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Série “Um olhar sobre a adoção”
Adoção e futebol: um gol de placa
A preferência por crianças de até sete anos de idade, por parte dos pretendentes à adoção, tem como consequência a permanência de menores, os quais já ultrapassaram esta faixa etária, nas instituições de acolhimento. Dados do Núcleo de Apoio ao Cadastro Nacional de Adoção (NACNA) do Recife (PE) dão conta de que há, na capital pernambucana, 37 crianças e adolescentes na expectativa de serem adotados. Desses, 35 (94,5%) têm entre sete e 17 anos de idade. Vale ressaltar que 191 famílias residentes no município estão inscritas no CNA – Cadastro Nacional de Adoção, à espera do(a) filho(a) adotivo(a). A conta não fecha.
“A população, quando pensa em adoção, deseja bebê e menina - branca e sem deficiência, para complicar ainda mais”, é o que afirma Danielly Silva, Coordenadora Executiva do Lar Rejane Marques, instituição de acolhimento localizada no Recife. De acordo com ela, o perfil das crianças e dos adolescentes abrigados, no entanto, é “totalmente” diferente. “Isso resulta numa longa espera por parte de pessoas que querem adotar e não conseguem, imaginando ser burocracia. As crianças, que sonham em ter pais adotivos, ficam frustradas e permanecem nos abrigos”, lamenta Danielly, que ainda cita a situação daquelas que possuem algum tipo de deficiência: “É ainda pior, mesmo para as que têm menos de sete anos de idade. Ainda há muito preconceito em ambas as situações”.
Atualmente, existem oito crianças/adolescentes abrigados no Lar Rejane Marques, à espera de uma família. Destes, sete têm mais de sete anos de idade. Hoje, porém, suas chances são maiores. Qual o motivo? “O Juizado fez caricaturas das crianças e as colocou na internet, juntamente com a história de cada uma delas. Elas foram levadas a um jogo do Sport [Club do Recife], entraram em campo com os jogadores e acompanharam a partida. As pessoas presentes no estádio, que se identificaram com as crianças, entraram em contato com o Juizado para adotá-las”, conta a coordenadora da instituição.
A iniciativa é parte do Projeto “Adote um Pequeno Torcedor”, criado por meio de parceria entre o Sport, a Segunda Vara da Infância e da Juventude do Recife e o Ministério Público de Pernambuco. Seu objetivo é encontrar famílias para as crianças que vivem nos abrigos, sobretudo para as que já completaram os sete anos ou ultrapassaram esta faixa etária. “No Brasil, quase 94% dos pais interessados em adotar, buscam crianças menores de sete anos. No entanto, 78% das crianças que estão esperando por uma adoção já passaram desta idade. A maior motivação é colocar uma luz sobre o assunto e, como o clube [Sport] é, por si só, um agrupador de pessoas, a intenção é engajar nossos torcedores em mais esta ação”, expõe Melina Amorim, gerente de Marketing do Sport Club do Recife.
Ela afirma que a ideia é que a paixão pelo futebol seja a primeira conexão entre futuros pais e filhos. “[O objetivo do projeto] É ser um caminho para que pais se apaixonem pelos perfis das crianças e, a partir daí, se interessem em iniciar o processo legal de adoção”, acrescenta. Importante salientar que o “Adote um Pequeno Torcedor” não se limita ao Rubro-Negro da Ilha do Retiro. Melina revela que algumas crianças e adolescentes participantes não torciam pelo clube, o que não as impediu de integrar o programa.
“A paixão por um clube é algo que não se explica. Utilizar esse amor como ferramenta de união é um caminho para gerar empatia e fazer novas conexões, ou ainda, restabelecer relações antigas, que se perderam com o tempo”, complementa a gerente de Marketing. Quando lançado, em agosto de 2015, o projeto encontrou 43 crianças e adolescentes abrigados [nem todos eram torcedores do Sport], os quais tinham entre sete e 17 anos de idade. Nestes dois anos, 19 já foram recebidos por famílias adotivas.
Do Recife para Belo Horizonte
O “gol de placa” do Sport inspirou outra equipe brasileira: o Cruzeiro Esporte Clube, sediado em Belo Horizonte (MG). No dia 7 de julho, em evento realizado na Toca da Raposa II [centro de treinamentos do clube], o time mineiro lançou a campanha “Adote um Campeão”. Idealizado em parceria com o Grupo de Apoio à Adoção da capital mineira (GAABH) e o Grupo de Apoio à Adoção de Santa Luzia (MG) (GADA), com apoio das Promotorias e Varas da Infância e da Juventude de BH e Santa Luzia, o projeto tem o mesmo objetivo da iniciativa do Sport: estimular a adoção de crianças e adolescentes de sete a 17 anos de idade, que vivem em centenas de instituições de acolhimento.
O programa vem ao encontro da realidade dos abrigos mineiros. De acordo com dados do Juizado da Infância e da Juventude de Belo Horizonte - extraídos em julho deste ano -, 581 crianças e adolescentes se encontram disponíveis para adoção em Minas Gerais (sendo 72 em BH). Existem, em todo o estado, 4.657 pretendentes à adoção, sendo que 4.601 (98,7%) desejam crianças de até sete anos de idade. Portanto, há muito o que se fazer.
“O futebol é o esporte mais praticado no mundo. Mais de 80% dos brasileiros torcem para algum time e nós sabemos o poder midiático que o Cruzeiro tem. O clube chama muita atenção toda vez que entra em um projeto social desta envergadura. O nosso objetivo é dar visibilidade, mostrar essas crianças e convidar a todos a adotarem um campeão”, disse Marcone Barbosa, diretor de Marketing do Cruzeiro, em entrevista ao site oficial da equipe.
Gerente de Futebol do Cruzeiro, o ex-meio-campista Paulo César Tinga é o embaixador do “Adote um Campeão”. Consagrado dentro das quatro linhas, o agora dirigente tornou-se o Camisa 10 no time da adoção tardia. “Não é só para o cruzeirense, é para qualquer torcedor. E que a ideia seja propagada, assim como ‘copiamos’ a ideia do Sport, clube pioneiro nesta causa. O futebol tem a obrigação de contribuir [para questões sociais], por tudo o que ele representa em termos de mídia”, afirma.
Desde os tempos em que corria atrás da bola, Tinga é do tipo que ‘veste a camisa’. Como incentivador do programa, ele demonstra o mesmo comprometimento e força de vontade. Pensa em adotar, Tinga? “Minha esposa e eu, juntamente com meus filhos, já vínhamos conversando a respeito. Aconteceu de eu estar participando de um projeto voltado à adoção tardia, que é uma ideia nossa. Todo mundo quer adotar bebê, né… mas pretendemos adotar uma criança com idade um pouco mais avançada”, afirma.
Gerente de Futebol do Cruzeiro, Tinga é o embaixador do "Adote um Campeão"
Foto: Washington Alves/Cruzeiro
O Brasil tem hoje mais de 47* mil crianças e adolescentes esquecidos em abrigos. É uma situação cruel e dramática, que envergonha o País. A edição 31 da Revista IBDFAM, lançada em maio, tratou do tema adoção. Prestes a completar 20 anos de existência, o IBDFAM se junta à causa da adoção com a proposta de um anteprojeto de Lei do Estatuto da Adoção, ponto de partida para o Projeto “Crianças Invisíveis”, que será lançado no XI Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, de 25 a 27 de outubro, em Belo Horizonte, do qual esta série, Um olhar sobre a adoção**, também faz parte.
*Números oficiais do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas: 47.133, em 24 de maio de 2017 – Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
**Consultoria: Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br