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“O descaso, o abandono aos jovens das camadas mais pobres é uma tragédia nacional”, afirma juiz que emancipou jovem que viveu em galinheiro
O juiz de Direito, Luciano Ribeiro Guimarães Filho, da 1ª Vara de Feitos de Rel. de Cons. Cível e Comerciais da Comarca de Jequié, na Bahia, deu provimento a ação de emancipação judicial para que uma jovem pudesse adquirir casa própria em programa social. A ação foi proposta pela Defensoria Pública do Estado da Bahia em favor de uma jovem com histórico de abandono. Ela não convive com os genitores desde os 11 anos de idade, quando passou a morar sozinha em um galinheiro, às margens de uma rodovia. Em 2014, ela constituiu união estável com um homem maior de idade, carroceiro, com renda familiar mensal de R$ 100,00, e tiveram um filho, com idade de sete meses à época da propositura da ação. “Não me recordo em ter prolatado uma sentença com tanto sofrimento e com lágrimas de tristeza saltando dos meus olhos. Impossível não se compadecer com a situação da autora”, disse Luciano Ribeiro Guimarães Filho. Ele concedeu entrevista ao portal IBDFAM. Confira.
1) Como e por que este caso impactou o senhor?
A vida de um Juiz é, a todo tempo, se deparar com litígios e resoluções de problemas, alguns mais graves, outros mais corriqueiros. Todavia, algumas situações são absoluta e absurdamente inesperadas e surpreendentes. E a situação da jovem autora é exatamente uma dessas. Aquela situação que, mesmo a convivência diária com problemas variados, surpreende de forma impactante. A primeira reação é “nunca imaginei que um ser humano poderia ser submetido a situação tão degradante e de total desamparo ...”.
A partir de tal constatação, a todo momento, passei a raciocinar o Processo de uma maneira diferente. Não teria como deixar de ser Juiz, que é o meu Ofício e desta forma o caso até a mim chegou, mas foi inevitável dividir o papel profissional com o cidadão, pai, filho e irmão, surgindo daí a indignação e desabafo em que se transformou o julgado.
2) Pela decisão, percebemos o olhar sensível com que foi tratado o caso. Na opinião do senhor, o poder judiciário carece de humanismo?
Sim. Mas não diria que o Poder Judiciário tão somente ou que tal lacuna seja responsabilidade exclusiva dos seus integrantes. Devemos atribuir, sim, à estrutura da nossa justiça e todos os seus “atores”, envolvendo a imensidade de conflitos que nos são apresentados, seja pela significativa quantidade de profissionais da advocacia em nosso país, ante a explosão de cursos de Direito, seja pela cultura de litígio, na medida em que as próprias pessoas demonstram incapacidade e, até mesmo, falta de vontade para resolver os próprios problemas sem a intervenção do Poder Judiciário.
Todos esses fatores, aliados a problemas estruturais do Poder, geram grande acúmulo de serviço, julgamentos paralisados, e consequente e inevitável insatisfação da sociedade com os serviços prestados. O resultado é que somos cobrados, de forma incessante, por produtividade e foco na quantidade de julgados, numa visão quase que exclusiva sobre números e, como conclusão, constatamos um certo distanciamento da qualidade e humanidade nos julgados.
3) Na opinião do senhor o caso evidencia o descaso do Poder Público com a população?
Com toda certeza. E o mais dramático nessa situação é a certeza que temos que o drama vivido pela jovem emancipada não é, lamentavelmente, exclusividade dela, tampouco do Estado da Bahia. O descaso, o abandono aos jovens das camadas mais pobres é uma tragédia nacional e sabemos que outras “Naianes” existem em nosso país, e também em versões masculinas, claro. Precisamos acordar e encarar essa tão vergonhosa e decepcionante realidade.
4) O IBDFAM desenvolve um amplo projeto, "Crianças Invisíveis", no qual empreende ações nas suas várias frentes de atuação para combater a situação de milhares de crianças, que se encontram vivendo em abrigos Brasil afora, sem nenhuma perspectiva de adoção devido à burocracia do processo. O senhor acredita que o processo de adoção é demorado e prioriza em demasia a busca da família biológica?
Sim. Acredito que seja, mas também entendo que não pode ser um procedimento brusco, apto a ensejar desnecessárias rupturas, nos casos, claro, em que isso seja possível, pois sabemos que nas situações de absoluto abandono tais interrupções não acontecem. Vislumbro que a legislação precisa avançar, reduzir a burocracia e privilegiar a convivência, o bom, puro e desinteressado sentimento, em detrimento à parentalidade. Em alguns casos, entendo que se tenta demais uma solução que, sabemos, não será alcançada, fazendo com que a criança ou o(a) adolescente perca significativo tempo de carinho e amor no seio de uma família que pode, de forma mais adequada, atender seus melhores interesses.
5) Como observa essa iniciativa do IBDFAM?
Como salutar, imprescindível, daquelas que devem ser apoiadas e estendidas, ante o acerto nas proposições e na discussão que suscita na causa abraçada. Para iniciativas desta natureza, contem comigo!
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