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O CPC 2015 e o Direito Intertemporal
O direito intertemporal é o estudo das regras que disciplinam como as leis devem incidir, ao longo do tempo, aos casos concretos. Assim, o direito intertemporal tem especial relevância sempre que uma nova lei é editada.
O CPC 2015, em vigência desde o dia 18 de março, passou a incidir nos processos em curso (presente), mas não atingindo as situações já consolidadas (passado). Gerou alguns conflitos dessa natureza, desafiando operadores do direito Brasil afora.
A boa notícia é que o próprio Código estabeleceu regras para solucionar esses conflitos e, além disso, as questões tendem a se acomodar com o tempo, “com o auxílio da doutrina e da jurisprudência, aplicando-se as mesmas soluções para problemas semelhantes, reduzindo-se assim as dúvidas e as divergências”, como afirma a advogada Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos (PR).
O desafio –
O direito intertemporal é sempre um desafio, explica Rita de Cássia. “Há teorias e regras a serem observadas, por certo, mas poderá haver lacunas que deverão ser preenchidas optando-se pela solução que privilegie a previsibilidade, preservando-se a segurança jurídica”, diz.
Essas regras, afirma Rita, provavelmente não são suficientes para resolver todos os problemas. “Problemas já vêm surgindo e outros mais certamente surgirão. Há milhões de processos em trâmite, atingidos pelas novas regras, e o legislador certamente não conseguiria prever as especificidades de cada um”.
A advogada recomenda que se opte pela interpretação.
O impacto –
No direito processual, a regra é a de que a nova lei tem eficácia imediata, esclarece Rita de Cássia. Ou seja, ela se aplica ao presente, não atingindo os atos processuais já praticados e as situações jurídicas consolidadas à luz da lei anterior. “Em resumo, as novas normas processuais atingem os processos em curso (presente), mas nesses mesmos processos há situações que serão resguardadas, não podendo ser atingidas porque já consolidadas (passado)”.
Segundo a advogada, por se tratar de lei processual, o CPC 2015 teve impacto - precisamente por já ter incidência - nos atos cujo direito à respectiva prática surgiu depois de sua entrada em vigor. Assim, se o direito da parte de praticar determinados atos processuais (como contestar, produzir prova ou recorrer) surgiu depois da entrada em vigor do novo CPC, esses atos devem ter sido praticados já segundo as novas regras. Contudo, não se nega que os atos já consolidados podem ter desdobramentos que exijam a prática de alguns novos atos à luz do Código que já não está mais em vigor.
A advogada exemplifica:
- Em regra, se o réu é citado ainda sob a égide do CPC de 73, deverá apresentar sua resposta de acordo com as regras não mais em vigor.
- O sistema recursal do CPC de 2015 só se aplica aos casos em que a decisão se tornou recorrível depois da entrada em vigor do novo Código. Assim, as decisões interlocutórias proferidas à luz do CPC de 73, que pelo novo Código deixam de ser impugnáveis por agravo de instrumento, ainda poderão ser objeto de agravo, aplicando-se o sistema anterior. O mesmo se diga quanto aos acórdãos publicados sob a égide do CPC de 73, ainda sujeitos à interposição de embargos infringentes.
- Mesmo tendo sido alterado, no novo Código, o juízo de admissibilidade da apelação, se o juiz exerceu o juízo de admissibilidade à luz do sistema recursal de 1973, a cadeia recursal se dará em conformidade com o CPC de 73, inclusive sendo cabível o recurso de agravo contra a respectiva decisão.
“Há situações, contudo, que podem ocorrer durante o processo sem que para isso haja um prazo específico. Por exemplo, nas ações de família e no procedimento de inventário, a participação do Ministério Público agora será dispensada quando não houver interesse de menores e incapazes (CPC/2015, arts. 178, II, e 698). Assim, se distribuída a ação sob a égide do CPC de 73, mas o Ministério Público ainda não tiver sido chamado a intervir, uma vez em vigor o novo CPC, sua intervenção não deverá ser solicitada”, diz.
Problemas com o direito intertemporal e o CPC 2015
Rita de Cássia lembra um problema que já foi superado. Havia uma controvérsia no que diz respeito à data de entrada em vigor do CPC 2015. A Lei 13.105 (CPC de 2015) foi sancionada em 16 de março de 2015 e publicada no Diário Oficial da União em 17 de março de 2015.
“No artigo 1.045, essa lei prevê que sua entrada em vigor se daria após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial. Houve, então, divergência sobre o que significaria ‘após decorrido um ano’. O prazo se contaria em dias? Em meses? Prevaleceu, acertadamente, a interpretação que se extrai da Lei Complementar 95/1999, que em seu artigo 8º, § 1º, prevê que a contagem do prazo para a entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”, explica.
Assim, conclui Rita, no caso do CPC de 2015, incluiu-se a data da publicação (17.03.2015) e a do término do período de vacância [que, contado em ano (e não em dias ou em meses), foi 17.03.2016], para definir-se a entrada em vigor na data de 18.03.2016.
Algumas regras -
A advogada destaca que, como regra geral, já no artigo 14 o CPC de 2015 estabelece que a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
“Mas o novo Código também contém regras que tratam explicitamente de situações específicas, provavelmente para evitar discussões doutrinárias e futura divergência jurisprudencial. Citem-se, exemplificativamente, os seguintes dispositivos: art. 525, §§ 14 e 15; e art. 535, §§ 7º e 8º”.
Quanto ao aspecto procedimental dos processos já em curso quando de sua entrada em vigor, o novo CPC também contém regra especial. No artigo 1.046, § 1º, prevê que será respeitada a situação criada pelo CPC de 73, se ainda não sentenciados os processos.
“Haverá situações, portanto, em que o procedimento será sumário ou especial, mesmo em casos que, à luz do CPC de 2015, inexista especialidade”, diz. No § 5º desse mesmo artigo, estabelece que a primeira lista de processos para julgamento em ordem cronológica levará em conta a antiguidade da distribuição dos já conclusos quando da entrada em vigor do novo Código.
“Cite-se, também, a regra do artigo 1.047, segundo a qual as novas regras de direito probatório aplicam-se apenas às provas requeridas ou determinadas de ofício a partir da data de início do novo Código”.
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