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Famílias correm risco de perder moradia em meio à crise econômica causada pela pandemia
A crise desencadeada pela pandemia do Coronavírus mudou a realidade de milhares de famílias brasileiras. Com a onda de demissões e queda nas rendas, muitos que pagam aluguel para garantir a moradia encontraram o risco de não ter onde viver. A rua, bem como os abrigos e ocupações improvisadas, sem infraestrutura para o bem-estar dessas pessoas, já é o local em que tantos se encontram desde o início da proliferação da Covid-19.
Em agosto, o Congresso Nacional derrubou veto do presidente Jair Bolsonaro e reincluiu na Lei 14.010/2020, sancionada em junho, a proibição de concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano até 30 de outubro de 2020. Segundo reportagem do Fantástico, da TV Globo, do início da pandemia, em março, até junho de 2020, foram mais de 15 mil novas ações de despejo no país, segundo dados obtidos em agosto junto aos Tribunais de Justiça estaduais e do Distrito Federal e dos Territórios.
A advogada e professora Rose Melo Vencelau Meireles, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que o artigo 9º da Lei 14.010/2020 não impediu o despejo, mas a concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo nas hipóteses que especifica.
“Em verdade, a legislação transitória se dirige ao § 1° do artigo 59 da Lei 8.245/1991, que determina a concessão de liminar para desocupação em 15 dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel”, pontua Rose.
De acordo com a advogada, ao vedar o despejo liminar, a Lei 14.010/2020 protege o direito constitucional de moradia, como corolário da dignidade das famílias, considerando que muitas exercem esse direito por meio da locação. “Além disso, a efetivação da medida envolve várias pessoas, a exemplo do oficial de justiça, locatário e sua família, chaveiro e funcionários encarregados da mudança, entre outras, o que se mostra incompatível com a orientação sanitária de evitar-se aglomeração.”
“Com efeito, embora a Lei 14.010/2020 se reporte ao despejo liminar, há de se considerar no caso concreto as implicações da medida mesmo se definitiva. Assim, prevalece a tutela da dignidade das famílias em detrimento de eventual interesse patrimonial do locador”, defende a advogada.
Magistrados devem ter em vista a dignidade das famílias
O impedimento a liminares para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo determinado pela Lei 14.010/2020 está previsto apenas até 30 de outubro. Segundo Rose Meireles, não há previsão de que esse prazo seja estendido, a depender de futura atuação legislativa. Caberá ao Judiciário garantir a razoabilidade em cada situação.
“O aumento desse prazo não se mostra fundamental para que a solução legal seja adotada no caso concreto. A própria dignidade das famílias pode ser utilizada pelo magistrado para negar a liminar ou sua efetivação, ainda que fique sujeita a prazo certo ou condição, como o fim do estado de calamidade pública decretado nacionalmente (Decreto Legislativo 6/2020), por exemplo”, pontua.
Ela anota, ainda, que o disposto no artigo 298 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) também pode atender a essas situações. “Na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso, a registrar o princípio da motivação das decisões judiciais nessa seara.”
Caminhos para a solução do conflito
A advogada aponta os caminhos para enfrentamento dessa que é uma das mais conflituosas repercussões da pandemia do Coronavírus na sociedade brasileira. “Em primeiro lugar, [faz-se necessário] o reconhecimento da prevalência do interesse existencial consubstanciado na tutela da saúde e da moradia em relação ao patrimonial de retomada da posse do imóvel.”
“Em segundo lugar, a opção pelos métodos consensuais que podem dimensionar a questão de modo mais global, a partir das necessidades existenciais e patrimoniais dos envolvidos, a permitir soluções criativas para cada caso concreto, inclusive com elaboração de planos de devolução e parcelamento dos aluguéis em atraso”, sugere Rose.
Ela ressalta a importância de decisões que consideram o momento de vulnerabilidade de tantas famílias. “Sob o ponto de vista judicial, cabe ao magistrado garantir a ponderação entre os interesses a ele levados no caso concreto, valendo-se não apenas da Lei 14.010/2020, mas também do sistema normativo em sua totalidade, em especial a normativa constitucional”, finaliza.
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