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Especial Consciência Negra - Caroline Vidal: "O racismo estrutural está impregnado em todos os lugares"
Em lembrança ao Dia da Consciência Negra, celebrado na próxima sexta-feira, 20 de novembro, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM inicia nesta segunda (16) uma série de entrevistas especiais. Convidamos cinco membros a compartilharem suas trajetórias na luta antirracista, destacando a importância do comprometimento de toda a sociedade com a causa.
A primeira entrevista do Especial Consciência Negra é com a advogada Caroline Ingrid de Freitas Vidal, presidente da Comissão de Diversidade Racial e Etnia do IBDFAM. Com atuação em Belo Horizonte, ela trabalha predominantemente com demandas criminais, cíveis e de Direito das Famílias interligadas a questões de raça e gênero.
“Venho de uma família que considero privilegiada, porque tive a oportunidade de só estudar durante o período escolar. Posteriormente, quando ingressei na faculdade de Direito, continuei me dedicando só aos estudos e, depois, fazendo estágio”, relata Caroline. Logo nas primeiras experiências profissionais, a então estudante pôde se aproximar de realidades distantes da sua, em comunidades carentes. Foi quando desenvolveu empatia e o interesse em atuar em prol de lutas sociais.
Preocupada com a defesa dos direitos das mulheres e das minorias, Caroline começou a participar de eventos e comissões de órgãos e associações de advocacia. Sua intenção era fazer a diferença naqueles lugares, por entender que os ambientes jurídicos careciam de cobranças por representatividade.
“Esses espaços não são pertencidos por pessoas negras, mulheres negras principalmente. Essa se tornou a minha missão. Aos poucos, fui estudando e interagindo, participando também de coletivos feministas, capacitações, cursos e me aprofundando, até para ter mais consciência de como eu estava em um espaço privilegiado, a que muitas pessoas não têm acesso”, comenta Caroline.
Mulheres negras sofrem duplo preconceito
O racismo acompanhou essa caminhada. Em fóruns, Caroline via advogados brancos passando livremente pelas catracas, enquanto a ela era solicitada a identificação de advogada. Por vezes, a jovem profissional era a única negra em escritórios e comissões que compunha. Em sua casa, localizada em região nobre, já foi questionada por um vendedor se o proprietário estava presente.
“São sintomas do racismo estrutural, que não é aquele agressivo e definitivo, como estamos acostumados a ver em casos notórios ou isolados. Deve ser destacado que o racismo estrutural está impregnado em todos os lugares. Quando me deparo com essas situações, de pronto, minha reação não é ignorar, mas pontuar”, afirma Caroline.
Certa vez, antes de uma audiência, ao ser confundida com parente de sua cliente, decidiu questionar aquela pergunta. Por que uma mulher preta não poderia ser a advogada? “Em geral, as pessoas ficam surpresas com a devolução da pergunta, mas o faço de forma educada, já que alguns afirmam que nosso discurso é violento, o que não é verdade.”
“Claro que, diante dessas situações, a sensação é ruim, de impotência, mas essas histórias me fizeram seguir com meu objetivo: estudar para que o racismo deixasse de ser naturalizado; mudar a realidade ao meu entorno para que as pessoas pretas passassem a ser vistas de fato”, comenta Caroline.
Ser mulher acirrou o preconceito encarado ao longo da carreira. “Com frequência, somos interrompidas por homens em momentos que não são para eles articularem. Falam mais alto, duvidam da nossa capacidade e nos tratam com ironias. Temos que lidar, até com colegas de profissão, com tentativas de deslegitimar qualquer bandeira e direito feminino pelo qual estejamos lutando.”
“Tentam ridicularizar os movimentos feministas, como se quiséssemos um lugar superior aos homens e não a igualdade. São pessoas que não entendem nossas lutam, não querem entender e buscam mecanismos para nos silenciar”, acrescenta.
Dia é de luta, não de comemoração
Instituído oficialmente pela Lei 12.519/2011, em memória do assassinato de Zumbi dos Palmares (1655-1695), líder quilombola contra a escravidão no Brasil, o Dia da Consciência Negra não é de comemoração, afirma Caroline Vidal. Todo o mês é permeado por ações afirmativas, mas a data ainda é marcada por falácias. “É um dia de luta, protesto e construção de uma consciência de fato, não uma data comemorativa no calendário ou um simples feriado em algumas cidades do Brasil”, defende.
Ela ressalta que ainda se faz necessário um trabalho de valorização da negritude no país. “É preciso uma construção muito maior, acadêmica, com políticas públicas e novas formas de coibir o racismo. Ainda não temos uma consciência trabalhada e construída. Há apenas uma data para falar que temos importância, o que não é suficiente. Não existem políticas que tratem efetivamente da nossa realidade nem uma repressão criminal adequada contra o racismo, tampouco mecanismos para fazer com que esse problema diminua.”
A luta antirracista deve partir de toda a sociedade, segundo Caroline. “É preciso abolir práticas do vocabulário e do comportamento. Estudar, entender, se colocar no lugar do outro, ter empatia, promover a igualdade entre pessoas, valorizar a cultura das pessoas negras e combater efetivamente a prática racista, se policiando e reprimindo essas situações. Não se pode mais naturalizar determinados comportamentos que perduraram por tanto tempo.”
No enfrentamento da discriminação, a falta representatividade é o principal percalço, na visão da especialista. “Faltam legisladores negros e também interesse do Poder Público em mudar esse cenário de desigualdade. O principal caminho é conscientização de quem detém o poder da importância de mecanismos jurídicos que coíbam o racismo, com modificações na legislação, penas mais severas às práticas racistas e promoção de políticas públicas pela igualdade”, assinala Caroline Vidal.
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