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Após conflitos, ex-companheiras chegam a acordo quanto à guarda compartilhada da filha, gerada por inseminação artificial
Duas ex-companheiras, que divergiam sobre a convivência com a filha, homologaram um acordo na Justiça após dois meses de conversa com as advogadas. Elas concordaram em manter a guarda compartilhada com dupla residência da criança em vista da preservação de seu melhor interesse. Inicialmente, a mulher que gestou e deu à luz pleiteava a guarda unilateral.
A menina foi gerada por meio de inseminação artificial heteróloga, com sêmen de doador anônimo e óvulo da mãe biológica, e registrada pelas duas mães. Ao fim da união estável, elas ajuizaram ação de guarda e convivência com o padrão de finais de semana alternados e sem pernoite, tendo em vista a tenra idade da criança.
Uma das mães alegava que a filha era unicamente dela, já que seu óvulo e útero foram os adotados para a gestação. Após longas conversas com as advogadas, ela concordou que ambas eram mães em igualdade de condições, pois haviam idealizado juntas o projeto parental. Por isso, o fato de a ex-companheira não ser mãe biológica não a torna “menos mãe”.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, a advogada Mariana Kastrup atuou no caso. Para reverter o pensamento inicial da mãe biológica, que, segundo a especialista, contradiz com o atual Direito das Famílias, ela contou com a parceria de duas colegas: Aline Caruso e Lina Coiatelli.
Família contemporânea é regida por afeto e respeito
A advogada destaca que o modelo de família com filiação unicamente biológica e reconhecida pelo casamento entre os pais há muito foi superada. A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988 associada a avanços científicos, evolução socioeconômica e filosófica romperam a concepção tradicional e fechada de família. “A partir de então, o conceito de família, a sua proteção Estatal e o seu reconhecimento passou a ser disciplinado e aceito de forma mais ampla e plural”, avalia.
“A família contemporânea é regida pelo afeto e pelo respeito e essa transformação de paradigma representa, por exemplo, que além do reconhecimento de diversos arranjos familiares, uma criança gerada por casal homoafetivo, em que a inseminação artificial heteróloga foi um projeto parental almejado e planejado por ambas, não retira de uma delas (aquela que não gestou), ao fim do relacionamento conjugal, o seu direito de mãe em igualdade de condições com a mulher que deu à luz a criança”, defende Mariana.
Ela comemora o acordo firmado entre as mães pelo direito de ambas à guarda compartilhada e ao tempo de convívio equilibrado. “As regras de proteção dos filhos, visando preservar o melhor interesse da prole, independem do formato de família. Portanto, de acordo com a sistemática do Direito das Famílias moderno, o elo de união entre duas pessoas é, acima de tudo, o vínculo afetivo, não havendo espaço para que a mãe não biológica se torne ‘menos mãe’”, frisa a advogada.
Benefícios do diálogo
“As reuniões (com as ex-companheiras), que foram muitas, às vezes eram plenas de angústia e troca de culpas. Entretanto, não nos deixávamos afetar e traduzíamos para outra parte com muito afetividade. O maior desafio foi não culpar a outra, mas compreender e evidenciar a responsabilidade que cada uma assumiu no relacionamento”, conta Lina Coiatelli.
Ela destaca que o fato das advogadas terem priorizado o diálogo, aos poucos e espontaneamente, permitiu que as partes chegassem a um entendimento, impedindo que o processo perdurasse na Justiça. Assim, coibiu-se também uma relação conflituosa entre as ex-companheiras, o que poderia afetar, inclusive, a formação da filha em comum.
“Muitas vezes o Poder Judiciário tem se mostrado moroso na solução satisfatória dos conflitos, devido o volume das demandas ajuizadas. Além da crise do Judiciário por excesso de demandas, devem ser considerados os gastos excessivos com a propositura da ação pelas partes. À medida em que entendemos que o conflito não anda sozinho, ele vem das pessoas, trabalhamos com as partes e não somente com o conflito”, destaca Lina.
Conflito por conta da convivência
Para Alice Caruso, o acordo a que chegaram as ex-companheiras pode servir de exemplo a demais casais que vivem ou podem vir a viver um conflito por conta da convivência com os filhos. “Elas pensaram no bem-estar da menor, fruto de um relacionamento que por anos foi movido pelo amor e que não deve ser diferente em seu final”, destaca.
Ela lembra que os casais LGBTI não escapam dessas divergências que costumam chegar à Justiça com a maioria heterosseuxal. “Considerando que a situação relata um casal homoafetivo, é de extrema importância ter em mente que o avanço nos direitos inclui a separação e a guarda dos filhos”, diz Alice.
“Não pode o casal, que ao estar junto luta por ver seus direitos protegidos, ao se separar querer esquecer deles e em prejuízo não só dos próprios, mas também da criança. É necessário reconhecer o avanço e lutar por ele, inclusive quando se julga desfavorável”, finaliza a advogada.
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