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Licenças maternidade e paternidade para casais homoafetivos ainda geram divergências na jurisprudência
Em julho, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM noticiou a decisão que reconheceu o direito de uma servidora pública federal, mãe não gestante de uma criança fruto de união homoafetiva, a receber licença parental de 20 dias após o nascimento. O período é equivalente à licença paternidade que pode ser concedida para os servidores públicos.
A gestação foi resultado de tratamento de reprodução assistida, realizado em agosto de 2020. A autora da ação afirmou que a gestante, por ser autônoma, não desfrutava da licença. A não gestante, por sua vez, pleiteou a concessão do benefício na via administrativa, o que foi negado justamente por não ter gestado o bebê. O juízo da 6ª Vara Federal de Curitiba determinou, em liminar, que fosse concedida a licença maternidade.
Ao recorrer, a União alegou que o benefício se refere ao período de recuperação das mudanças físicas e psicológicas enfrentadas pela gestante. Também defendeu que seria possível para a autora a concessão da licença prevista no artigo 208 da Lei 8.112/1990, referente à licença paternidade de 5 dias com a prorrogação por mais 15.
Na 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF-4, a desembargadora federal relatora do caso deu provimento ao recurso. Com base no princípio da isonomia, sustentou que deve ser concedida a licença-maternidade apenas à mãe que deu à luz a criança. Contudo, no entendimento da magistrada, a autora da ação faz jus ao recebimento de licença parental equivalente à de paternidade.
“Nada obstante, a parte agravada não deve restar desamparada no seu direito de acompanhar os primeiros dias de vida de seu filho. Nesta perspectiva, como forma de possibilitar o contato e integração entre a mãe que não gestou e o seu bebê, deve ser concedida licença correspondente à licença-paternidade”, concluiu a relatora em seu voto.
Fatores controversos
O caso mostra como as licenças de maternidade e paternidade para casais homoafetivos ainda geram divergências no Poder Judiciário. A advogada Ana Paula Vasconcelos, que atuou no caso e trabalha prioritariamente na área do Direito das Famílias e LGBTQIA+, faz observações sobre a decisão do TRF-4.
“O acerto da decisão foi ter concedido uma licença à requerente para que pudesse acompanhar os primeiros dias de vida de sua filha, já que administrativamente não foi concedida licença alguma - seja a licença maternidade pleiteada, seja a licença análoga à paternidade”, comenta Ana Paula Vasconcelos.
Por outro lado, a decisão foi falha, na opinião da advogada, ao conceder a licença correspondente à licença paternidade, pelo prazo de apenas 20 dias, tão somente porque a requerente não gestou a sua filha. “Mais ainda, houve um equívoco nos fundamentos utilizados, no sentido de que a licença maternidade seria um benefício voltado à mãe gestante para se recuperar do parto e também para vivenciar o período da amamentação.”
Benefício deve visar proteção da criança
A jurisprudência já apontou, segundo Ana Paula, que a concessão é dada em vista da proteção do bebê. “O benefício da licença é, na verdade, um benefício que visa o melhor interesse da criança, para que possa ter todo o amparo, proteção e cuidados necessários no início de sua vida, quando está se adaptando ao núcleo familiar.”
“Tanto o aspecto gestacional não é relevante que o Supremo Tribunal Federal - STF já equiparou os prazos da licença gestante e licença adotante, posicionando-se no sentido de que para a concessão do benefício não são considerados aspectos biológicos ou gestacionais, mas apenas a condição de mãe. A função da licença é, então, tutelar o vínculo formado entre mãe e criança, independentemente da origem da relação e de aspectos biológicos e gestacionais.”
Para a advogada, deveria ter sido considerado o fato de que a mãe gestante é autônoma e, portanto, não desfrutará do benefício da licença maternidade. “Isso significa que, ao não conceder a licença maternidade à mãe não gestante, o Tribunal, além de negar à requerente a condição de mãe de sua filha, acabou impedindo que a criança tivesse uma de suas mães desfrutando da licença estendida para que pudesse se dedicar integralmente aos seus cuidados.”
“Os argumentos que ligam a licença maternidade puramente a aspectos gestacionais desconsideram que o benefício tem a função, como já dito, de proteger a criança, permitindo que receba todo o amparo necessário no início de sua vida”, acrescenta Ana Paula.
Superação de modelos heteronormativos
A especialista aponta o caminho para que haja um avanço na discussão da licença parentalidade aos casais homoafetivos. “Talvez uma das principais questões seja enxergar a licença pelo viés protetivo da criança, e não em razão do gênero. Isso já tem sido feito por algumas empresas, que concedem a licença parentalidade por igual período a pais e mães.”
“Especificamente no que se refere aos casais homoafetivos, é preciso que haja uma regulamentação para tutelar a concessão da licença considerando as peculiaridades dessa modalidade familiar, já que muitas licenças são indeferidas sob a justificativa que inexistiria previsão legal para a sua concessão, como foi o caso da requerente”, destaca Ana Paula.
Ela diz que as relações homoafetivas precisam ser compreendidas como são em sua essência, e não com olhares que buscam identificar na relação atores que se encaixariam em uma relação heteroafetiva - papéis de “pai” e de “mãe”, por exemplo. “É preciso continuar lutando para que as relações homoafetivas possam desfrutar de todos os direitos que são garantidos às relações familiares heteroafetivas, não permitindo que o preconceito seja um óbice para tanto”, conclui.
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