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Justiça determina que tio pague pensão alimentícia a sobrinho
Jovem, que sofre de grave síndrome, foi abandonado afetivamente pelo pai
O abandono afetivo não se resume a um ato específico. Trata-se de um processo “que se desenvolve de diversas maneiras, consistindo em um reiterado padrão de comportamento antijurídico e culposo por parte daquele que se nega a atender o direito fundamental de convivência familiar”, de acordo com Nelson Rosenvald, vice-presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Sob esta perspectiva, o juiz Caio César Melluso, da 2ª Vara da Família e Sucessões de São Carlos (SP), determinou que um tio pague pensão alimentícia ao sobrinho, que, além de ter sido abandonado – afetiva e assistencialmente – pelo pai, é portador da síndrome de Asperger, doença associada ao autismo. Havia, inclusive, medida de afastamento contra o genitor do jovem. Já a avó paterna não pôde arcar com os alimentos porque, além de estar doente, é idosa e vive de sua aposentadoria.
Melluso também considerou a favorável situação financeira do tio, que já paga mesada a um enteado – o que, na visão dele, abre precedente para que o mesmo seja feito em relação ao sobrinho. O juiz ainda levou em conta o artigo 1.592 do Código Civil, que determina: “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”.
Nelson Rosenvald esclarece que, “em uma visão despatrimonializada do direito privado, não se pode entender a restrição de alimentos aos colaterais de 2º grau, quando a sucessão se direciona aos colaterais de 4º grau. A solidariedade não pode ser via de mão única, e aqueles que potencialmente se colocam como beneficiários de um patrimônio na ausência de herdeiros mais próximos, reciprocamente serão obrigados a prestar alimentos, diante da inexistência ou impossibilidade de parentes mais próximos”.
Rosenvald concorda integralmente com a decisão e afirma que “a flagrante situação de iniquidade posta pela aplicação de uma regra de direito civil, que restringe alimentos aos descendentes e ascendentes, será superada pela excepcional intervenção do ordenamento na órbita da privacidade familiar, como forma de prover a pessoa com síndrome de Asperger do piso vital de dignidade, evidenciados os pressupostos objetivos da necessidade, capacidade econômica do devedor e inviabilidade de solução diversa”.
Para Cristiano Chaves, presidente da Comissão de Promotores de Família do IBDFAM, a dicção do artigo 1.697 do Código Civil é clara ao restringir a extensão da obrigação alimentícia, decorrente do parentesco, aos ascendentes, descendentes e parentes colaterais no 2º grau (irmãos). Sendo assim, os colaterais de 3º (tio e sobrinho) e 4º grau (primos, tio-avô e sobrinho-neto) estão libertos do dever alimentício. “Portanto, se um parente de 3º ou 4º grau estiver à míngua de assistência material, mesmo não possuindo qualquer parente mais próximo, não poderá pleitear alimentos dos colaterais de 3º ou 4º grau. Assim, são parentes para o bônus, mas não para o ônus”, completa.
Chaves ainda afirma que a regra do sistema brasileiro afronta a própria ideia fundante de solidariedade que marca e justifica o parentesco. “Qual a necessidade de se ter um parente com quem não se entrelaça em solidariedade recíproca? Somente para retratos de família?”, questiona. Por fim, o jurista explica que, no caso em questão, Caio César Melluso fixa alimentos entre tio e sobrinho, partindo da premissa de que se tratava de pessoa com deficiência, reclamando necessidades especiais e precisando de alimentos, pela impossibilidade de ser atendido por parentes mais próximos.
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