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Alienação familiar da pessoa com deficiência é tema de artigo inédito da Revista Científica do IBDFAM
A psicanalista e perita forense Tamara Brockhausen discute as “Invisibilidades: alienação familiar da pessoa com deficiência” em artigo publicado na 45ª edição da Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. A publicação do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM está disponível para assinantes.
A especialista explica que é preciso expandir a discussão sobre a alienação parental para incluir o conceito de alienação familiar, que abrange outros grupos de vulneráveis, não só as crianças e adolescentes em situação de disputa de guarda, mas também os idosos, curatelados e as pessoas com deficiência, por exemplo. “Discutir isso permite trazer luz para outros grupos de vulneráveis e protegê-los.”
“Esses primeiros dez anos da Lei da Alienação Parental ficaram muito voltados para a discussão relativa à disputa de divórcio, mas, na verdade, existem outros grupos que precisam da atenção e precisam ser protegidos. Quando discutimos a alienação familiar desses outros grupos de vulneráveis, começamos a ter um Direito mais avançado, com a garantia de direitos das minorias, que geralmente são desprotegidas silenciadas”, observa Tamara.
Discutir o tema, segundo a autora, é fazer com que o Direito de Família se atualize e acompanhe os avanços das questões sociais. “Esse é um artigo inédito no Brasil. Encontrei apenas um, mas na área do Direito e não da Psicologia. Isso significa que tem poucos casos? Não. Significa que há pouco interesse em estudar, porque existe essa invisibilidade.”
Hipervulnerabilidade
A psicanalista pontua que as minorias sempre sofreram com invisibilidade, preconceito e discriminação, e falar sobre isso é abrir um novo campo de discussão para o aprofundamento nas especificidades da prática em relação a esses grupos. “A alienação em si já é uma questão de violação dos direitos, mas, quando há um tipo de deficiência envolvido, essa pessoa não é vulnerável, é hipervulnerável.”
Segundo Tamara, as violações, quando atingem grupos de minoria, são mais graves. “A pessoa com deficiência tem seus direitos constitucionais e a sua dignidade de pessoa humana muito mais afetada do que crianças e adolescentes, que têm maior capacidade de adquirir autonomia e independência ao longo do seu crescimento. Isso não acontece com a pessoa com deficiência, que, embora não seja totalmente incapaz (ela nunca será totalmente incapaz pois é sujeito de direitos, vontades e desejos), tem uma dependência maior por conta de sua limitação sensorial, física ou intelectual. Ela vai ter uma dependência maior das pessoas, dos serviços ou da família, e isso a torna mais vulnerável a sofrer violações.”
“A criança e o adolescente são vulneráveis, mas uma criança ou adolescente com deficiência é muito mais. Temos uma sobreposição de fatores que tornam aquela pessoa muito mais suscetível a sofrer violações graves, e com muito maior dificuldade daquilo ser descoberto. Afinal, quanto maior a dependência da pessoa, maior a dificuldade do ciclo social identificar o abuso e protegê-la”, destaca a especialista.
Ela diz que a Lei de Alienação Parental vem sendo aplicada por analogia a esses casos, mas não se aplica a eles. “Poder discutir a especificidade desses casos é discutir como identificar e como intervir, e trazer maior visibilidade a esses grupos que são minorias e sofrem preconceito. Ou seja, discutir é proteger”, frisa Tamara.
A autora ressalta que alienar uma pessoa com deficiência é mais grave devido à sobreposição de fatores de vulnerabilidade. “A PCD já tem os direitos constitucionais tolhidos pela invisibilidade, preconceito e dificuldade em acesso. Então, quando existe a prática de alienação familiar, essa violação se torna ainda mais grave. É importante discutir como acontece essa alienação, para intervir e agir com maior prevenção.”
Contornos sombrios
A perita lembra que a alienação da pessoa com deficiência ocorre em contexto diferente daquele da alienação parental de crianças e adolescentes em meio à disputas de divórcio, e as motivações têm contornos mais sombrios. Há a alienação parental institucional, por exemplo, impressa na figura de uma instituição ou cuidador, seja por motivos torpes, interesse financeiro, egoístico ou qualquer outro. “Uma instituição pode, por motivos perversos, praticar alienação. As falsas denúncias também existem neste contexto, para conseguir o benefício da dúvida se apoderar dos cuidados daquela pessoa.”
“A forma de um cuidador ou responsável de alienar afeta diretamente as questões de saúde daquele paciente. Pode ocorrer, por exemplo, a submissão a tratamentos desnecessários, manipulação de sintomas ou negligência de cuidados. Ou ainda o exagero e o uso destes como justificativa”, exemplifica a especialista.
Como alternativa, Tamara sugere a curatela compartilhada, em que há dois curadores “para garantir que um não esteja se utilizando do curatelado por motivos egoísticos”. “Se, por um lado, a curatela é um mecanismo jurídico que surge para a proteção do curatelado, é justamente esse poder que pode levar à prática da alienação parental, abuso de poder, maus-tratos e violência.”
A psicanalista explica que as redes de relações, sejam familiares, sociais, afetivas ou comunitárias, têm um papel primordial na proteção dessas pessoas, que, geralmente, acabam sendo isoladas pelos alienadores. “O acesso à família e a convivência comunitária contribui para o resgate da autonomia, para o desenvolvimento dessas pessoas e para a inclusão social de um grupo que é historicamente estigmatizado.”
“É um discurso muito perverso, pois, sob o manto do discurso do amor e da proteção se amputa as condições emocionais de tratamento daquela pessoa, de ter independência, se cuidar e estar bem de saúde”.
No artigo, a autora estabelece um corpus teórico que oriente a ação dos profissionais quando estão diante deste tipo de violação de direitos. “É importante debruçar sobre o tema e estabelecer uma ponte entre a práxis e uma ética que considere a pessoa com deficiência enquanto sujeito de direitos e vontades.”
“Temos uma dívida de reparação com essas pessoas. Porque [a exclusão] está na estrutura da sociedade, desde a forma como o mercado funciona, até a falta de acesso aos lugares. Tudo foi construído pensando em uma normatização e não pensando nas pessoas que não se encaixam nesse padrão. E essas pessoas, então, sofrem historicamente com esse isolamento”, ressalta.
Tamara destaca que existe ainda uma visão muito capacitista e estigmatizada da pessoa com deficiência. “Devemos questionar o paradigma do que é a deficiência, porque ela não resulta apenas de características peculiares, mas também da forma de como a sociedade se relaciona com cada pessoa.”
A íntegra deste e de outros artigos exclusivos está disponível na 45ª edição da Revista Científica do IBDFAM. Assine!
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