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STF adia votação de criminalização da homofobia; quatro ministros já votaram pela procedência do pedido
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu prosseguimento, nesta quinta-feira (21), ao julgamento conjunto da ADO 26 e do MI 4733. Quatro ministros votaram, todos para reconhecer a omissão do Congresso por não criminalizar a homofobia e determinando que seja aplicada a lei do racismo nos casos de discriminação contra LGBT até que seja editada lei sobre o tema. A votação foi suspensa e ainda não tem data para sua continuação.
A 4ª sessão plenária sobre o tema iniciou com a leitura do voto do ministro Edson Fachin, relator do MI 4733, que entendeu a ação integralmente procedente. Para Fachin, as duas condições para conhecimento e procedência do Mandado de Injunção, falta de norma e inviabilidade de direitos pela falta de norma, foram preenchidas.
O ministro ressaltou que o STF não está criando tipo penal novo, nem fazendo atividade legislativa, mas somente cumprindo o que está na Constituição. Para ele, o inciso 41 do artigo 5º da Constituição Federal é um mandado específico de criminalização. “A lei emanou um comando sem espaço de conduta diversa”, disse.
O ministro relator citou os Princípios de Yogyakarta, princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero, e a opinião consultiva nº 24 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que trata do tema identidade de gênero e não discriminação de casais homoafetivos. Além disso, Edson Fachin invocou os precedentes internacionais e os precedentes da própria Corte.
O ministro destacou o princípio da dignidade humana. Segundo ele, toda pessoa tem o direito de viver numa sociedade sem preconceito. Ele refletiu: “Afirmar que uma República que tem por objetivo 'promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação' tolera alguns atos atentatórios à dignidade da pessoa humana, ao tempo em que protege outros, é uma leitura incompatível com o texto constitucional. Nada na Constituição autoriza a tolerar o sofrimento que a discriminação impõe. Toda pessoa tem o direito de viver em uma sociedade sem preconceitos. Toda pessoa deve ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade. A dignidade da pessoa humana não pode ser invocada de forma retórica, como grande guarda-chuva acolhedor de qualquer argumento em razão de sua amplitude ou comprimento. É preciso ser exato: a dignidade da pessoa humana não é vagueza abarcadora de argumentos e posições de todo lado. Ao contrário, e por refutação a isso, é preciso dar sentido e concretude a esse princípio inerente aos sujeitos e fundante de nosso Estado. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é aqui conclamado porque, mais do que fonte e fundamento de outros direitos fundamentais (como, por exemplo, o direito fundamental à igualdade), tem seu conteúdo nitidamente violado e, portanto, torna-se passível de aplicação direta ao caso em análise. Frise-se que a dignidade da pessoa humana é elemento ínsito, constitutivo do sujeito; vale dizer, é o reconhecimento do seu próprio valor moral, idêntico ao valor moral das demais pessoas. O princípio da dignidade da pessoa humana busca, assim, proteger de forma integral o sujeito na qualidade de pessoa vivente em sua existência concreta. O princípio é, portanto, uma imposição obrigativa no presente, mas também sempre um norte futuro, um vetor interpretativo”.
O ministro mencionou a invisibilidade a que estão sujeitos os grupos vulneráveis. “Não fosse apenas o preconceito a que está submetida a população LGBTI, é preciso observar que, em um contexto em que perseveram desigualdades sociais e raciais, a exclusão social da comunidade LGBTI reforça a dinâmica de invisibilidade a que as pessoas pobres e negras estão sujeitas”, refletiu.
Por fim, Edson Fachin reconheceu a mora legislativa e recomendou que, até que o Congresso Nacional venha legislar a respeito, aplique-se a Lei nº 7.716/89, que define define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, a fim de estender a tipificação prevista nesta norma para os crimes de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. “A questão que se apresenta neste mandado de injunção, para além de reconhecer se é ou não atentatória aos direitos fundamentais a discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de gênero, é saber se há, no art. 5º, XLI, da CRFB, um mandado específico de criminalização. A resposta é afirmativa”, garantiu. Leia na íntegra o voto do ministro Edson Fachin aqui.
Moraes e Barroso acompanham relatores
Após a leitura do voto do ministro Edson Fachin, teve início a votação conjunta das ações pelos demais ministros. Votaram os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso e ambos acompanharam os relatores das ações. O ministro Fachin votou acompanhando o relator da ADO 26, e o ministro Celso de Mello acompanhando a relatoria do MI 4733.
O ministro Alexandre de Moraes ressaltou que a liberdade religiosa não pode e não está sendo criminalizada pela interpretação dada pelo STF às ações. Ele afirmou que a liberdade de expressão negativa é, às vezes, a possibilidade de falar coisas ofensivas que jamais se confunde com discurso de ódio, o ideal seria que as formas de expressão fossem todas heroicas, mas é necessário defender também as de mau gosto. E destacou que a Constituição não consagra o discurso de ódio.
O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que não se interpreta o Direito em abstrato, mas dentro de um contexto de uma determinada situação social. Segundo ele, a vida presente exige uma resposta do Estado e uma resposta do Direito à violência institucionalizada contra as pessoas LGBT. “Não escapará a ninguém que tenha olhos de ver e coração de sentir que a comunidade LGBT é, claramente, um grupo vulnerável, vítima de preconceito, discriminação e violência e cabe ao Estado intervir para garantir o Direito à integridade física, psíquica e a própria vida dos integrantes dessa comunidade”, garantiu.
“Processo político majoritário não dá conta de fazer valer o comando constitucional, neste caso”, diz Barroso
Na visão do ministro Barroso, quando o Congresso Nacional não atua em situações em que existe o comando constitucional, é legítimo que o STF atue para fazer valer a Constituição. Principalmente, quando estão em jogo os direitos fundamentais
Segundo o ministro, o STF, como tribunal constituinte, desempenha três papéis. O primeiro papel típico e mais estudado sendo o papel contramajoritário, o papel representativo no sentido de atender a demanda premente da sociedade quando o Poder Legislativo “emperra” e um terceiro papel “mais complexo e delicado”, que deve ser exercido em situações excepcionais, o papel Iluminista que empurra a história mesmo contra vontades majoritárias, seja no Congresso Nacional, seja na sociedade. “As minorias não podem depender das vontades majoritárias, que não atendem aos interesses das minorias”, pontuou. Para Barroso, neste caso, o processo político majoritário não dá conta de fazer valer o comando constitucional.
Recado para grupos religiosos
O ministro Luís Roberto Barroso mandou uma mensagem aos grupos religiosos. Ele afirmou que, por muito tempo, o conhecimento convencional militou na crença de que o estado moderno e a ciência acabariam com sentimento religioso. No entanto, mesmo depois de Copérnico, Darwin, Galileu, e descobertas da ciência como as Leis de Newton e o Bóson de Higgs, o sentimento de religiosidade não morreu. Nesse sentido, segundo o ministro, não será a criminalização da homofobia que irá abalar o sentimento religioso.
Ele destacou que o reconhecimento da criminalização da homofobia não implica na criminalização dos discursos religiosos e que a posição ideal de um Estado plural é permitir que cada pessoa viva de acordo com as suas convicções. Barroso falou, ainda, que nenhuma pessoa genuinamente religiosa defende que os homossexuais sofram violência como se não fossem iguais perante as leis e perante Deus e que instrumentalizar a religião para fazer o mal a este grupo de pessoas é negar a regra de ouro dos evangelhos: não fazer ao próximo o que não gostaria que fizesse a si.
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