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Herança digital é tema de projeto de lei que trata do destino de perfis em redes sociais após a morte
O Projeto de Lei 1.689/2021, em tramitação na Câmara dos Deputados, fixa regras para provedores de aplicações de internet tratarem perfis, páginas, contas, publicações e dados pessoais de pessoas mortas. O texto inclui disposições sobre o tema no Código Civil e na Lei de Direitos Autorais (9.610/1998).
A deputada Alê Silva (PSL-MG), autora do projeto, defende que a medida preenche um vácuo na legislação brasileira. Segundo ela, a proposta supre a insegurança jurídica na sucessão e na gestão de perfis em redes sociais e outras espécies de publicações na internet de pessoas que já morreram.
De acordo com a parlamentar, o projeto incorpora ao Código Civil ferramentas apropriadas para dar aos sucessores hereditários maior tranquilidade e conforto em um momento difícil da vida. O herdeiro digital poderá manter ou editar as informações ou transformar o perfil ou página da internet em memorial em honra da pessoa que morreu.
Definição de herança no Código Civil
Com o projeto, a definição de herança contida no Código Civil passa a incluir direitos autorais, dados pessoais e publicações e interações em redes sociais, arquivos na nuvem, contas de e-mail e sites da internet. O sucessor terá acesso à página pessoal do falecido mediante apresentação do atestado de óbito.
O direito só não incidirá se houver vedação disposta pelo falecido em testamento, indicando que deseja que suas informações permaneçam em sigilo ou sejam eliminadas. Será válido inclusive testamento em formato eletrônico, desde que assinado digitalmente com certificado digital pelo falecido.
Se não houver herdeiros legítimos, o provedor deverá eliminar o perfil, as publicações e todos os dados pessoais do falecido. O texto será analisado em caráter conclusivo pelas comissões da Câmara de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; de Cultura; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Tema exige segurança jurídica
“Existem alguns projetos de lei em tramitação no Congresso que tratam da herança digital. Por enquanto, nenhum desses projetos garante a segurança jurídica necessária para se legislar sobre uma temática de tamanha importância e solenidade, no Direito das Sucessões e da privacidade”, comenta a advogada e professora Patrícia Corrêa Sanches, presidente da Comissão de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Ela opina especificamente sobre o PL 1.689/21, que trata dos dados pessoais como passíveis de serem herdados. “Direitos da personalidade como o nome e a privacidade, por exemplo, são intransmissíveis. É preciso ressaltar que o direito à privacidade abrange a proteção aos dados pessoais. Gerar uma exceção quanto à transmissibilidade desses direitos cria uma insegurança jurídica e social ab initio.”
“O texto desse projeto de lei ainda propõe conferir, ao herdeiro, o direito a acessar as interações do(a) falecido(a) em provedores de aplicação de internet – ou seja, qualquer comunicação, ainda que privada, como o e-mail e troca de mensagens. No entanto, o sigilo das comunicações é assegurado constitucionalmente no artigo 5º, XII da Carta Magna – o que faz esse dispositivo nascer inconstitucional”, frisa a especialista.
Conflitos entre herdeiros
Ainda há, segundo Patrícia Corrêa Sanches, margem para divergência entre os descendentes. “Pelo texto do projeto de lei, como está apresentado, bastaria um herdeiro apresentar a certidão de óbito para ter acesso aos perfis e comunicações do(a) falecido(a), situação com grande potencial de gerar conflitos entre herdeiros.”
“O texto desconsidera a incipiência da cultura de planejamento sucessório no Brasil. Nesse contexto, a proposta legislativa coloca o direito de acesso aos perfis e às comunicações do(a) falecido(a) como a regra, e apenas o testamento com disposição contrária poderia retirar ou limitar o direito do herdeiro”, ressalta a advogada.
Perigo de insegurança social e retrocesso
Segundo a diretora nacional do IBDFAM, a proposta pode causar insegurança social e um retrocesso nas garantias que vêm sendo concedidas e construídas no tocante aos dados pessoais e à privacidade, em geral. “A proposição legislativa deveria ser no sentido contrário: apenas se o testamento conceder o direito de acesso, o herdeiro poderá acessar os perfis e as comunicações do(a) falecido(a)”, destaca.
“A herança digital é uma questão emergente no direito sucessório, com muitos desdobramentos, em função da velocidade com que se criam perfis pessoais e se monetizam bens digitais, e merece uma legislação fundamentada em opiniões dos juristas e especialistas em Direito das Famílias e Sucessões, evitando que seja aprovada uma legislação que não atenda aos anseios da sociedade atual”, conclui Patrícia.
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