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Adolescente transexual pode retificar gênero e prenome em registro civil
Um adolescente transexual de 15 anos conquistou na Justiça o direito de retificar o registro civil para alteração de gênero e prenome, conforme decisão de uma comarca do norte de Santa Catarina. Para o juízo, o fato de ser menor de idade e de não ter se submetido a cirurgia para redefinição de sexo não pode obstar a efetivação dos direitos fundamentais.
Conforme consta nos autos, documentos e perícias atestam que a transexualidade foi constatada aos 10 anos de idade. A psicóloga que prestou assistência ao jovem indicou que ele possui aptidão emocional para submeter-se a intervenção de redefinição de sexo, inclusive com recomendação de realização de mastectomia.
O desejo de retificar seu registro e assento de nascimento decorre da necessidade de evitar constrangimentos que sofre rotineiramente toda vez que precisa assinar seu nome ou se identificar nas interações sociais cotidianas. O Ministério Público apresentou parecer favorável ao pedido.
Segundo o magistrado sentenciante, “trata-se de direito fundamental subjetivo, já que a transexualidade é uma condição reconhecida sobretudo pela própria pessoa individualmente considerada (interioridade psíquica) e prescinde de intervenção cirúrgica (exterioridade física), sendo expressão mesmo do livre desenvolvimento da personalidade”.
“Restando demonstrado que a alteração do nome e do gênero do requerente em seu assento de nascimento é a medida que melhor atende a seus superiores interesses, havendo assentimento de sua genitora, tenho que a procedência do pedido é medida que se impõe”, frisou o magistrado.
O julgador também relativizou a menoridade do autor da ação, em pleito subscrito conjuntamente por sua mãe. Segundo ele, “o fato de ser adolescente, portanto, submetido à doutrina da proteção integral, não pode obstar a efetivação dos direitos fundamentais em jogo, na medida em que a proteção não pode desproteger”.
Latente revitimização
A advogada Itamara Foiatto Ghion, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, atuou no caso em parceria com a advogada Natália Guilhermetti Garcia. Segundo ela, foi a primeira sentença de retificação de gênero e de prenome de um adolescente trans que não necessitou de dilação probatória. Ela responde a entrevista em parceria com Natália Guilhermetti Garcia.
Itamara ressalta que o jovem sempre foi amparado por sua genitora, que buscou, dentro de suas possibilidades, resguardá-lo e lhe fornecer atendimento psiquiátrico e psicológico. “Inclusive, a atuação da psicóloga teve importante peso dentro dos autos, que proferiu laudo que corroborou para que não houvesse dilação probatória.”
A advogada lembra que o Ministério Público, ao se manifestar da petição inicial, insistiu que fosse feita oitiva do adolescente e da genitora, fundamentando no princípio da proteção integral. “Quando nos deparamos com tal sugestão, constatamos a latente revitimização que ocorre dentro do Judiciário, que poderia optar por ouvi-lo, por mais que houvesse laudo psicológico, carteira de identidade com indicação de nome social, histórico escolar com remissão ao nome social, receitas médicas contendo medicação para bloqueio hormonal, dentre outros documentos, como fotografias, que deixavam inequívoca a identificação do adolescente com o gênero masculino.”
“A dilação probatória apenas traria mais sofrimento ao adolescente, o submetendo a mais uma situação vexatória. Felizmente, o magistrado reconheceu que já haviam elementos probatórios suficientes, proferindo a lindíssima e técnica sentença que obtivemos, julgando o mérito de forma antecipada”, explica a especialista.
A necessidade de autorização judicial para a alteração de nome e gênero, segundo ela, é tão somente devido ao fato de o requerente ser menor de dezoito anos. “Caso fosse maior, bastaria procedimento extrajudicial junto ao Registro Civil de Pessoas Naturais – RCPN, conforme o Provimento 73 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, decorrente da famosa decisão prolatada na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.275, do Supremo Tribunal Federal – STF, que reconheceu a dignidade das pessoas transgêneros e transexuais.”
Sujeito de direitos
A advogada entende que, para além do reconhecimento dos direitos das pessoas trans, a sentença trouxe à tona a importância do autoconhecimento do infante e do adolescente, reafirmando suas constituições enquanto sujeito de direitos, além de dar extrema visibilidade aos jovens transgêneros, transexuais e travestis. “No que tange ao Poder Judiciário, restou evidente o papel do magistrado na condução do processo para que o fenômeno da revitimização seja evitado, a fim de preservar o emocional daqueles que mais são negligenciados no sistema.”
“Ainda, foi um importante avanço para o nosso estado de Santa Catarina, notadamente conservador em suas posições e políticas públicas, representando, ao menos que em seara individual, a importância do respeito aos direitos da população LGBTQIA+”, concluem as advogadas.
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