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Decisão que trata homossexualidade como doença é inconstitucional e vai de encontro aos Direitos Humanos, afirma especialista
Uma decisão publicada pela 14ª Vara de Justiça do Distrito Federal (DF) causou muita polêmica e gerou protestos por todo País. O juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu liminar que abre brecha para que psicólogos ofereçam a terapia de reversão sexual, conhecida como “cura gay”, tratamento proibido pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999. Para a presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do IBDFAM, Patrícia Gorisch, o entendimento “é inconstitucional e vai de encontro aos tratados internacionais de Direitos Humanos pelos quais o Brasil é signatário”.
“As pessoas têm a liberdade de ser quem elas são. Os juízes e psicólogos não podem considerar alguém como doente pelo simples fato de a pessoa ter a liberdade de exercer de forma plena o seu direito a livre sexualidade”, afirma Patrícia Gorisch, que é especialista em Direito Homoafetivo e de Família pela PUC/Minas. A decisão publicada no Distrito Federal atende a pedido da psicóloga Rozangela Alves Justino em processo aberto contra o Colegiado do Conselho Federal de Psicologia, que aplicou uma censura à profissional por oferecer a terapia aos seus pacientes.
“Sendo assim, defiro, em parte, a liminar requerida para, sem suspender os efeitos da Resolução nº 001/1990, determinar ao Conselho Federal de Psicologia que não a interprete de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re) orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia por parte do C.F.P., em razão do disposto no art. 5º. inciso IX, da Constituição de 1988”, anotou o magistrado.
“Essa é uma notícia assustadora. É lamentável que isso tenha ocorrido, pois significa um verdadeiro retrocesso. A decisão acontece durante a campanha ‘Setembro Amarelo’, que nos convida a refletir sobre a prevenção ao suicídio. Quando falamos que uma pessoa LGBTI é doente, isso atinge a sua alma. Os jovens, inclusive, podem buscar o suicídio como porta de saída. A decisão do juiz é dúbia, porque mantém a resolução, mas não impede que os psicólogos façam estudos ou atendimentos profissionais de forma reservada com o intuito de redesignar a orientação sexual”, critica a presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do IBDFAM.
De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o pedido de liminar contra a Resolução 01/99 “abre a perigosa possibilidade de uso de terapias de reversão sexual. A ação foi movida por um grupo de psicólogas(os) defensores dessa prática, que representa uma violação dos direitos humanos e não tem qualquer embasamento científico”. Na audiência de justificativa prévia para análise do pedido de liminar, o Conselho Federal de Psicologia se posicionou contrário à ação, apresentando evidências jurídicas, científicas e técnicas que refutavam o pedido.
Os representantes do CFP destacaram que a homossexualidade não é considerada patologia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) – entendimento reconhecido internacionalmente. Também alertaram que as terapias de reversão sexual não têm resolutividade, como apontam estudos feitos pelas comunidades científicas nacional e internacional, além de provocarem sequelas e agravos ao sofrimento psíquico.
O CFP lembrou, ainda, os impactos positivos que a Resolução 01/99 produz no enfrentamento aos preconceitos e na proteção dos direitos da população LGBT no contexto social brasileiro, que apresenta altos índices de violência e mortes por LGBTfobia. Demonstrou, também, que não há qualquer cerceamento da liberdade profissional e de pesquisas na área de sexualidade decorrentes dos pressupostos da resolução.
Segundo Patrícia Gorisch, a sociedade brasileira deve fazer uma reflexão sobre o tema. “Existem mais de 500 espécies de animais que praticam a homossexualidade e eles não são doentes. A orientação sexual, de forma alguma é uma doença, muito menos a identidade de gênero. O Brasil é um dos países com mais mortes de pessoas LGBTI no mundo - uma morte a cada 26 horas - e essa decisão é um risco aos avanços conquistados pelo IBDFAM. É um entendimento inconstitucional e vai de encontro aos Direitos Humanos”.
Em nota, o Conselho Federal de Psicologia afirmou que “o que está em jogo é o enfraquecimento da Resolução 01/99 pela disputa de sua interpretação, já que até agora outras tentativas de sustar a norma, inclusive por meio de lei federal, não obtiveram sucesso. O Judiciário se equivoca, neste caso, ao desconsiderar a diretriz ética que embasa a resolução, que é reconhecer como legítimas as orientações sexuais não heteronormativas, sem as criminalizar ou patologizar. A decisão do juiz, valendo-se dos manuais psiquiátricos, reintroduz a perspectiva patologizante, ferindo o cerne da Resolução 01/99. O processo está em sua fase inicial e afirma que vai recorrer da decisão liminar, bem como lutará em todas as instâncias possíveis para a manutenção da Resolução 01/99, motivo de orgulho de defensoras e defensores dos direitos humanos no Brasil”.
PROTESTO DE ARTISTAS
Nas redes sociais, vários artistas se posicionaram contra a decisão e demonstraram apoio ao público LGBTI. As cantoras Ivete Sangalo, Anitta, Marília Mendonça, Pabllo Vittar e Daniela Mercury, os atores Paulo Gustavo, Preta Gil, Bruno Gagliasso e a jornalista Fernanda Gentil foram algumas celebridades que demonstraram sua insatisfação com o caso.
Preta Gil criticou a decisão da Justiça em seu perfil oficial no Instagram: "Como é que cura um ser humano de amar o outro? E aí, tem esse remédio?", questionou.
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