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Especial Consciência Negra - Patrícia Romana: "Não existe negro que não enfrente racismo no Brasil"
Nesta semana, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM apresentou uma série de entrevistas especiais sobre o Dia da Consciência Negra, celebrado nesta sexta-feira, 20 de novembro. Membros do IBDFAM compartilharam suas trajetórias na luta antirracista, destacando a importância do comprometimento de toda a sociedade com a causa.
Quem fecha o Especial Consciência Negra é a advogada Patrícia Romana Silva do Nascimento, membro da Comissão da Diversidade Racial e Etnia do IBDFAM. “Embora minhas raízes venham de uma classe economicamente desfavorecida, me considero uma privilegiada por ter tido acesso a uma educação de qualidade, o que foi a prioridade na família”, avalia.
“Com muita dificuldade, meus pais garantiram o ensino em colégio privado no ensino fundamental”, recorda Patrícia. Ele cursou o ensino médio em colégio público e o superior na Universidade Federal Fluminense – UFF. Formada, aliou o trabalho à luta por igualdade racial e valorização da cultura negra. Com especialização nos direitos da criança e do adolescente, voltou seus estudos à prática do Direito de Família.
Racismo está ligado às relações de poder
“Não existe negro que não enfrente racismo em sua vida, pelo menos no Brasil. Se ele disser que não sofreu, é porque não teve essa noção, percepção. Até porque fomos educados a normatizar qualquer forma de racismo e enxergá-lo, ainda nos dias de hoje, é se tornar ‘mimizento’”, avalia Patrícia Romana.
Segundo a especialista, ainda existem pessoas que não têm conhecimento sobre o assunto e ignoram a realidade desta sociedade estruturalmente racista que é a brasileira. “Chegam a declarar que negro comete racismo contra outro negro, mostrando sua total ignorância sobre o significado de 'racismo'.”
“Para haver racismo, deve haver relações de poder, ou seja, a raça que não possui poder institucional, não pratica racismo, pratica preconceito. Donde concluímos que negros e índios jamais podem ser racistas”, explica.
Representatividade
A primeira situação de discriminação que ficou na memória de Patrícia Romana só foi entendida como tal anos depois. “Quando era pequena, devia ter uns 5 ou 6 anos de idade e estudava em um colégio particular, onde eu praticamente nasci junto com a fundação do colégio e não entendi quando uma menina loira de olhos azuis se tornou a referência do colégio.”
“Todos falavam o quanto ela era linda, como seus olhos azuis brilhavam, todos voltavam a atenção para aquela criança e eu não entendia. Eu era mais antiga no colégio, tirava notas melhores, e até acreditava que tinha uma condição financeira melhor, como se isso fosse importante. Por que ela tinha essa atenção toda e eu não? Não entendia por que uma criança pode ser considerada melhor que a outra, somente por seu aspecto físico, por sua raça. De forma alguma, naquela época, um negro teria a atenção de representar um colégio”, avalia Patrícia.
A percepção foi amadurecendo com o tempo: “Nas faculdades, no fórum, nos escritórios, na própria Ordem dos Advogados do Brasil – OAB somos tolerados; se assim não fosse, não estaríamos em condições desiguais e desfavorecidas. Somos menos de um por cento nos grandes escritórios, não temos representatividade no mercado de trabalho e consequentemente não temos o reconhecimento social”.
Em uma sociedade machista, ser mulher também envolve preconceito, especialmente para as profissionais do Direito. “Muitas vezes, nos desviam de função e em vez de advogada, nos tratam como secretárias, copeiras, e outras funções. Não que a função de advogada seja melhor que essas funções, mas por acreditarem que a advocacia não é um ambiente feminino. E hoje, contrariando esse pensamento, não tenho dúvida que somos maioria na OAB, e logo seremos também em toda a carreira jurídica”, antevê.
Superação a partir do autoconhecimento
“Sempre ouvi minha mãe dizendo que nós pretos temos que ser sempre os melhores, só assim teremos a possibilidade de tentar alcançar os espaços desejados. A minha superação vem do conhecimento, de saber quem sou, de onde vim e onde posso chegar”, afirma Patrícia Romana.
Todo o processo de enfrentamento do racismo, contudo, ainda é complexo, segundo a advogada. “Quando um negro sobe sozinho, se torna um ‘chaveirinho’, que exemplifica o tokenismo frequente que ocorre em todas as áreas sociais, nas relações humanas, de trabalho etc”, destaca.
“Quando adquirimos o conhecimento, percebemos que somos coletivos, somos comunidades, somos grupos e fugir dessa nossa cultura nos afasta de nossa essência, de nossa espiritualidade e assim não nos tornamos completos, tendo a sensação que está sempre faltando algo”, observa.
Data educativa
A advogada ressalta a necessidade deste Dia da Consciência Negra. “É uma data educativa de grande importância para o povo brasileiro. Foi instituída em 20 de novembro por conta da importância de Zumbi de Palmares (1655-1695), símbolo de luta e resistência contra a escravidão de pessoas de origem africana.”
“Embora exista a Lei 10.639/2003, que foi alterada pela Lei 11.645/2008, tornando obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio, isso, na realidade, não funciona, pois ela não é verdadeiramente implementada”, afirma.
A data instituída oficialmente em 2011, em contrapartida, dá a chance de se abordar essa problemática que violenta, inferioriza e atenta contra a democracia. “O racismo é um conjunto de teorias, práticas, crenças, atitudes, que estabelecem uma hierarquia entre as raças, é um sistema de opressão”, define Patrícia.
Caminho para igualdade racial
No caminho da luta antirracista, ela elenca atitudes que devem ser adotadas por toda a sociedade:
• busque conhecimento, seja por filmes, conversas ou livros;
• respeite o lugar de fala, que segundo a filósofa Djamila Ribeiro, é a possibilidade de expressão sobre algum assunto, devendo ser observadas e limitadas dentro das fronteiras a partir do lugar em que a pessoa se encontra;
• lute por uma igualdade de tratamento, por cidadania; não há cidadania sem garantir redistribuição de renda, trabalho, saúde, terra, moradia, educação, cultura, mobilidade, lazer e participação da população negra em espaços de poder; não há justiça social sem que as necessidades e os interesses de 55,7% da população brasileira sejam plenamente atendidos.
Esses fatores devem ser observados especialmente pelos profissionais do Direito, na busca para que o Estatuto da Igualdade Racial (12.288/2010), entre outros dispositivos da nossa legislação, encontre resultados práticos. “Temos a obrigação de cumprir com a promessa de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social”, frisa a advogada.
“Uma das formas, acredito que a primeira, é fazer com que o Estatuto da Igualdade Racial seja cumprido. Sua efetividade seria uma grande arma para o extermínio do racismo, que não só atravessa o ordenamento jurídico, mas toda a estrutura da sociedade”, conclui Patrícia Romana.
Leia, na íntegra, as entrevistas com os cinco especialistas do IBDFAM sobre o Dia da Consciência Negra:
17/11 Especial Consciência Negra - Elisa Cruz: "O Direito precisa reverter seu histórico"
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