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Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, em recente decisão do STJ
Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ atribuiu legitimidade passiva à sócia de uma empresa, cuja personalidade jurídica se pretende desconsiderar. Conforme a ementa do recurso, a coproprietária teria sido beneficiada por suposta transferência fraudulenta de cotas sociais praticada pelo irmão, envolvido em ação de divórcio cumulada com partilha de bens, “no bojo da qual se requereu a declaração de ineficácia do negócio jurídico que teve por propósito transferir a participação do sócio/ex-marido à sócia remanescente (sua cunhada), dias antes da consecução da separação de fato”.
Ao Boletim Informativo IBDFAM, o juiz Rafael Calmon, membro do Instituto, esclareceu a temática. Confira a entrevista:
Comente, por favor, o caso em questão.
Pude perceber que a decisão determinou que uma sócia de empresa e a própria empresa participassem de uma ação de divórcio cumulada com partilha, movida pela ex-mulher em face de seu ex-marido. Nessa ação, os pedidos deduzidos pela autora foram os de divórcio e de partilha de bens, com requerimento de sequestro de um automóvel e de abertura de inventário para divisão de cotas sociais titularizadas pelo requerido. Houve cumulação de pedidos, portanto. Cumulação objetiva, como se costuma chamar.
É claro que o pedido de divórcio só poderia ser deduzido em face do outro cônjuge, como foi realmente feito. A natureza personalíssima desse direito impõe que assim seja. Porém, o pedido de partilha poderia afetar o patrimônio de terceiras pessoas, já que havia suspeita de que o requerido teria transferido suas cotas à sua única sócia na empresa, que era sua irmã. Com isso, ela teria se tornado a sócia majoritária da sociedade empresária. Por isso, houve necessidade de que, tanto ela quanto a própria sociedade empresária, passassem a integrar a lide, ao lado do requerido, para que pudessem participar do processo em contraditório, o que foi feito.
Passou-se, portanto, a existir também cumulação de pessoas no polo passivo da demanda, especificamente em relação ao pedido de partilha - cumulação subjetiva, por assim dizer. Parece que esta sócia, quando foi citada para a ação, arguiu sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que não poderia figurar no polo passivo de uma ação de divórcio. Se insurgiu também sobre a desconsideração inversa da personalidade jurídica, sob alegação de que seus requisitos não teriam sido preenchidos no caso. Após sucessivos recursos, a questão foi parar no STJ, que corretamente solucionou a controvérsia.
O que é “desconsideração da personalidade da pessoa jurídica”?
Grosso modo, a desconsideração da personalidade jurídica é um fenômeno que ocorre dentro do processo, com o objetivo de coibir abusos praticados por algumas sociedades empresárias ou por seus sócios/administradores, contra seus respectivos credores. Ela acontece quando o juiz, depois de ser provocado pelas partes ou pelo Ministério Público e de ter verificado a presença dos requisitos legais (no caso, previstos pelo art. 50 do CC), profere uma decisão, determinando que o sócio/administrador da pessoa jurídica de direito privado se torne responsável por uma obrigação contraída originariamente pela empresa.
Com isso, ampliam-se as garantias de o credor receber a dívida, pois se a pessoa jurídica não tiver patrimônio para responder pela obrigação, bens particulares do sócio/administrador podem ser atingidos. É possível também que ocorra o contrário: que a sociedade e seus demais sócios se tornem responsáveis por dívida contraída pelo sócio/administrador. Nessa hipótese, o fenômeno se chama "desconsideração inversa da personalidade jurídica". Foi o que aconteceu no caso.
Fale um pouco mais sobre a desconsideração inversa.
É perfeitamente possível a desconsideração inversa, caso os atos abusivos sejam praticados pelo sócio ou administrador, em processo no qual eles sejam partes. Caso o pedido de desconsideração seja acolhido, o patrimônio da empresa pode ser atingido pelo credor.
O que o novo Código de Processo Civil (CPC/2015) trouxe de inovação acerca desta temática?
O novo CPC trouxe um procedimento específico para que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica. Antes, havia muita confusão a respeito e, não raro, acabavam sendo violadas garantias constitucionais. Agora, a parte que tiver interesse nessa situação, deve obrigatoriamente lançar mão de uma modalidade específica de intervenção de terceiros, prevista nos arts. 133 a 137 do Código. Mas, os requisitos para que a desconsideração seja ou não ordenada pelo juiz no caso concreto continuarão sendo retirados do direito material (Código Civil, Código de Defesa do Consumidor etc). Nada mudou a esse respeito.
Você trata a partilha de bens no livro “Partilha de bens: na separação, no divórcio e na dissolução da união estável”, de sua autoria. O tema ainda é cercado por muita polêmica?
O assunto é muito rico em detalhes e, por isso, cercado de polêmicas. As relações familiares de natureza afetiva e patrimonial são super dinâmicas no novo milênio. Natural que haja controvérsia a respeito. Trato não só da desconsideração da personalidade jurídica inversa, mas também de diversas outras técnicas inovadoras trazidas pelo novo CPC em meu novo livro, denominado "Direito das Famílias e Processo Civil: interação, técnicas e procedimentos", que será lançado em outubro agora, pela Editora Saraiva.
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