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Novas portarias da ministra Damares Alves repercutem no Direito das Famílias
Duas novas portarias do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – MMFDH publicadas no Diário Oficial da União – DOU chamaram a atenção de profissionais do Direito das Famílias nos últimos dias. Assinadas pela ministra Damares Alves, a Portaria 1.643 institui o Observatório Nacional da Família e dá outras providências, enquanto a Portaria 1.756 cria o Programa Município Amigo da Família – PMAF.
Como Observatório Nacional da Família, institui-se um “repositório de conhecimento científico que visa dar visibilidade à família como primeiro e fundamental contexto de constituição integral da pessoa, cenário privilegiado para a transmissão de valores e primeiro sistema de proteção social para seus membros”. Entre seus objetivos, buscará incentivar o desenvolvimento acadêmico e fortalecer seu diálogo com gestores de políticas públicas.
Já o PMAF, vinculado à Secretaria Nacional da Família, “visa incentivar os municípios a promover ações destinadas à implementação integrada de políticas públicas familiares, que fortaleçam vínculos conjugais e intergeracionais, além de promoverem ações de fomento ao suporte social das famílias do município”. A “valorização da família” é a primeira de suas diretrizes.
Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Maria Berenice Dias se diz surpresa com as novas portarias, “não só pela origem, mas também pelo conteúdo. Existe uma escancarada inconstitucionalidade nessas normativas, uma vez que falam em família no singular, e o conceito de família, atualmente, é plural”, destaca.
Segundo a jurista, a própria atuação do IBDFAM contribuiu para que o ordenamento jurídico brasileiro assumisse várias configurações sob o conceito de família. Tal entendimento ficou consagrado, por exemplo, pela Lei Maria da Penha (11.340/2006), que define família como uma relação íntima de afeto, conceito plural também admitido pela Constituição Federal.
Ao destacar “vínculos conjugais e intergeracionais”, as portarias evidenciam sua tentativa de fortalecer essas relações, segundo Maria Berenice. “Vínculos conjugais são decorrentes do casamento, entre cônjuges. Já ‘intergeracional’ é um conceito restrito, enquanto o atual conceito de parentalidade não corresponde ao fato de serem gerações diversas, mas a outros arranjos. Por exemplo, uma família de irmãos não é intergeracional, mas é uma família”, comenta a vice-presidente do IBDFAM.
Portarias ignoram violência doméstica e planejamento familiar
A jurista destaca que, ao priorizar o casamento, as portarias ignoram a realidade do país. “Essa tentativa de promover a formação conjugal e manter as pessoas dentro do casamento, que é a proposta clara das novas portarias, esbarra nos números absurdos da violência doméstica no Brasil”, atenta Maria Berenice.
Ela observa que só recentemente a violência doméstica e familiar passou a ser desvendada por meio da Lei Maria da Penha, de 2006. O problema, contudo, vem de longa data. “Enquanto o casamento perdurou como tal, ao longo de muitos anos, o foi com sacrifício do corpo e da integridade psicológica das mulheres”, ressalta a advogada.
A especialista estranha, ainda, o fato de as portarias não abordarem, em nenhum momento, a importância do planejamento familiar, previsto na Constituição. “Falam em maternidade e paternidade, mas não falam nada sobre a proteção aos integrantes das famílias para prevenir, por exemplo, a gravidez na adolescência”, observa.
Com lacunas e objetivos falhos identificados nos novos dispositivos, Maria Berenice avalia que os programas instituídos têm pouca chance de encontrar efetividade. “Duvido muito que os municípios venham a criar esses gestores da família”, opina. Ela também critica a previsão de realização de cerimônias, em Brasília, com todos os municípios para certificado de adesão ao programa, apontando um “grande desperdício de dinheiro público”.
“O que fica é uma tentativa da preservação daquela família matrimonializada como única entidade familiar, algo absolutamente superado dentro da sociedade e também no âmbito do Poder Judiciário”, conclui Maria Berenice.
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