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Projeto de lei contra propagandas com temática LGBTI será analisado na ALESP; para advogados, proposta é inconstitucional
Atualizada em 26/04/2021.
A Assembleia Legislativa de São Paulo – ALESP deve analisar nos próximos dias o Projeto de Lei 504/2020, que proíbe a "publicidade de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças". O objetivo é vedar a veiculação de propagandas com famílias homotransafetivas.
A votação, prevista inicialmente para terça-feira (20), deveria chegar ao fim na quinta (22), mas foi novamente adiada. O texto volta para a análise do Plenário nesta segunda (26).
A deputada estadual Marta Costa (PSD), autora da proposta, afirma que propagandas com personagens LGBTI+ trazem "desconforto emocional a inúmeras famílias" e mostram "práticas danosas" às crianças. Ao apresentar o projeto, no ano passado, ela defendeu a necessidade de "evitar a inadequada influência na formação de jovens e crianças". Semana passada, a parlamentar pediu que o texto tramite em regime de urgência "diante da relevância da matéria".
Se aprovada, a iniciativa impediria campanhas como a de Dia dos Pais da Natura, no ano passado, estrelada pelo ator transexual Thammy Miranda. Na ocasião, a ação promovida pela marca de cosméticos gerou polêmica entre parcelas conservadoras da sociedade. Por outro lado, houve elogios pela representatividade dada às famílias homotransafetivas.
Proposta reforça preconceitos e impede representatividade, segundo Saulo Amorim
Para o advogado Saulo Amorim, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e presidente da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas – ABRAFH, o projeto é mais uma lamentável investida dos conservadores contra a população LGBTI+. "Além de inconstitucional, a proposta é inconveniente, LGBTIfóbica e serve apenas para reforçar os preconceitos", define.
A defesa de crianças e adolescentes é uma falácia, na opinião do especialista. "De forma geral, as crianças e adolescentes precisam ter a mais ampla compreensão do mundo para que melhor se desenvolvam. Por certo, o convívio com a diversidade enriquece o imaginário e o repertório social dos pequenos."
"Nossa infância não deve crescer em bolhas e guetos, pois não é saudável a ninguém conceber o mundo a partir de um único ponto de vista, apenas um saber ou fazer. O mundo é plural, das cores aos sabores, a natureza é rica em possibilidades e vidas. É risível acreditar que o ser humano deva ser tolhido desde a mais tenra idade e alijado do convívio com as diferenças", defende Saulo.
Além disso, segundo o advogado, a discussão perpassa um tema importante: a representatividade. "Os desafios da existência de muitos LGBTI+ começam justamente na infância, quando se percebem no mundo, mas não se encontram nele. Não encontram representação, similaridade, referências e nem mesmo empatia. A situação é ainda pior quando a própria família reforça os estereótipos negativos, nega o óbvio e violentamente conduz ao 'dever ser' e à negação do que é a essência humana, o afeto e a identidade."
Saulo espera que o projeto seja vetado na ALESP. "Garantir uma publicidade responsável, consciente, livre, laica e diversa é a medida mais respeitosa a todos, crianças, jovens e adultos. Limitá-la ao baixo nível moral do conservadorismo, mais que ato de censura, é desumano", conclui o especialista.
Defesa da infância não justifica atitudes antidemocráticas, frisa Pedro Hartung
Para Pedro Hartung, coordenador jurídico do Instituto Alana, voltado para a defesa da infância, o projeto de lei em questão é infundado e antidemocrático: "Busca restringir uma representatividade de cidadãos, de pessoas que possuem direitos fundamentais de sentirem e serem representados na comunicação social".
"Temos que aproveitar esse debate e de uma vez por todas rechaçar todo e qualquer uso instrumental dos direitos da criança e essa ideia de proteção integral para atitudes antidemocráticas e atitudes autoritárias como essa do projeto de lei", frisa o especialista.
A defesa da infância e da juventude não pode ser usada para justificar preconceitos. "É muito importante que possamos entender que sim, temos que proteger os direitos de crianças e adolescentes com absoluta prioridade no Brasil, mas dentro dos limites e dentro do espaço democrático estabelecido pela própria Constituição Federal de 1988."
"A nossa Constituição nos lembra que todos aqueles, inclusive pessoas LGBT e outros grupos minoritários étnicos e identitários possuem e devem um tratamento igualitário, respeitoso e que realmente proteja também a sua dignidade. Inclusive no âmbito da representatividade e da representação na comunicação social."
O advogado afirma que quanto mais diversidade no entorno de uma criança, melhor para o seu desenvolvimento, tanto no nível informacional e cognitivo quanto socioemocional. "O bom o sadio e integral desenvolvimento infantil perpassa conviver e ser exposto a uma gama grande de diversidade, de informações e também de pessoas."
"Quanto mais pessoas diversas uma criança tiver contato no seu desenvolvimento, permitindo o entendimento das diferentes formas de ser e estar na condição humana, melhor para o seu desenvolvimento. Ela terá mais repertório, mais possibilidade de entender a diversidade existente naturalmente na sociedade. Isso é fundamental para que possa lidar de uma forma sadia com essa diversidade e não reagir de forma violenta no presente e no futuro, com medo ou desconfiança", conclui Pedro Hartung.
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