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Abandono digital: responsáveis devem estar atentos à exposição de crianças e adolescentes na internet
A superexposição às telas e ao mundo digital tem sido uma das consequências da pandemia do Coronavírus. O ciberespaço, saída encontrada por muitos para dirimir a distância imposta pela quarentena, também se tornou terreno de novos conflitos e aumento de antigos perigos. Em um contexto de aulas on-line, com mais tempo em frente a computadores e celulares, crianças e adolescentes estão mais suscetíveis ao abandono digital.
O advogado Marcos Ehrhardt, vice-presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, está atento a esse tema, que envolve a vulnerabilidade dos mais jovens à ação de pedófilos e a crimes contra sua dignidade, entre outras adversidades.
“Ninguém vai considerar adequado deixar uma criança pequena na rua, sem supervisão de um responsável. Provavelmente o mesmo pode ser dito em relação a permitirmos que nossos filhos conversem com estranhos, sobretudo se percebemos que esses indivíduos utilizam nomes falsos para iniciar o contato. Infelizmente isso está ocorrendo neste momento, em algum lar brasileiro, a poucos metros dos pais, que, muitas vezes, não acompanham com quem seus filhos interagem na internet”, inicia o especialista.
Ele exemplifica situações de perigo, porém corriqueiras no dia a dia das famílias: “Será que em jogos on-line com vários jogadores disputando as mesmas partidas, questionamos quem são os parceiros de time do meu filho? Sobre o que eles conversam, além do jogo durante o transcurso da partida? De que grupos de amigos meus filhos participam em plataformas de redes sociais? São os mesmos amigos da escola ou são amigos ‘virtuais’, com os quais ele nunca teve interação?”.
Autoridade parental e negligência
Segundo Marcos Ehrhardt, os exemplos supracitados estão relacionados a condutas praticadas por filhos sem a importante supervisão daqueles que exercem a autoridade parental, o que pode configurar negligência. Ele frisa que os deveres inerentes ao exercício da autoridade parental valem tanto para o mundo físico, analógico, quanto para o ciberespaço.
“O ‘abandono digital’ está relacionado à falta de cuidado, especialmente no que se refere à ausência de informações sobre o uso dos programas e demais recursos digitais. Em linhas gerais, o que se percebe é a necessidade de discutirmos educação digital para crianças e adolescentes, e isso começa com a definição de boas práticas”, defende.
O especialista destaca também que o exercício da autoridade parental não deve sofrer interferência de questões relacionadas estritamente à conjugalidade. “O fim do relacionamento (entre os genitores) determina o término de deveres para com o cônjuge e não para com os filhos, especialmente em termos de guarda, ou como eu prefiro dizer, de responsabilidade parental compartilhada.”
“Compete aos pais assegurar educação para a vida digital, assim como fazemos em relação ao mundo em que vivemos. Da mesma forma que se deve buscar consenso sobre o modo de educação dos filhos, opções religiosas, orientações médicas que serão seguidas, devem os pais conversar sobre os limites nas aplicações de internet que serão estabelecidos para os filhos, sendo necessário existir uniformidade e clareza em relação ao tema, não importando se a criança ou adolescente está acessando a internet da casa do pai ou da mãe, por exemplo”, opina Erhardt.
De acordo com o advogado, mesmo os níveis de exposição dos filhos nos perfis em redes sociais dos pais também precisam ser acordados entre os genitores, em vista do melhor interesse dos pequenos e não tendo como referência o interesse e/ou conveniência de um dos adultos.
Convivência remota com genitores em meio à pandemia
“O distanciamento social provocou um aumento da utilização da tecnologia para interação social. Se para muitos isso ocorreu naturalmente, para outros, não havia alternativa para manter o trabalho ou o relacionamento com familiares, clientes e amigos”, observa Marcos Erhardt.
No caminho de remediar problemas ocasionados pela nova realidade, o meio digital também apresentou adversidades. “Quando se intensifica o emprego de tecnologia, aumentam em ordem diretamente proporcional as dificuldades e problemas que, muitas vezes, não são algo específico do desconhecimento e falta de informação dos filhos. Os pais podem ter mais dificuldade do que seus descendentes.”
Em meio à quarentena, eclodiram as disputas pela convivência com os filhos, já que muitos genitores foram impedidos de ver os filhos sob a justificativa do distanciamento social. “O tema das ‘visitas virtuais’, ou melhor, da convivência remota por plataformas digitais, tem gerado novos desafios relacionados, por exemplo, à garantia de privacidade no contato dos filhos com aquele que está privado do contato físico”, opina Erhardt.
“Além disso, a duração dessa forma de contato, dias e horários, precisam ser acordadas, bem como disciplinado o acesso direto aos filhos por aquele que não mora com eles. O critério para definição dessas regras de convivência sempre será o melhor interesse dos filhos”, acrescenta o advogado.
Absoluta prioridade prevista em lei
O especialista salienta que as relações estabelecidas pela internet não estão imunes à legislação brasileira. “Neste sentido, crianças e os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação de seus direitos.”
“O exercício de tais direitos ocorre na perspectiva do respeito e da consciência de que estamos nos referindo a pessoas humanas em processo de desenvolvimento. Como sujeitos de direitos civis, não podem ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência ou opressão”, acrescenta o advogado.
Além das disposições expressas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a discussão sobre abandono digital passa também pela Lei 12.965/2014, conhecida como o Marco Civil da Internet, que garante responsabilização dos internautas de acordo com suas atividades, nos termos da lei.
Em relação à Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018), deve entrar em vigor em 2021 um capítulo destinado à regulação do tratamento de dados pessoais e crianças e adolescente. “Passará a exigir consentimento específico dos responsáveis legais e limitará o fornecimento de informações pessoais para participação em jogos ou aplicações de internet”, atenta Erhardt.
Orientações práticas
O diálogo é fundamental para garantir a segurança de crianças e adolescentes no ciberespaço, diz o advogado. “A conversa deve ser com a pessoa que divide a responsabilidade parental com você, antes de abranger as próprias crianças e adolescentes. Entender o uso que é feito dos jogos e demais aplicações na internet, estabelecer limites e, sobretudo, explicar os motivos de definição dos limites é algo essencial para construir um ambiente de uso responsável da tecnologia.”
Sobre o ingresso dos mais jovens nas plataformas digitais, os termos de uso já estabelecem idade mínima para interação no serviço, o que deve ser analisado e discutido em cada caso concreto. Afinal, de acordo com Marcos Erhardt, tais condições de uso não prevalecem sobre a disciplina protetiva da Constituição Federal, do ECA e do Código Civil de 2002, por exemplo.
“De nada adiantará o esforço sugerido acima, se o discurso para os filhos não refletir nas próprias ações dos pais, que também precisam se policiar sobre o modo como eles utilizam a internet e ferramentas do mundo digital, especialmente o tempo diário de conexão”, ressalta o advogado.
Ele defende: “A discussão da autonomia para utilização, especialmente no que se refere aos adolescentes, passa necessariamente pela necessária possibilidade de responsabilização de quem deseja exercer a liberdade. Dito de outro modo, se quero agir livremente, preciso estar preparado para responder por meus atos e isso passa pelo desenvolvimento de uma consciência e educação para a vida digital, que deve ser compromisso de todos os integrantes do núcleo familiar”.
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