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"Petição poética" garante prazo maior em ação na Justiça de Goiás
A advogada goiana Andreia Bacellar, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, abriu mão da letra fria da lei e do “juridiquês”, características dominantes nos trâmites judiciais, ao apresentar uma petição em versos ao juiz da Comarca de Formosa, em Goiás. Com a iniciativa, ela conseguiu o deferimento de um pedido para alongar o prazo da ação em que atua.
O processo era de uma execução, protocolizada no ano de 2018, que já havia se tornado, segundo a advogada, uma pedra em seu caminho. “Quase tudo que era peticionado para o juiz, era negado em razão de manobras feitas pela outra parte, motivo pelo qual entendi que era preciso inovar na petição”, relata Andreia Bacellar.
“Fiz fundamentações baseadas em decisões parecidas, busquei jurisprudências e doutrinas atualizadas sobre o tema. Porém, pouco adiantou. O magistrado parecia irredutível diante dos meus argumentos. Eu sentia uma certa rudeza em seus despachos, parecia que estava contrariado por eu não concordar com as suas decisões dentro do processo”, conta.
Assim, ela teve a motivação de fazer diferente no processo. “Precisava de alguma forma demonstrar para o magistrado, que por trás da petição ‘fria’, existia a angústia daquele que buscava por justiça e o desalento da causídica que desesperadamente precisava de mais prazo para cumprir a determinação dada pelo juiz.”
Na solicitação para prorrogação do prazo, a advogada escreveu:
Senhor MMº Juiz com todo respeito,
O Promovente recorre a sua ciência
Com muita fé e paciência em busca da tutela
De fato, nenhum bem foi encontrado
Em nome do devedor muito esperto e "antenado"
No qual resultou idas e vindas do zeloso Oficial de Justiça
Em busca de cumprir a honrosa missão em liça.
Neste momento recorro a poesia,
Para amenizar o desalento
Desapontamento da causídica desta ação.
Pois de todo coração,
Diante da nova certidão,
Não há muito o que fazer, a não ser...
Requerer com toda reverência
A sabedoria de Vossa Excelência
O alongamento do prazo para que o autor desta ação
Tenha condição de apresentar o paradeiro do veículo em questão
Respeitosamente, pede e aguarda deferimento.
A resposta do magistrado foi favorável: “Concedo prazo de 30 (trinta) dias para que o promovente diligencie no intuito de obter informações sobre o veículo”.
“Felizmente, a poesia expandiu o horizonte de possibilidades e o juiz observou por um ângulo ainda não observado em situações anteriores, e deu certo”, comemora a advogada. “Demostrar para o magistrado que há humanidade por detrás de cada petição pode despertar no julgador emoções que certamente influenciará em sua decisão que é quase sempre é definitiva.”
Arte e Direito podem ser aliados, defende advogada
“Sou convicta de que a arte e a cultura são fatores importantíssimos, primordiais no desenvolvimento do intelectual e no entendimento universal no que tange as questões sociais que assolam a população, noto também, que a cultura e arte aliadas é a fórmula para prevenção quanto ao colapso social que assombra a nossa sociedade”, defende Andreia Bacellar.
Para a advogada, a arte pode romper questões relativas as criminalidades, desrespeito a dignidade da pessoa humana, violência contra as mulheres e crianças, discriminação de negros e índios, xenofobia, homofobia, enfim, tantas outras situações de vulnerabilidades sociais.
“Ademais, a vida não tem graça sem a arte! Ela pode nos dar a possibilidade de pensar de maneira diferente, inovar, tocar o coração do próximo, e isso é muito importante, numa sociedade, principalmente nesse momento tão difícil que estamos atravessando”, diz, referindo-se à pandemia da Covid-19.
Ela pontua ainda que o Direito e a Arte buscam fontes diversas e se cruzam em pensamentos filosóficos. “A arte pode contribuir para a instauração de uma nova cultura jurídica, ajustada pelo pluralismo e pelo pensamento crítico do Direito. A arte quebra paradigmas, daí a sua importância para o Direito, visto que, ao concretizar o Direito pelo julgador de forma justa, realizará os objetivos da Justiça, pois, como sabido, o Direito e a Justiça se entrelaçam diante da consciência social.”
Mudança de paradigmas
Segundo Andreia Bacellar, o Poder Judiciário deveria estar mais aberto a iniciativas desse tipo. “Acredito que estamos vivendo uma mudança de paradigmas. Podemos encontrar apoio no nosso judiciário, como ocorreu no TJGO, que outrora já foi extremamente conservador.
“Reconheço e admiro o grande trabalho dos nossos juízes e desembargadores, que estão assoberbados de trabalhos e que por vezes não tem condições de avaliar minuciosamente o que está por trás de cada petição. Porém, é preciso inovar, manter a mente aberta para novas possibilidades e, principalmente, entender que por trás do ‘papel frio’ existem pessoas que sofrem, que estão angustiadas em busca de justiça e uma solução que só eles, magistrados, podem dar”, acrescenta.
Ela afirma que, quando se formou, deseja fazer a diferença, e, em 10 anos na advocacia, percebeu que não é fácil implantar novas ideias. “Felizmente, a poesia expandiu os meus horizontes de possibilidades e, no caso concreto, apliquei na minha profissão. Diante da petição em forma de poesia, o juiz refletiu por um ângulo ainda não observado em situações anteriores”, observa.
Por fim, ela cita do cartunista Henfil (1944-1988): “Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente”.
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