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Famílias multiespécies são tema de artigo da 43ª edição da Revista Científica do IBDFAM

Entre os destaques da 43ª edição da Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões está o artigo “A defesa da dignidade animal e da alteração da natureza jurídica do animal no direito brasileiro: por uma análise interdisciplinar com vistas ao reconhecimento jurídico e social às famílias multiespécies", de autoria da advogada Paula Freire Santos Andrade Nunes, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Assine e garanta o seu exemplar para conferir este e outros artigos exclusivos na íntegra.
O texto examina o conceito de família multiespécie, ainda embrionário na doutrina brasileira e fundado especificamente no valor jurídico do afeto. Discute também a necessidade de alteração do status jurídico do animal na legislação brasileira de coisa para sujeito de direito, diferenciando-o, todavia, dos direitos da pessoa humana natural, bem como a criação de um estatuto próprio para descrição dos direitos dos animais.
A autora cita o ministro relator Luis Felipe Salomão, que, ao iniciar seu voto no Recurso Especial 1.713.167/SP (2017/0239804-9), no qual um casal discutia a convivência e prestação alimentícia a sua cadela Yorkshire, pontuou: “Inicialmente, afasto qualquer alegação de que a questão que ora se aprecia é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional”.
“É seguindo essa interpretação e o fato de que há, nos lares brasileiros, mais animais domésticos do que crianças – de acordo com o último censo do IBGE de 2010 –, que deve ser direcionado um olhar de extremo cuidado e importância para a relação entre o animal humano e o não humano, que formarão um núcleo familiar carecedor de reconhecimento social e jurídico”, avalia Paula Freire.
Novas legislações
A advogada pontua que, quando escreveu o artigo, ainda não havia sido alterado o status jurídico do animal de “coisa” para “sujeito de direitos”. “A alteração foi possível com a aprovação, em novembro de 2019, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei 27/2018, intitulado Animal Não é Coisa, de autoria do deputado Ricardo Izar (PSD/SP), que estabelece que os animais passam a ter natureza jurídica sui generis, como sujeitos de direitos despersonificados. Eles serão reconhecidos como seres sencientes, ou seja, dotados de natureza biológica e emocional e passíveis de sofrimento.”
Em sequência foi aprovada a Lei 14.064/2020, de autoria do deputado Fred Costa (Patriotas/MG) que alterou a Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998) para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato, comenta Paula. “Essa lei, em específico, foi amplamente divulgada na mídia e redes sociais, refletindo na população, que urge por ações concretas em prol da defesa dos animais, um sentimento de justiça. Mas será mesmo que ambas as leis recentemente aprovadas terão o condão de, na prática, cuidar, respeitar e proteger o animal, considerando-o um fim em si mesmo, e punir, com o real martelo da justiça, àqueles que agirem na contramão?”
“É possível que as respostas para estes questionamentos se construam com o tempo e a depender da vontade da sociedade, pois, fato é que inúmeros outros projetos de lei acabaram por ser engavetados, seja por falta de interesse, ou pela grande influência da indústria e do agronegócio. A verdade é que sempre foi mais conveniente afirmar que os animais não têm um grau de consciência, capacidade de raciocínio e sensações biopsíquicas”, pondera a especialista.
Ações de fiscalização
Para Paula, as recentes alterações legislativas são importantes para a evolução da discussão sobre o Direito Animal, entretanto, para a resolução dos problemas, na prática, mister se faz a ação do Poder Público, em especial nos âmbitos Municipais e Estaduais, para que haja fiscalização, controle populacional dos animais, garantia a eles de cuidado e saúde e programas de conscientização sobre abandono e maus tratos e, ainda, sobre veganismo.
“Onde reside a justiça quando um cão, que tem inteligência maior que uma criança de um ano de idade ou do que uma pessoa com algum tipo de deficiência, é desprotegido e não é tratado como um vulnerável? Quais seriam os benefícios para os animais na alteração do status jurídico na legislação brasileira de ‘coisa’ para ‘sujeito de direitos’? E da extensão dos deveres e direitos de guarda e prestação alimentícia aos tutores de animais de estimação?”, questiona Paula.
Famílias multiespécies
Segundo a advogada, a alteração do status jurídico do animal de ‘coisa’ para ‘sujeito de direitos’ foi importante para o ordenamento jurídico. “É com tal alteração que buscaremos maiores avanços na legislação brasileira, pois em sendo ‘coisa’ um animal não poderia ser membro de um núcleo família e, assim, restaria impossibilitado o reconhecimento de direitos às famílias multiespécies.”
“Todavia, em não sendo ‘coisa’ o animal também não pode ser tratado como patrimônio cultural, como objeto em festas regionais ou como alimento e produto para a indústria. Nestes aspectos, as discussões são embrionárias e, ainda, infelizmente, sem soluções práticas”, pontua a especialista.
Paula destaca que, no caso das famílias multiespécies, é importante frisar que trata-se de um núcleo familiar formado pela autonomia do animal humano e do afeto inegavelmente existente entre ele e o animal não humano. “Considerando, portanto, que há sentimentos e sensações de ambos os membros, é possível verificar estruturados ali os princípios da solidariedade, do afeto e do cuidado, previstos pela Constituição da República como norteadores da família.”
Barreiras afetivas e financeiras
A autora observa que, quando há o rompimento de um núcleo familiar multiespécie, eleva-se, como em qualquer outro, barreiras afetivas e financeiras sobre quem cuidará do animal, com quem ele conviverá e como se dará o custeio de suas despesas. “Entendo que seria um complicador se a doutrina familiarista pretendesse considerar o animal como uma criança, pois são sujeitos diferentes, mas isso não impede que institutos direcionados às crianças o sejam também aos animais.”
“Crianças, como pessoas naturais, precisarão de direitos que os animais não, como de uma educação formal ou de acesso à internet, para ter garantida sua convivência familiar e comunitária, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Por outro lado, crianças crescem e terão deveres que os animais não terão, por serem estes seres sencientes dotados de capacidade de discernimento ainda mais reduzido”, avalia. Para ela, portanto, os animais, são ainda mais vulneráveis que as crianças, “seja em razão de ter discernimento limitado – que não evoluirá exponencialmente como de uma criança -, ou porque a sociedade e o Direito não o vê como um ser vulnerável e carecedor de proteção.”
A advogada explica que é importante entender que o animal senciente é um sujeito vulnerável e, por isso, devem ser criadas regras de proteção específicas a ele, dentro das quais não haveria problema hermenêutico se fossem usadas as expressões “guarda compartilhada” ou “prestação alimentícia” - comumente direcionadas às crianças.
“Na prática, se o animal fosse considerado uma pessoa natural, ele seria desprotegido por não conseguir atender aos direitos e deveres exigidos à uma pessoal natural. Entretanto, os direitos à convivência e a prestação financeira são oriundos do núcleo familiar e não necessariamente da pessoa natural em si. São deveres de solidariedade e cuidado que nasceram com a formação do núcleo familiar multiespécie, seguindo a autonomia do indivíduo e o afeto entre ele e seu animal, e vice e versa’, comenta.
Partes na lide
Paula Freire reconhece que os animais, por serem sujeitos de direitos, têm capacidade de figurar como parte em um dos pólos da relação processual. “Entendo que essa ideia é ratificada pelo CPC quando este endossa que a capacidade de direito não se referencia apenas à pessoa humana, sendo sujeitos de direito também as pessoas ou entes jurídicos despersonificados, como a massa falida ou o espólio.”
“Assim como a massa falida e o espólio, e como os menores de 16 anos, não teria o animal capacidade de exercer de forma autônoma seus direitos, por serem absolutamente incapazes, o que necessita que sejam representados pelo seu tutor, pelas Associações de defesa dos animais ou pelo Ministério Público”, observa a especialista.
De acordo com a advogada, apesar de ainda não ser unânime a ideia de capacidade processual do animal senciente, já existem decisões progressistas. “Entendo que o animal, como sujeito de direito que é, merece acesso à justiça, desde que representado. Como exemplo, há algumas ações de habeas corpus postuladas pelo Ministério Público ou por Associações, no Brasil, inclusive, que conseguiram decisões favoráveis no sentido de intimar a autoridade coautora em defesa da liberdade corporal e psíquica do animal, amparando-se em seu bem estar e dignidade”, conclui.
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