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Comissão de Direito de Família e Arte elege trilha sonora do XIII Congresso do IBDFAM, que será realizado em outubro
A arte tende a ampliar perspectivas e promover uma sensibilidade aguçada sobre variados temas e realidades. Essa possibilidade, tão cara aos profissionais que atuam em Direito de Família, tem vez no Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, por meio de sua Comissão de Direito de Família e Arte.
Em atenção à importância da interação entre Direito e Arte, convidamos as advogadas Fernanda Barretto e Luciana Brasileiro, presidente e vice-presidente da Comissão, para elegerem a trilha sonora do XIII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões do IBDFAM. O evento será realizado em outubro e já está com inscrições abertas. Clique aqui e garanta a sua participação.
As especialistas escolheram, cada uma, 10 músicas que são a cara do IBDFAM, pois traduzem os valores e as bandeiras defendidas pelo Instituto. Clássicos da MPB e letras contemporâneas dão o tom dos temas que serão evocados na programação da próxima edição do Congresso Nacional do IBDFAM, um dos eventos mais aguardados do ano.
Confira, a seguir, as canções escolhidas com comentários de Fernanda Barretto e Luciana Brasileiro. Clique aqui e ouça a playlist do IBDFAM no Spotify.
Escolhas de Fernanda Barretto, presidente da Comissão de Direito de Família e Arte do IBDFAM
“Pai e mãe” - Gilberto Gil
A canção, um choro, faz parte do disco “Refazenda” (1975), o primeiro da chamada trilogia Ref, da qual também fazem parte “Refavela” (1977) e “Realce” (1979). Esse álbum é marcado por uma sonoridade mais afeta à tradição musical brasileira - traz menos experimentos que os álbuns do período tropicalista -, e por um lirismo poético muito forte. Mas ele segue trazendo do Tropicalismo o olhar que busca conciliar tradição e modernidade, e a canção “Pai e mãe” é uma das que melhor exemplifica isso.
Nela, um filho recorre à sua mãe para que ela seja interlocutora junto ao pai, o que traduz uma dinâmica usual nas sociedades patriarcais, pedindo para que o genitor avalie os seus atos liberais de forma aberta, deixando de lado a rigidez e o peso de uma moral arcaica, que impedia os homens de manifestar seu afeto por outros homens.
Na verdade, Gil contextualiza o próprio ato de beijar outro homem como uma extensão do afeto nutrido por e com suas figuras parentais, base para sua existência. Explicita, assim, que o seu enfoque sobre o suposto choque entre as gerações, sobre tradição e renovação, sobre a tríade passado-presente-futuro, enxerga continuidade e conciliação entre o novo e o antigo, mesmo em condutas tidas como disruptivas.
“Pedaço de mim” - Chico Buarque
A canção faz parte de um dos álbuns mais emblemáticos do compositor, de 1978, intitulado apenas com seu nome, e no qual constam grandes hinos contra a ditadura, como “Cálice” e “Apesar de você”. “Pedaço de mim” talvez seja a canção mais pungente do disco, pois é um lamento poético sobre a dor da separação.
É interessante notar como o narrador vai aumentando, progressivamente, o tom da angústia que a falta do outro lhe imprime na alma: na primeira estrofe, a “metade” está “afastada”; na segunda, ela está “exilada”; na terceira, ela já está “arrancada” e, por fim, na quarta estrofe, a metade está “amputada”, ou seja, dissociada dele de modo irremediável.
Alguns dizem que a inspiração do compositor foi o assassinato de Stuart Angel (cujo corpo nunca foi encontrado), em 1971, e a insuperável dor que isso causou em sua mãe, Zuzu Angel, que lutou até a própria morte, em 1976, para fazer justiça ao filho.
Mas, no Brasil de 2021, após o transcurso de mais de um ano de uma pandemia que já ceifou a vida de quase 500 mil brasileiros a música soa como um pranto em homenagem a tantas pessoas definitivamente separadas dos seus amores, dos seus filhos, mães, pais, avós, irmãos, maridos, mulheres…: “Oh, pedaço de mim/Oh, metade arrancada de mim/Leva o vulto teu/Que a saudade é o revés de um parto/A saudade é arrumar o quarto/Do filho que já morreu”.
“Mulheres” e “Miss beleza universal” - Doralyce
Parte de uma nova lavra de compositoras que têm no feminismo e no ativismo político elementos centrais de suas performances artísticas, a pernambucana Doralyce entra na nossa seleção com duas músicas que falam sobre empoderamento e contestação feminina à opressão de gênero sustentada pelo patriarcado.
Em “Mulheres”, ela usa da mesma melodia da canção composta por Martinho da Vila para articular uma espécie de resposta a ele, na qual concluiu que: “Não sou sua projeção/Você é que se baste/Meu bem, amor assim quero longe de mim/Sou mulher, sou dona do meu corpo/E da minha vontade/Fui eu quem descobri poder e liberdade/Sou tudo que um dia eu sonhei pra mim”.
Já “Miss beleza universal” é sua música mais conhecida, um funk de batida marcante e uma letra enxuta, porém cheia de simbolismos, onde Doralyce se insurge contra os padrões impostos por uma cultura machista, que submete e adoece as mulheres para mantê-las num lugar de subalternidade.
“Sol de giz de cera” - Emicida
Um dos maiores expoentes do hip hop e do rap brasileiros, Leandro Roque de Oliveira, mais conhecido como Emicida, traz essa canção em seu primeiro disco, “O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui” (2013). A música retrata a relação de um pai com sua filha, e foi gravada com a participação de sua primeira filha, Estela, e da cantora Tulipa Ruiz.
O destaque vai para a representação desse pai contemporâneo, que não se limita apenas a função de provedor e atribuidor de limites, mas a quem também é dado desenvolver uma relação de afeto e troca mais ampla e profunda com os filhos. No mesmo disco, há também a canção “Crisântemo”, na qual Emicida recita as dores de um filho que cresce sem a presença do pai, morto repentinamente.
“Não me arrependo” - Caetano Veloso
Lançada no álbum “Cê”, em 2006, a letra dessa bela canção, em primeira pessoa, é um brado direto de um dos membros de um ex-casal, que passa por um processo de separação, ao outro pólo da relação, no intuito de que pacifiquem o conflito gerado pelo término. E o argumento central é o da constatação de que, ainda que a relação amorosa tenha chegado ao final, a influência que cada um exerceu nas transformações e no crescimento pelos quais passou o outro é motivo suficiente para que não haja arrependimento pela história que construíram e que seguirá com eles e neles, ainda que não prossigam juntos.
“Bonecas pretas” - Larissa Luz
Em 2017, a cantora baiana Larissa Luz lançou um clipe, que começava com a seguinte manchete de jornal: uma loja de Salvador inovara, ao decidir vender bonecas pretas, e, para surpresa de todos, as bonecas se esgotaram rapidamente. Há uma entrevista com o pai de uma das crianças que desejam a boneca, na qual ele diz que espera poder comprar, ao menos no ano seguinte, uma boneca que se pareça com sua filha. Assim, o refrão da canção enfatiza que “Procura-se bonecas pretas, procura-se representação!”.
Essa canção, de estrutura simples e sonoridade potente, destaca-se pela ousadia de trazer ao debate, a partir da música, um tema usualmente pouco enfrentado, que é o de um racismo estrutural que segue invisibilizando grande parte da nossa população ao lhe negar, inclusive, a representatividade- elemento essencial para o processo de formação de qualquer indivíduo e para o efetivo garantimento da pluralidade.
“O meu guri” - Elza Soares
Lançada por Chico Buarque em 1981 no álbum “Almanaque” e consagrada definitivamente numa rascante interpretação de Elza Soares em 1997, “Meu guri” retrata a problemática de crianças e adolescentes de regiões periféricas, que são por vezes impelidos ao crime organizado na tentativa de suprir carências sociais e econômicas.
A pungência maior da música está no fato de o retrato do menino do título ser narrado sua mãe, que viveu a maternidade quando ainda não estava pronta para tal (“Quando seu moço nasceu meu rebento/ Não era o momento dele rebentar”) e de forma solo, sem o apoio do pai da criança. Ainda assim, seu amor visceral pelo filho emerge de cada estrofe, e a sua inocência quanto às atividades exercidas por ele torna ainda mais doloroso o trágico desfecho da canção, que poderia ter sido extraído de um jornal de qualquer capital do país.
“Gatas extraordinárias” - Cássia Eller
Em “Com você meu mundo ficaria completo”, álbum lançado em 1999, Cássia Eller gravou essa canção pop cheia de ritmo, composta para ela por Caetano Veloso. Nela, Cassia canta de forma explicita a sua orientação sexual, que dois anos depois desse disco, logo após o seu falecimento precoce, a lançaria ao centro de um dos primeiros processos judiciais que permitiu que a uma mulher lésbica tivesse garantido o seu direito de ser mãe, ainda que não tenha gerado o próprio filho. Essa mulher foi Maria Eugênia Vieira Martins, companheira de Cássia por 15 anos e até sua morte, que sempre criou Francisco Eller como filho, mas que teve que disputar sua guarda com o avô materno da criança.
“De toda cor” - Renato Luciano
Essa canção se tornou conhecida a partir da novela “A força do querer” (2017), na qual foi a trilha sonora eleita para acompanhar a trajetória do personagem transexual Ivan, representado pela atriz Carol Duarte, inclusive no que tange à sua transição de gênero, do feminino ao masculino. Desde lá, a música tem sido entoada como uma espécie de “hino da diversidade”, que conclama, com muita delicadeza, à aceitação e ao respeito a todas as pessoas e às suas múltiplas formas de viver e de se relacionar, traduzindo muitos dos ideais do IBDFAM.
Escolhas de Luciana Brasileiro, vice-presidente da Comissão de Direito de Família e Arte do IBDFAM
“Maria da Vila Matilde” - Elza Soares
Além de retratar os ganhos oriundos da Lei Maria da Penha (11.340/2006) nos mecanismos de proteção à mulher vítima da violência doméstica, a música tão bem interpretada pela voz de Elza Soares nos provoca a refletir sobre os altos índices de violência contra as mulheres pretas.
“Mama África” - Chico César
O gênio Chico César traz em sua poesia uma música em homenagem às mães solo que são responsáveis pelas suas proles e têm pouca ou nenhuma proteção estatal. O Brasil reconhece as famílias monoparentais em sua Constituição Federal, mas não tem um registro sequer de sua existência no Código Civil.
“Androginismo” - Almério
Lançada pelo grupo Almôndegas, nos anos 1970, e recentemente gravada pelo cantor Almério, a música traz a realidade da população LGBTQIA+, tão estigmatizada numa sociedade preconceituosa, que aponta os dedos para o diferente. Em sua interpretação, Almério fala sobre ser um homem gay num mundo marcado pelas violências da LGBTfobia, com efeitos sonoros dos tiros que vitimizam, diariamente, nossos irmãos e irmãs.
“Você distante” - Isabela Moraes
Isabela Moraes é uma das maiores compositoras da contemporaneidade e traz em seu disco, lançado em 2020, essa música sobre as ambiguidades de um relacionamento, que só parece ser bonito à distância. Um processo de separação é também a experiência do luto, de reviver os bons momentos e entender que a separação, somente ela, é capaz de preservar o respeito entre as partes.
“Flutua” - Liniker e Johnny Hooker
É uma declaração de amor de duas pessoas que contrariam a sociedade. Eles afirmam seu amor, independente das regras heteronormativas. Johnny Hooker é um intérprete declaradamente gay e Liniker não define seu gênero, podendo ser identificadx como homem ou mulher. A música foi lançada neste período de tantos retrocessos e chega como um grito de afirmação do amor.
“Lia e Deia” - Gilberto Gil
Apesar de feita para Andréia Sadi e Maria Ribeiro, amigas do cantor, a música fala de um amor por mais de uma mulher, nos remetendo à ideia de que, nas famílias simultâneas, é possível existir afetos.
“Drão” - Gilberto Gil
Gil fez a música no período de separação de sua então esposa Sandra Magalhães. Faz alusão ao fato de que a família não termina, porque germina, finca raízes e deixa frutos. Estes frutos, muitas vezes alvos de disputas no Judiciário, sejam os filhos, os bens, ou o simples fim da relação se tornam ainda mais desafiadores diante do litígio. A música é um reconhecimento ao amor por Sandra, sua companheira de exílio nos duros tempos de ditadura do Brasil.
“O mundo é um moinho” - Cartola
Embora existam outras versões, a que mais parece ser real é a de que Cartola escreveu esta música para sua filha socioafetiva Creuza, que ele criou como se filha fosse e para quem escreveu, aconselhando sobre a vida. Creuza foi criada por Cartola e Deolinda desde os 5 anos de idade, quando sua mãe faleceu, e ao que tudo indica, a música foi uma forma de alertá-la sobre as adversidades da vida.
“Envelhecer é uma arte” - Adoniran Barbosa
A velhice é um grande estigma, parece incapacitar todas as pessoas que chegam na “boa idade”. Adoniran conseguiu trazer para o samba uma letra sobre a arte de envelhecer. Ainda nos limitamos a abordar a velhice a poucos institutos. O nosso Código impõe regime de bens para pessoa a partir de 70 anos, legitimando esse sistema que presume incapacidade. O Judiciário vê, diariamente, pessoas idosas desamparadas e estamos cada vez mais provocados a buscar soluções jurídicas para assegurar os direitos previstos na Constituição Federal para os idosos. Temas como sexualidade, abandono afetivo inverso, planejamento sucessório com respeito à autonomia para distribuição dos bens em detrimento da legítima têm se destacado cada vez mais no cenário jurídico.
“Triste, louca ou má” - Francisco El Hombre
A música fala sobre a mulher que precisa se submeter às convenções sociais, das “Amélias” e “Mulheres de Atenas”, e o contraponto daquelas que, não aceitando se submeter, são classificadas como histéricas. A mulher que não cuida da casa, do marido, da família, a mulher que desafia as tradições, ou é triste ou é louca ou é má.
O XIII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões do IBDFAM será realizado nos dias 27, 28 e 29 de outubro, com programação on-line. As inscrições estão abertas: fique atento, porque as vagas limitadas. Acesse o site do evento e garanta já a sua participação.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br