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No Acre, internauta será processado pela Lei de Racismo por postagens homotransfóbicas
“O enquadramento penal do inculpado no crime de racismo decorre de analogia à Lei 7.716/1989, tendo como fundamento preceitos resguardados pela Constituição Federal (art. 3º, inciso III, e art. 5º, inciso XLII, ambos da CF), tais como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e mandamento de criminalização de condutas tidas como discriminatórias, incluindo-se neste último o combate a atos de homofobia e transfobia”.
Com essa interpretação, o Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) apresentou, de modo inédito, denúncia com base na Lei de Racismo, em desfavor de um internauta por prática, indução e incitação à discriminação e preconceito contra uma transexual. O pedido do MP acreano foi acolhido em decisão do juiz Danniel Gustavo Bomfim A. da Silva, da 4ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco.
De acordo com a denúncia, assinada pelo promotor de Justiça José Ruy da Silveira Lino Filho, titular da 9ª Promotoria de Justiça Criminal, em maio de 2018, a vítima fazia em sua página pessoal, em uma rede social, uma transmissão ao vivo sobre a inclusão do nome social das mulheres travestis e transexuais no título de eleitor, momento em que foi surpreendida pela intromissão do denunciado, que passou a postar mensagens depreciativas e de baixo calão em detrimento da vítima e da comunidade LGBT.
Ainda conforme a denúncia, o teor discriminatório das mensagens era exclusivamente ligado à orientação sexual da vítima e da comunidade LGBT. No interrogatório, em sede policial, o homem confirmou ter feito as postagens, dizendo-se arrependido, apesar de acreditar que “não é certo o indivíduo receber o nome dado pelos pais e depois resolver mudar por querer trocar de sexo”.
Em sua decisão, o juiz Danniel Gustavo Bomfim considerou que o conceito de raça é fruto de um contexto histórico, “sendo variável conforme o local e o tempo, não se resumindo a necessariamente uma similitude física entre pessoas que compõem determinado grupo racializado. Ou seja, não é uma definição estática, sendo possível o advento de novos grupos considerados raça, assim como o desaparecimento de outros grupos que antes eram considerados racializados”.
A denúncia do MPAC e a decisão proferida pelo juízo penal vão ao encontro do debate em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 26) e do Mandado de Injunção coletivo (MI n° 4733), que pedem a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, em face da omissão do Congresso Nacional em editar a legislação pertinente. As duas ações partem da tese de que a criminalização de todas as formas de racismo, expressa no artigo 5º, XLII, da Constituição da República, incluiria as condutas de discriminação de cunho homofóbico e transfóbico, pois seriam espécies do gênero racismo.
O julgamento foi suspenso em 21 de fevereiro e ainda não tem data para continuar. Até agora, os ministros relatores Celso de Mello e Edson Fachin já votaram pela procedência das ações e foram acompanhados pelos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
“Atitude corajosa”, avalia vice-presidente do IBDFAM
A vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Maria Berenice Dias, qualificou a denúncia do MPAC e a decisão do juiz criminal de “atitude corajosa”.
“Corajoso o agente ministerial, corajoso o juiz, ambos sensíveis a esta realidade que só o legislador não quer enxergar. Com quatro votos muito significativos, o STF vem decidindo nessa linha no julgamento conjunto da ADI 26 e do MI 4733. Não dá para continuar convivendo com essa perversa e criminosa omissão do nosso legislador ao não criminalizar os crimes de ódio contra população LGBTI”, comenta.
Ela observa que já houve a aplicação do crime de racismo em caso que tratava de discriminação contra judeus. “Existe o princípio da legalidade estrita, no âmbito do Direito Penal, segundo o qual as pessoas só podem ser processadas e condenadas quando há previsão legal de que aquela postura é criminosa, mas o que nós temos é um comando constitucional que já no seu preâmbulo proíbe qualquer tipo de preconceito e a manifestação confessadamente foi preconceituosa”, afirma.
Maria Berenice Dias, que também é presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM, avalia que a iniciativa serve a uma finalidade didática. Ela esclarece: “Esse tipo de atitude, desse promotor e desse juiz, servem a uma finalidade didática, ou seja, está na hora de acabar com isso. Enquanto o legislador se omite há de ser a Justiça a dizer - nós vivemos num Estado em que a dignidade da pessoa humana é o comando maior - Achei a decisão perfeita, é algo que deve ser divulgado e comemorado pela comunidade científica”, conclui.
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