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Estatuto da Igualdade Racial completa 10 anos; especialistas do IBDFAM apontam avanços e desafios no combate ao racismo no Brasil
O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) completou 10 anos na última segunda-feira, 20 de julho. Entre os avanços, a norma trouxe uma série de diretrizes a fim de ampliar direitos em diversas áreas para populações historicamente discriminados na sociedade brasileira, como negros e índios, com disposições sobre o acesso ao mercado de trabalho e à terra, à liberdade de crença e a políticas de saúde, educação, cultura, esporte, entre outros fatores.
Passada uma década, contudo, o racismo ainda é um problema longe de ser superado no Brasil. O tema ficou ainda mais evidente recentemente, diante dos protestos Vidas Negras Importam, que atentaram às discriminações e a violência contra essa população em todo o mundo. Além dos crimes já previstos na legislação brasileiras, como a injúria racial, há um longo caminho de enfrentamento do racismo estrutural.
“A principal contribuição do Estatuto foi a inclusão de temas raciais nos mais diversos campos, como educação, saúde, assistência, moradia, cultura etc., superando a ideia de que falar sobre negritude é só sobre a cor das pessoas”, destaca professora e defensora pública do Estado do Rio de Janeiro Elisa Cruz, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Segundo a especialista, o Estatuto da Igualdade Racial contribuiu para determinados avanços no combate ao racismo no Brasil. “Essa lei é uma forma de ação afirmativa, afinal, ela traz o debate racial para as influências da cultura negra no Brasil ao mesmo tempo em que busca melhorar a inclusão da pessoa negra criando mecanismos de redução de desigualdades”, detalha.
Vice-presidente da Comissão da Diversidade Racial e Etnia do IBDFAM, a advogada Joelen Oitaia da Silva também analisa a legislação que completa uma década nesta semana. “Trata-se de um pequeno avanço no poder político dos negros na efetividade da igualdade de oportunidades, com a defesa dos direitos individuais e fundamentais para combater a discriminação”, opina.
Sujeitos de direito
Presidente da Comissão, a advogada Caroline Ingrid de Freitas Vidal ressalta que o Estatuto descreve políticas públicas, ações afirmativas e deveres do Estado, estabelece direitos específicos e fundamentais e a necessidade de inclusão, e frisa a necessidade de respeito às culturas negras e religiões de matriz africana, tantas vezes objeto de discriminação.
“Foi um avanço na conquista de direitos pela população negra, que tanto sofreu ao longo da nossa História, mesmo no período pós-escravidão, para ter o reconhecimento como pessoas, sujeitos de direito”, avalia Caroline.
Ela analisa que, por tratar de questões estruturais de discriminação, o período até aqui é curto para notar mudanças consolidadas. “Dez anos ainda é muito pouco para que se percebam passos significativos. Mas o Estatuto foi um importante marco, porque trouxe avanços para a igualdade e a oportunidade, além de tornar o combate à discriminação uma política de interesse do Estado”, observa Caroline.
Contudo, ela entende que ainda é preciso aperfeiçoar a legislação, identificando falhas e possibilitando uma aplicação mais efetiva. “Precisamos direcionar o olhar ao que o Estatuto trouxe, ver qual foi sua aplicação nestes 10 anos e o que pode melhorar”, destaca.
Racismo e injúria racial
“O Estatuto da Igualdade Racial contribui no combate à intolerância em todas as suas formas. É uma pena que, no mundo de hoje, ainda existam pessoas que não aceitem essas diferenças, sejam de raça, cor ou descendência”, acrescenta Joelen Oitaia. A dificuldade, segundo ela, continua sendo a conscientização da sociedade pelo respeito à pluralidade.
Para Elisa Cruz também há uma dificuldade em punir quem comete esses crimes. A Lei do Racismo (7.716/1989) define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, tratando da proteção da coletividade dos indivíduos e prevendo penalidade a quem discrimina todo o grupo. Já a injúria racial (expressa no artigo 140, § 3º do Código Penal) consiste na ofensa associada a raça, cor, etnia, religião ou origem de uma vítima em específico.
“A principal dificuldade é a não classificação como racismo. Geralmente, os inquéritos e processos criminais são sobre injúria racial”, observa Elisa. Ao contrário da injúria racial, de penalidade mais branda, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível.
Racismo estrutural
Segundo a defensora pública, esse fenômeno reflete como o racismo estrutural também impõe reflexos no ordenamento jurídico brasileiro. “Essa preferência pela injúria é uma evidência do racismo como estruturante da sociedade, porque esse tipo penal permite que se avalie a intenção de desmerecer alguém em razão da raça. Essa avaliação subjetiva não existe no racismo”, difere.
Ela indica o caminho que deve ser adotado, nos poderes Legislativo e no Judiciário, para a efetiva superação do problema. “É preciso entender que o racismo é estrutural e estruturante no Brasil. Uma vez que se entenda como o poder é estruturado contra as pessoas negras, deve-se rever as leis e as decisões de modo a compensar essa discriminação histórica”, assinala Elisa.
Para Caroline Vidal, a grande questão é a dificuldade da sociedade em perceber o racismo estrutural e dar real dimensão ao sofrimento que é causado à vítima. “As pessoas não dão credibilidade às pessoas negras. Duvidam quando trazem esse elemento de prova e de imputação à prática do racismo. Há também uma naturalização desses atos. Precisamos de leis mais firmes para desencorajar racistas desta prática”, finaliza.
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