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Adoção ou senexão: uma saída para garantir o direito à convivência familiar e comunitária à pessoa idosa
Ao chegar a uma certa idade e precisar de cuidados que as famílias nem sempre conseguem dar, muitos idosos vão para abrigos onde passam o restante de suas vidas. Com esse processo, sofrem a dor de não pertencer mais, fisicamente, a uma família. Para tentar dar maior apoio e qualidade de vida a essas pessoas, existe a ideia da adoção de idosos, que vem ganhando voz e destaque no Poder Legislativo.
Atualmente, quatro projetos de lei abordam o assunto e estão tramitando na Câmara dos Deputados. Os três primeiros são de 2019 (PL 956/19, PL 5475/19 e PL 5532/19) e visam alterar o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) para prever a possibilidade de adoção de idosos.
Já no ano de 2020, o Projeto de Lei 105/2020 foi proposto na Câmara prevendo a criação do instituto da “senexão”, que seria a colocação de pessoa idosa em família substituta. Considerando que o nome “adoção” não se adequa à situação dos idosos, esse projeto teve por finalidade criar um novo nome ao instituto. A senexão seria, portanto, uma derivação da adoção de idosos.
Além disso, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos afirmou no início deste ano que trabalhos visando essa nova forma de adoção seriam feitos. Em uma série de eventos realizados na Câmara, a ministra Damares Alves se prontificou a ajudar no desenvolvimento do projeto.
Fatos que são passos importantes para um debate e possível implementação da prática. É o que afirma Patricia Novais Calmon, presidente da Comissão da Adoção e do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família seção Espírito Santo – IBDFAM/ES e autora dos artigos “A colocação de idosos em família substituta por meio da adoção: uma possibilidade?” e “Senexão: um novo instituto de direito das famílias?”.
“De maneira louvável, a senexão trouxe o debate a respeito do vínculo socioafetivo não filial, ingressando a pessoa idosa naquele núcleo familiar como um parente atípico. Pode-se perceber, então, que existe enorme progresso sobre o tema, e todos os projetos de lei já apresentados colaboram fortemente para o desenvolvimento do instituto, cada um à sua maneira”, destaca.
Para ela, nosso ordenamento jurídico já oferece uma viabilidade mínima para a adoção de idosos. Isso ocorre a partir da análise conjunta do artigo 37 do Estatuto do Idoso com o artigo 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto, é indispensável que haja uma construção doutrinária nesse sentido, conferindo aparato que contribua para o desenvolvimento da questão, inclusive no aspecto prático.
“Para aplacar qualquer tipo de insegurança jurídica, as proposições legislativas, bem como o debate e eventual aprovação dos projetos são essenciais para que se garanta os direitos da pessoa idosa nessa colocação em família substituta”, afirma.
A advogada lembra ainda que alguns requisitos essenciais da adoção, como estágio de convivência, cadastro de adoção, entre outros, são objeto de ponderação específica nos projetos de lei.“Por assim ser, a adoção de idosos, ou a senexão, poderia funcionar no Brasil a partir de uma análise jurisdicional dos requisitos essenciais, subjetivos e objetivos, sendo que o principal deles seria a adoção apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”, diz.
Barreiras a serem quebradas
De acordo com Patrícia Calmon, um dos principais desafios consiste na noção pejorativa que a sociedade pode carregar ao se deparar com uma adoção de idosos. “Sabe-se que a velhice é uma construção social que carrega consigo uma série de estereótipos e preconceitos, em que atrela-se erroneamente a perspectiva de doença, solidão e incapacidade às pessoas idosas. Então, nesse cenário, a adoção de idosos pode trazer uma incorreta noção de infantilização”, enfatiza.
Ela destaca que existe um trabalho árduo na desconstrução da correlação da adoção de idosos com a incapacidade, já que muitos ligam o instituto da adoção à noção de poder familiar. Por isso, afirma que a adoção em nada afetaria a autonomia e independência da pessoa idosa, que são as tônicas de seus direitos e devem ser garantidas.
“Já existem instrumentos jurídicos legítimos para a tutela das pessoas incapazes, que são a curatela e a tomada de decisão apoiada. A adoção não os influenciaria e teria objetivo completamente distinto, que é conferir dignidade, pertencimento, inserção e afeto àquela pessoa idosa’, diz.
Assim, a partir desse desafio social surgirão os desafios jurídicos. “A própria aprovação dos projetos de lei devem passar por forte discussão no Congresso Nacional, já que muitos parlamentares podem ter consigo essa errônea construção social da adoção para pessoas idosas”, analisa a advogada.
Busca de melhorias
Patrícia Calmon reitera que a adoção de idosos teria por finalidade garantir o direito fundamental da convivência familiar e comunitária da pessoa idosa, que é garantido tanto pela Constituição da República (art. 229) quanto no Estatuto do Idoso (art. 3º).
“Nesse atual contexto de uma maior longevidade da população, é possível que as pessoas idosas não possuam uma rede de apoio familiar em que possam se apoiar. Aliás, um estudo americano constatou que 22% dos atuais adultos serão considerados idosos órfãos (elderly orphans), ou seja, pessoas que não possuem cônjuge ou filhos dos quais possam vir a depender ou ter como rede de apoio”, explica.
Além disso, ela destaca que os índices de abandono e negligência de idosos também têm aumentado, de acordo com dados do Disque 100. “Por isso, a adoção de idosos tem a finalidade de se garantir o direito à convivência familiar e comunitária da pessoa idosa, viabilizando-se uma forma pela qual ela poderá ser inserida em um grupo familiar que a ame, a respeite e a queira por perto. É para isso que lutamos”, finaliza.
Mês da Adoção
Durante o mês de maio, quando se é comemorado o Dia Nacional da Adoção, o IBDFAM realizou uma série de ações para fortalecer a causa e levar até a sociedade a importância de garantir o direito de quem vive em abrigos e sem afetividade familiar.
Além do I Seminário On-line da Adoção do IBDFAM, que contou com a participação de renomados especialistas que elucidaram acerca do tema, a Comissão Nacional de Adoção do IBDFAM lançou uma série de vídeos com a participação de diversos artistas, que estão sendo divulgados nas redes sociais até o fim de maio. Com o objetivo de sensibilizar a opinião pública, a ação contou com a participação de nomes como o ator Fernando Caruso e sua esposa, a apresentadora Mariana Cabral.
Confira também quais foram as matérias do Boletim Informativo que, durante o mês de maio, destacaram o assunto:
No mês da adoção, IBDFAM promove seminário on-line sobre o tema
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br