Notícias
Especial Consciência Negra - João Batista de Oliveira Cândido: "Temos uma Justiça tão racista quanto a própria sociedade"

Nesta semana, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM apresenta uma série de entrevistas especiais sobre o Dia da Consciência Negra, celebrado na próxima sexta-feira, 20 de novembro. Até a data, membros do IBDFAM compartilham suas trajetórias na luta antirracista, destacando a importância do comprometimento de toda a sociedade com a causa.
A entrevista desta quarta-feira (18) para o Especial Consciência Negra é com João Batista de Oliveira Cândido, advogado, professor e co-fundador do IBDFAM. A luta por justiça, igualdade e representatividade está no DNA do jurista. “Venho de uma família que é tradicional no campo do Direito em Minas Gerais”, conta.
De seus oito irmãos, seis se tornaram advogados. O mais velho, Raimundo Cândido Júnior, ocupa pela quinta vez a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais – OAB-MG, posto que já foi do patriarca, Raymundo Cândido (1906-1991), na década de 1970. “Devo muito do meu caminho a essa identidade profissional familiar, em especial, às lutas de meu falecido pai”, reconhece João Batista.
Sua trajetória profissional teve início com o curso de Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG, com formatura em 1977, concomitante à graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, concluída em 1981. Assim que formado, ele começou a advogar, além de lecionar Direito a partir de 1985.
Racismo velado ou romanceado
“O racismo no Brasil é estrutural, e portanto, não há, infelizmente, como um negro dizer que não foi vítima de racismo, ainda que de forma velada ou romanceada, com declarações e objeções, nas atividades profissionais e de vida. Comigo não foi diferente”, avalia João Batista. Na infância, ele era o único negro no tradicional Colégio Jesuíta, em Belo Horizonte, e situação semelhante ocorreu durante a faculdade.
Para o jurista, a superação deve partir da conscientização de que esse é um problema dos brancos. “O racismo existe, mas ninguém é racista – ou pelo menos se diz assim. O racismo não é individual apenas, de alguém contra alguém, como se coloca. Mais do que isso, é um sistema de opressão histórico que se repete, nas mais diversas formas, e de forma ainda mais grave contra as mulheres negras, que se acham na base da pirâmide oprimida”, destaca.
Brancos podem contribuir para a luta antirracista, segundo o especialista, “a partir da conscientização e reflexão, que é fundamental para que ele compreenda e se conscientize como, do seu espaço social, pode deixar de ser racista, a começar pela percepção de como se é e se tem comportamentos racistas”.
“Isso não é nada fácil, posto que implementado o racismo de forma histórica e cultural. A reflexão deve partir do seu espaço social, do seu lugar de fala enquanto pessoa branca, com o escopo claro de reconhecimento e compreensão de que temos todos o direito à dignidade enquanto seres da raça humana, na busca da felicidade”, acrescenta João Batista.
Falta representatividade nos três poderes
A falta de representatividade começa nos três poderes, o que revela uma desigualdade de natureza estrutural, com instituições racistas, segundo João Batista. “O Poder Judiciário, na sua representação máxima pelo Supremo Tribunal Federal – STF, não tem hoje qualquer negro e, quando o teve de forma única, o foi como proposta de um discurso político de inclusão, e cuja repercussão e cobrança social foi imensa.”
Segundo censo do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, negros representam apenas 1,4% dos magistrados brasileiros. No Legislativo, não é diferente: a composição no Congresso, Senado e Câmara é de apenas 17,8%; ou seja, de 594 cargos, apenas 106 são ocupados por negros.
Além disso, somente 3% dos municípios brasileiros têm prefeitas negras. “Isso mostra a realidade brasileira no Executivo. No Executivo estadual e federal, [a representatividade] é simplesmente inexistente. Significa dizer que Executivo, Judiciário e Legislativo, embora a maioria da população brasileira seja negra, são essencialmente brancos”, critica João Batista.
Aplicação efetiva, sistemática e dura da norma
O especialista avalia que o ordenamento jurídico brasileira tem arcabouço normativo suficiente, mas é apenas uma pequena ponta nessa discussão. “O que falta, como sempre acontece na seara do Direito, é a aplicação efetiva, sistemática e dura da norma. Temos uma Justiça tão racista quanto a própria sociedade”, defende.
“A questão principal, como dito, não está no ordenamento jurídico, mas na falta de educação e conscientização, em especial das pessoas brancas, quanto ao racismo estrutural que exige muito mais que uma racionalidade, e que precisa de sentimentos humanistas verdadeiros, únicos capazes de irrigar uma mudança de comportamentos pelos laços do respeito, dignidade e afeto humano”, acrescenta João Batista.
É neste contexto que o Dia da Consciência Negra adquire papel fundamental, por dar visibilidade e amplitude à necessidade de valorização da raça negra. O especialista ressalta a origem desta celebração. “A data corresponde ao dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros do Brasil, que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista.”
De acordo com o advogado, a Consciência Negra está relacionada ao autoconhecimento dos descendentes africanos e de seu papel na construção do país. “A importância dessa data está em dar visibilidade ao debate de tema relevante e gravíssimo como é o racismo, assim como as formas em que se manifesta com a discriminação, além de buscar trabalhar a igualdade material social e a inclusão de negros, com reconhecimento da importância e relevância da cultura afro-brasileira.”
Leia mais:
17/11 Especial Consciência Negra - Elisa Cruz: "O Direito precisa reverter seu histórico"
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br