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Município deve garantir transporte individual de criança com transtorno do espectro autista à APAE de outra cidade
A Justiça determinou que o Município de Terra Nova, no interior da Bahia, disponibilize ou providencie veículo para conduzir uma criança com transtorno do espectro autista e seu acompanhante à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE de Feira de Santana. O transporte será de ida e volta à cidade, duas vezes por semana, atendendo a um pedido do Ministério Público da Bahia – MP-BA.
A Prefeitura disponibilizava para a criança o serviço de uma van usada por pacientes em tratamento de hemodiálise. Havia o desconforto psicológico pela presença de outras pessoas, além do fato de que o veículo não deixa a criança na APAE, sendo necessário que ela e o acompanhante peguem transporte extra. As condições eram prejudiciais ao tratamento da criança, que fica agitada onde há aglomeração.
A decisão liminar atende o pedido do promotor de Justiça Fernando Gaburri, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Ele pediu o transporte exclusivo à criança de nove anos. Além do transtorno do espectro autista, o assistido tem diagnóstico de déficit intelectual e não se adapta ao transporte com outros passageiros.
Previsões legais
O promotor de Justiça lembra que, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal de 1988, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Gaburri frisa que a Convenção de Nova Iorque, que tem status constitucional, prevê em seu artigo 25 que a pessoa com deficiência deve gozar do estado de saúde mais elevado possível, garantindo o diagnóstico e a intervenção precoce e serviços para reduzir ao máximo e prevenir deficiências adicionais. Esses serviços devem estar disponíveis no local mais próximo da residência da pessoa e devem respeitar suas especificidades.
Em complemento, segundo o promotor de Justiça, a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) dispõe em seu artigo 21 que, esgotados os meios de atenção à saúde da pessoa com deficiência no local de residência, será prestado atendimento fora de domicílio, para fins de diagnóstico e de tratamento, garantidos o transporte e a acomodação da pessoa com deficiência e de seu acompanhante.
Direito ao transporte especial
“Se o veículo de uso coletivo disponibilizado pelo Poder Público não for adequado às especificidades da pessoa com deficiência, o ordenamento jurídico reconhece-lhe o direito ao transporte especial como forma de observância do pleno exercício do direito fundamental à saúde”, comenta Fernando Gaburri.
Ele explica que, no caso concreto, não só o veículo era inadequado, como o horário e o trajeto disponíveis não atendiam as necessidades do paciente. Além da necessidade de procurar um segundo transporte, o veículo disponibilizado pela Prefeitura de Terra Nova buscava a criança e o acompanhante na cidade às 5h da manhã.
“Para concretizar o princípio da igualdade, em sua feição material e de reconhecimento, o Ministério Público entendeu ser o caso de aplicação da máxima aristotélica e empregada em célebre discurso de Ruy Barbosa (1849-1923), datado de 1920, de tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Pois, ‘tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real’.”
Especificidades do transtorno do espectro autista
A Constituição Federal, a Convenção de Nova Iorque, a Lei Brasileira de Inclusão, a Lei 12.764/2012, dentre outras, oferecem adequados instrumentos à realidade de todas as pessoas com deficiência, segundo Fernando Gaburri. Ele cita o filósofo Norberto Bobbio (1909-2004) ao falar sobre a necessidade de atenção especial às pessoas com transtorno do espectro autista.
“A preocupação atual não é tanto mais a de buscar o reconhecimento dos direitos fundamentais, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”, diz o especialista.
Segundo o especialista, os operadores do Direito devem estar mais atentos à realidade das leis para que possam aplicar adequadamente todo este instrumental normativo vigente no ordenamento jurídico brasileiro capaz de concretizar a dignidade das pessoas com deficiência.
“Portanto, os debates acerca do tema dos direitos das pessoas com deficiência, com destaque aos fomentados pelo IBDFAM, parecem de suma importância para que a comunidade jurídica mantenha-se cada vez mais informada e, com isso, possa aplicar esse instrumental jurídico de maneira cada vez mais eficaz”, conclui Fernando Gaburri.
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