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Juízes podem adotar depoimento especial para ouvir mulheres vítimas de violência sexual, defende especialista
Magistrados têm buscado maneiras de garantir a dignidade das vítimas de violência sexual – mulheres, em sua maioria – durante as audiências. Não raro, elas relatam grande sofrimento em compartilhar um episódio de estupro, importunação ou assédio sexual, por exemplo. Consequentemente, tais situações de revitimização contribuem para a desistência da denúncia e a subnotificação desses crimes.
O juiz Rodrigo Foureaux, da cidade de Cavalcante, em Goiás, adotou o depoimento especial, medida prevista para casos com vítimas menores de 18 anos, para ouvir uma mulher na faixa de 50 anos, estuprada por um desconhecido dentro de sua casa. Em entrevista ao blog Universa, ele opinou que o próprio formato da maioria das audiências, normalmente com três homens ouvindo a vítima, pode gerar um grande constrangimento para a mulher.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o desembargador gaúcho José Antônio Daltoé Cezar, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, criou em 2003 o "depoimento sem dano" para a proteção de crianças e adolescentes no âmbito do Poder Judiciário. A iniciativa deu origem à Lei 13.431/2017, que dispõe sobre o depoimento especial e escuta protegida.
"No primeiro semestre de 2021, vamos celebrar os 18 anos da primeira audiência de depoimento especial no Brasil, na época denominada 'depoimento sem dano'. Esse sempre foi o escopo do projeto: evitar uma vitimização secundária", comenta Daltoé.
Constrangimento das vítimas
O desembargador do TJRS opina sobre a possibilidade de estender tal direito às vítimas de violência, independentemente da idade. "Uma mulher falar de questões íntimas, de ordem sexual, na frente de várias pessoas desconhecidas, quase sempre do sexo masculino, é naturalmente constrangedor", destaca.
"As pessoas que fazem as perguntas, em regra, direcionam seus questionamentos de forma direta, sugerem respostas, muitas vezes até insinuam comportamentos dela, vítima, para desvalorar sua palavra, tudo em um ambiente que lhe é estranho, formal, e muitas vezes adverso. Pode o magistrado, em ocorrendo uma pergunta totalmente absurda e despropositada, indeferir que a vítima responda, mas não tem o condão de fazer que ela ouça esse questionamento", observa Daltoé.
Caminhos para juízes
Segundo o desembargador, existem caminhos a serem perseguidos pelos magistrados a fim de se preservar a dignidade das vítimas de estupro ou de outra violência sexual, "com uma inquirição que a permita falar dos fatos com suas próprias palavras, sem indução de respostas, não permitindo que ela sequer ouça perguntas e comentários desapropriados."
Ele explica que o ordenamento jurídico pode ajudar nessas situações, tornando obrigatório que, quando a vítima quiser, seja ouvida por meio do depoimento especial. De acordo com o desembargador, muitos juízes já adotaram tal possibilidade, ainda não expressa por nenhuma legislação específica.
"O Rio Grande do Sul tem salas de depoimento especial em todas as comarcas. Para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, começamos a fazer o depoimento especial sem uma lei específica, e isso nunca gerou nulidades processuais. A confrontação da vítima com o réu ou com seu advogado nunca é recomendável. Vi muitos casos inaceitáveis", conclui Daltoé.
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