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Previdência e Família: interlocução necessária
Considerado um direito de vanguarda, o Direito Previdenciário foi o primeiro no Brasil a reconhecer direitos de famílias homoafetivas. Hoje, família e previdência enfrentam diversas questões e urge chegar a um consenso. Entendendo essa necessidade, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) criou, em 2014, a Comissão Nacional de Direito Previdenciário, presidida pela advogada Melissa Folmann.
Para ela, o maior desafio do Direito Previdenciário e do Direito de Família é chegarem a conceitos comuns do que significa proteção social. “Enquanto esses dois ramos do direito não debaterem e firmarem um conjunto de conceitos que eles entendam que irão atender às necessidades do cidadão, nós vamos continuar com esses dilemas”, diz.
“Durante muito tempo se achou legal o Direito Previdenciário proteger uma situação e, depois de algum tempo, o Direito de Família aderia ao que tinha sido feito”, conta.
Aconteceu assim com o reconhecimento de direitos das famílias homoafetivas. Antes mesmo do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer a união estável homoafetiva como família, a pensão por morte e ao auxílio-reclusão eram direitos já garantidos na legislação previdenciária às famílias homoafetivas.
Outro grande avanço desse ramo do direito foi o reconhecimento do salário maternidade de 120 dias para mãe ou pai adotante. Até o ano de 2013, o direito previdenciário previa o benefício do salário maternidade pelo prazo de 120 dias somente na adoção de criança até um ano de idade. Quanto mais velha era a criança adotada menor era o prazo do salário maternidade.
“Era uma loucura, porque não se analisava que o salário maternidade é um benefício pago pelo INSS para que a pessoa se afaste de sua atividade de trabalho para cuidar da criança. E na adoção isso é ainda mais importante”, lembra Melissa Folmann.
Paternidade post mortem-
O Direito Previdenciário se depara com novas questões. Uma delas é o reconhecimento de paternidade post mortem. Segundo Melissa, é um dos grandes temas da questão previdenciária relacionada ao Direito de Família.
Isso porque, o filho nascido de métodos de reprodução assistida após a morte do pai não é filho para fins previdenciários. “Aqui você tem um momento em que um direito que sempre caminhou na frente dos outros – Direito Previdenciário - agora encontra um dilema, diante de uma situação que nunca foi pensada antes. E como o Direito Previdenciário lida muito com dinheiro, ele tem que pensar se todas as mulheres resolvem fazer fecundação in vitro post mortem e quiserem receber pensão para o filho?”, questiona. No Direito de Família é comum o reconhecimento de paternidade post mortem.
Uniões paralelas-
Com relação às uniões paralelas o problema é o conceito adequado de concubinato. O Direito Previdenciário reconhecia o direito da concubina à pensão por morte até 2010, quando na decisão que ficou conhecida como “Maria das Dores” o STF falou que a concubina não tem direitos. A partir daí, se discute o que significa união paralela e o que significa concubinato.
“A grande discussão é a seguinte: o que é concubinato que afasta o direito à proteção de família?”, diz Melissa. “Uma coisa quando a pessoa convive maritalmente com a outra só para atividades de cunho sexual. Isso é concubinato. Outra coisa é quando a pessoa apresenta-se para a sociedade como se casado fosse, com mais de uma família. É importante deixar claro que isso é uma realidade de todas as classes sociais brasileiras. Pessoas com duas, três famílias. O Direito Previdenciário já tinha reconhecido que essas pessoas eram protegidas, e, em 2010, a partir do momento em que o STF julgou a expressão concubina, mas não detalhou do que se trata, hoje isso depende do entendimento do juiz”, explica.
Menor sob guarda-
Para a advogada, a situação do menor sob guarda é uma das “maiores” injustiças sociais que o legislador promoveu a partir de 1997, ratificando a máxima de que “os bons pagam pelos maus”. Isto porque, segundo Melissa, até a edição da Lei 9.528/97 o menor sob guarda tinha a proteção previdenciária, mas como o volume de fraudes foi considerado abusivo, veio a exclusão desse da qualidade de dependente.
“Em suma, ao invés de se investir em fiscalização, optou-se por excluir o direito do menor sob guarda à pensão por morte. O volume de demandas envolvendo a questão cresce a cada ano desde então, em especial porque afasta do menor sob guarda a proteção que o ECA assegurou no tocante ao sustento. Bem como, porque a premissa que justificou a alteração da lei nunca foi aceita, muito mais porque a figura do enteado se manteve na condição de dependente e pode motivar tantas fraudes quanto as alegadas pela autarquia previdenciária em relação ao menor sob guarda”, diz.
Ela explica que a jurisprudência encontrava-se quase consolidada no sentido de não reconhecer o direito do menor sob guarda, pois ainda que a primeira instância pensasse em sentido diverso, a segunda instância e o STJ reiteradamente negavam o direito ao menor.
No entanto, conforme Melissa Folmann, há um novo cenário para o debate no STJ após a decisão proferida no Recurso Ordinário em Mandato de Segurança (RMS) 36034 em 2014, em que se reconheceu o direito do menor sob guarda à pensão por morte no regime de previdência dos servidores públicos do Estado do MT. “Em breve conheceremos a corrente que se sagrará vencedora no STJ, mas desde já estamos na torcida pela que conduziu o RMS 36034”, diz.
O IBDFAM atua como amicus curiae em ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que questiona a constitucionalidade do dispositivo que suprimiu os menores sob guarda do pensionamento por morte de segurado do INSS na condição de dependentes.
A ação (ADI nº 5.083) contra a Lei 9.528/97 (artigo 16, § 2), que alterou a redação da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social – Lei 8.213/91–, está sob relatoria do ministro Dias Toffoli e foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB).
Outro tema que está na ordem do dia é a repercussão do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Isso porque a legislação instaurou um novo conceito de capacidade civil e isso interfere diretamente na previdência, afirma Melissa. “A partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência não se fala mais em interdição. Pessoas que antes eram interditadas e que antes estavam sob o manto da ‘proteção da incapacidade’ não estão mais. O Direito Previdenciário está clamando uma discussão com o direito de família sobre a matéria”, reflete.
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