Notícias
Especialista aponta desafios no aniversário de 31 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990), um marco para o ordenamento jurídico brasileiro e uma das normas mais modernas do mundo em relação à garantia de direitos e proteção integral da infância e juventude, completa 31 anos na próxima terça-feira, 13 de julho. O segundo aniversário do ECA em meio à pandemia é uma oportunidade para reconhecer as vulnerabilidades enfrentadas pelas crianças e adolescentes em momentos de crise e apontar avanços necessários para a efetivação de direitos.
A advogada Melissa Telles Barufi, presidente da Comissão Nacional de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, lembra que, com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, meninos e meninas passaram a ser vistos sob nova perspectiva, como “sujeitos de direitos”. A preocupação da lei é a proteção integral de todas as pessoas com idade entre zero e 18 anos.
Para ela, a norma “foi um marco para a infância prevendo claramente as atribuições do Estado, da família e da sociedade para garantia plena dos direitos, sendo extensivo a todos, sem distinção de qualquer natureza, ou seja, diferentes etnias, condições sociais e de desenvolvimento e origem devem ser contemplados pela proteção integral”.
A especialista destaca que o ECA também foi importante para a criação de instituições oriundas de movimentos democráticos, como os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares, compostos por representantes da sociedade civil que, junto com o Estado, passaram a estabelecer as políticas básicas e especiais para a infância e a juventude.
“O que conseguimos conquistar do ano passado para cá foi o amadurecimento e as práticas protetivas necessárias para lidarmos com as modificações ocorridas por conta da pandemia da Covid-19. Lidamos com adversidades e situações nunca antes experimentadas e lutamos, a cada dia, para mantermos assegurados os direitos das crianças e adolescentes”, pontua Melissa.
Efetivação de direitos
A advogada também lembra que a legislação brasileira prevê a garantia da proteção integral às crianças e adolescentes, considerando-os como sujeitos únicos, inseridos no processo de desenvolvimento e detentores de direitos. “Assim, o país conta com ampla legislação protetiva, sendo o desafio garantir a efetividade desses direitos”, pondera.
Melissa cita indicadores de que o Brasil tem as maiores taxas de violência contra crianças e adolescentes em todo o mundo, dentre violência física e emocional. “Com todas as dificuldades para se obter dados sobre a violência intrafamiliar, por motivo das subnotificações, o relatório do Disque 100, crianças e adolescentes integram o grupo mais vulnerável no tocante às violações, tendo em vista que 55% das denúncias que são feitas possuem este público como vítima. Em outro estudo realizado no Brasil, cujo objetivo foi levantar a prevalência das distintas formas de violência sofridas por crianças e adolescentes, a violência física foi a mais prevalente (85%), seguida da violência emocional.”
“As estatísticas nos mostram que o Brasil atende às mais rigorosas legislações internacionais no aspecto da proteção à criança e adolescente, partindo do referencial da proteção integral, mas, na prática, ainda estamos distantes da efetiva garantia dos preceitos da prioridade absoluta dos infantes”, frisa a diretora nacional do IBDFAM.
Segundo a especialista, os desafios não são novos. É preciso seguir em busca de efetivar os direitos que já estão assegurados “de forma ampla e absoluta, o que engloba esforços dos entes públicos e todo o sistema de proteção, incluindo a implementação de políticas públicas persistentes com enfoque prioritário na criança e no adolescente, conforme claramente estipulado no artigo 4º, parágrafo único, alínea “c” c/c 87, incisos I e II), do ECA”.
Nova ordem em meio à pandemia
A advogada destaca que, neste segundo ano de enfrentamento da Covid-19, os impactos seguem sendo mensurados. Por outro lado, “há uma singela distinção entre os fatores experimentados no curso de 2020 e o primeiro semestre de 2021, haja vista que a humanidade, hoje, consegue lidar melhor com as restrições e modificações causadas pela pandemia”, segundo a advogada.
“Dentro de uma nova ordem, mudamos nossos hábitos e experimentamos maneiras diferentes de trabalhar, estudar e nos relacionar. Com a regra do isolamento social e distanciamento controlado, a formatação das rotinas mudaram e, na seara da Infância e Juventude não foi diferente. Sofremos impactos sociais, emocionais e intelectuais, além dos desafios de enfrentamento da violência intrafamiliar e das garantias dos Direitos Infanto-Juvenis”, observa Melissa.
A especialista relembra o fechamento das escolas no início da pandemia e a oferta do ensino exclusivamente on-line, o que expôs as discrepâncias de acessibilidade e fez com que milhares de crianças ficassem à margem do ensino escolar. “Somado a isto, a ausência de responsáveis durante as aulas transmitidas, seja pelo home office, seja pelos trabalhos externos, culminou no baixo rendimento escolar. Ainda neste ponto, a ausência dos responsáveis no ambiente residencial, fez com que crianças de distintas idades ficassem abandonadas em casa, muitas vezes por longos períodos de tempo.”
Ela explica que há atualmente a retomada do ensino presencial, com a implementação do sistema híbrido, que busca resgatar a convivência social física entre crianças e adolescentes, bem como recuperar a formação e o ensino. “Somente neste pequeno recorte, já verificamos direitos que são e foram mitigados, eis que as crianças e adolescentes passaram a ser tolidos de ensino de qualidade, bem como ficaram sujeitos aos perigos diários, ante a ausência dos responsáveis, somado aos danos emocionais da ausência da interação social”, comenta a advogada.
Impacto emocional
Neste contexto, Melissa destaca ainda os casos de violência intrafamiliar, nos quais crianças e adolescentes ficam à mercê dos humores dos pais, inseridos em muitos ambientes de relações violentas. “Uma realidade que há sempre vivenciamos no país, mas intensificou-se no curso da pandemia, por conta do confinamento e a ausência da escola - um dos pilares mais importantes como mecanismo de proteção e denúncias de violências contra crianças e adolescentes.”
“O afastamento social rígido, necessário para contenção da contaminação pelo coronavírus, impediu a convivência de crianças e adolescente em distintos núcleos (escolar, familiar, clubes e atividades extraclasses), acabando por reduzir a interação social e gerando pessoas mais introspectivas, tímidas e de baixo autoestima, um impacto que ainda vamos mensurar a longo e médio prazo”, avalia a especialista.
Segundo ela, o impacto emocional pode ser avaliado na esfera intrafamiliar e extrafamiliar. “A pandemia foi, e segue sendo, utilizada como fundamento e justificativa para afastar crianças e adolescentes de núcleos familiares, primários ou extensos, sob o pretexto de proteção e contenção da doença. Mas, sem sombra de dúvidas, o afastamento da convivência repercutirá na esfera emocional das crianças e adolescentes, alargando distância afetiva e rompendo com milhares de vínculos de carinho e amor, o que pode gerar sequelas graves e futuras.”
“Neste ponto, de igual modo, vale destacar que o Direito das Famílias teve de se remodelar, buscando alternativas para auxiliar na proteção da convivência e redesenhando formatos que pudessem agrupar as novas dinâmicas sociais”, explica a advogada.
Atenção ao legislativo
A presidente da Comissão Nacional de Infância e Juventude do IBDFAM cita que alguns projetos de lei que tramitam nas Casas Legislativas devem ser aprovados, pois servem para “estabelecer, ampliar ou fortificar direitos de crianças e adolescentes”. Entre eles, o Projeto de Lei 1.360/2021, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, definida como a ação ou a omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da família ou das relações íntimas de afeto.
A proposta aumenta a pena para o crime de infanticídio para reclusão de quatro a seis anos, no caso de homicídio de criança durante o parto ou logo após. Atualmente, a pena estabelecida no Código Penal é detenção de dois a seis anos. O projeto cria o crime de infanticídio fora do período puerperal, com pena de reclusão de 12 a 30 anos, a exemplo do que já é aplicado no caso de feminicídio. Aumenta ainda as punições para os crimes de abandono de incapaz e de maus-tratos, que passariam a ser pena geral de reclusão de um a quatro anos e multa. Também pune com as mesmas penas quem, sabendo do fato, se omite.
Por outro lado, Melissa destaca alguns projetos de lei que não merecem ser aprovados, eis que buscam revogar a Lei da Alienação Parental (12.318/2010). São eles: PL 6.008/2019, PL 10.712/2018 e PL 10.182/2018.
“A Lei 12.318/2010 é instrumento indispensável de proteção disponível no ordenamento jurídico brasileiro, considerada pelos maiores doutrinadores como avanço legislativo, haja vista que sedimenta o ‘novo’ lugar que os filhos – as crianças, adolescentes e jovens – vêm ocupando: o de sujeitos de direito, com a devida proteção da integridade, personalidade e dignidade”, pontua a advogada.
Segundo a especialista, a Lei da Alienação Parental previu tratamento específico para o combate à violência cometida por meio de atos de alienação parental, ante a gravidade das condutas e abusos emocionais praticados. “Uma postura que busca modificar a cultura, colocando ambos os genitores, e demais familiares, com o mesmo grau de relevância na vida das crianças e adolescentes.”
“Assim, fundamenta-se no princípio da igualdade parental e na garantia de desenvolvimento físico e emocional saudável, somado ao direito de pertencimento familiar. A revogação é o retrocesso de direitos”, frisa Melissa Telles Barufi.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br