Nesses quase dois anos, vivenciamos um momento ímpar, singular e nunca antes imaginado ou vivenciado, que nos trouxe lições que deveríamos levar para o resto das nossas vidas. Apesar das mortes lamentáveis e de tudo que vivenciamos, mesmo nas piores crises, nos nossos piores momentos, podemos extrair aprendizados, como a solidariedade”.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br