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Aos 13 anos, Lei Maria da Penha ainda enfrenta obstáculos à plena efetividade
A Lei Maria da Penha (11.340/06) completa 13 anos nesta quarta-feira, 7 de agosto. Marco no combate à violência doméstica e familiar, a norma passou por diversas transformações desde que entrou em vigor, sempre na tentativa de proteger as vítimas de relações abusivas. Ainda hoje, o ordenamento jurídico brasileiro enfrenta dificuldades para coibir índices de feminicídio e agressão contra a mulher.
No último ano, cerca de 1,6 milhão de mulheres foram espancadas, enquanto 22 milhões passaram por algum tipo de assédio. Entre os casos de violência, 42% ocorreram em ambiente doméstico e 52% das vítimas não denunciaram seus agressores. Os dados são do Datafolha, em pesquisa feita sob encomenda da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Para a advogada e professora Adélia Pessoa, presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM, apesar desse cenário, a norma obteve êxito nesses 13 anos de vigência. “Quase toda a população brasileira já ouviu falar desta Lei e houve um aumento significativo de denúncias de violência familiar e doméstica”, observa.
Violência contra a mulher é problema estrutural
“A violência doméstica e familiar contra a mulher não pode ser vista como um ato isolado, mas como um fenômeno histórico-social que emerge de uma complexa combinação de fatores, fazendo-se presente em todas as classes sociais”, afirma Adélia Pessoa. Ela atenta que esse não é um problema novo, já que as próprias normas jurídicas, durante milênios, legitimaram o poder marital do homem sobre a mulher.
“A violência doméstica estava envolvida no manto cultural do silêncio – o ditado popular revelava que em briga de marido e mulher, não se deveria meter a colher. A Lei Maria da Penha deu visibilidade a esta violência milenar, com mudança de paradigmas”, comenta a advogada.
Segundo Adélia, o aumento de inquéritos policiais não significa, por si só, aumento da violência doméstica, mas a maior ciência das vítimas em relação a seus direitos. Por outro lado, ela relaciona os números aos avanços conquistados pelas mulheres nos últimos anos, em que adquiriu direitos igualitários, maior autonomia e acesso à educação e informação.
“O patriarcado ainda deixa marcas fortes na cultura brasileira, e o homem, algumas vezes, ainda se acha ‘dono’, não admite ser contestado nem que ‘sua’ mulher ocupe determinados espaços. Muitas vezes, não aceita a separação e encontra na violência letal a solução simplista para seus conflitos familiares”, analisa.
Alterações e aperfeiçoamentos devem ser constantes
Adélia Pessoa ressalta que a Lei Maria da Penha estabelece uma rede de proteção à mulher calcada em políticas públicas de perspectivas tanto preventivas quanto de assistência à mulher e sua família. Além, é claro, da responsabilização do autor da violência, com perspectivas de centros de educação e de reabilitação para esses agressores.
Entre as alterações e dispositivos acrescentados nesses 13 anos, destaca-se o aprimoramento das medidas protetivas e do atendimento policial, com o direito à exigência de profissional do sexo feminino. A violação da intimidade também passou a ser reconhecida como violência doméstica e familiar (Lei 13.772/18), com a criminalização do registro de cena de nudez ou sexo sem consentimento.
Projetos de lei figuram no Congresso e no Senado com a finalidade de aprimorar os dispositivos da referida lei. Há, por exemplo, a proposta de que as normas sejam aplicadas também às mulheres trans (PLS 191/17) e outra que facilita o divórcio para as vítimas (PL510/19).
Enfrentamento deve começar na educação
Para Adélia, o endurecimento da lei penal, com a responsabilização criminal dos autores não é suficiente para o enfrentamento da violência de gênero. “A própria Lei Maria da Penha indica várias medidas de prevenção e, dentre essas, aponta ações educativas, tanto dentro das escolas, como também através da mídia - poderoso instrumento na formação de valores. Sem dúvida, a educação - formal ou não formal - é via indispensável para a mudança de padrões sexistas que permeiam a nossa cultura”, acredita.
Ela elenca alguns dos principais desafios que obstam a plena efetivação da Lei Maria da Penha: a dificuldade e instabilidade das vítimas para denunciar e manter a denúncia (medo e vergonha ainda estão presentes); a incompreensão e a resistência de alguns agentes públicos responsáveis pelos atendimentos e encaminhamentos; a precariedade das redes de enfrentamento e atendimento; a falta de apoio efetivo para as vítimas, no âmbito privado e público, e de programas de atendimento ao agressor, o que eleva os índices de reincidência.
“Faz-se indispensável o desenvolvimento de ações de fortalecimento das redes de atendimento e de enfrentamento à violência doméstica e urge a realização de capacitação continuada e sensibilização de profissionais da rede”, afirma a advogada.
Ainda restam desinformação e falácias
Ao contrário do que muitos acreditam, a Lei Maria da Penha não cuida apenas de agressões físicas e tentativas de assassinato. De acordo com o artigo 5º, configura violência doméstica e familiar contra a mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
O agressor pode não ser o companheiro da vítima, mas sim um pai ou filho, seja homem ou mulher. Segundo Adélia Pessoa, persistem compreensões limitadas na conceituação da violência. “É urgente desconstruir mitos e estereótipos que ainda permeiam a nossa sociedade, inclusive entre os operadores de Direito, gerando distorções, silêncios e preconceitos”, defende.
Nesta quarta-feira, o juiz Marco Aurélio Ferrara Marcolino, da 4ª Vara de Família de Belo Horizonte, aplicou os efeitos da Lei Maria da Penha para acatar pedido de medida protetiva e afastamento do lar de uma das partes de um casal homossexual. A informação é do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
“A questão, sem dúvida, é de suma complexidade; não é possível admitir um binarismo simplista ‘homem-algoz’ e ‘mulher-vítima’. Pois o algoz – não está sozinho – faz parte de um sistema e a vítima é um sujeito, uma mulher em situação de violência, com suas especificidades de raça, classe social etc.”, expõe Adélia.
“Urge trabalhar competências e habilidades de comunicação, trabalhar protagonismo social e não apenas ‘empoderamento’ da mulher, repetindo sempre que a violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos”, acrescenta a advogada.
Quem é Maria da Penha
Em 1983, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes ficou paraplégica após levar um tiro do ex-marido, enquanto dormia. Sua luta por justiça perdurou até 2002, quando ele foi finalmente condenado e preso pela tentativa de homicídio.
A 38ª edição da Revista Informativa do IBDFAM, de abril e maio de 2018, tratou da efetividade do combate à violência doméstica e trouxe uma entrevista exclusiva com Maria da Penha. Ela falou sobre o drama vivido, quando precisou recorrer a instâncias internacionais para que seu agressor fosse punido.
Na ocasião, ela ainda denunciou a negligência de gestores públicos em pequenos municípios e falou sobre a necessidade de reeducação social de homens e mulheres. “O meu sonho era as mulheres de todos os municípios terem conhecimento da lei, um local para se informarem e, no momento em que forem agredidas, já saberem o que fazer da sua vida, já estarem instruídas para isso”, disse Maria da Penha.
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