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Parlamento português confirma adoção por casais do mesmo sexo e aborto sem taxas
No dia 10 de fevereiro, a maioria esquerdista do Parlamento português confirmou a aprovação dos decretos da Assembleia da República que vão permitir a adoção de crianças por casais homossexuais, bem como o recurso das mulheres à interrupção voluntária da gravidez sem o pagamento de taxas moderadoras e com direito a acompanhamento psicológico.
Até o momento, a adoção individual era aberta a todos em Portugal, mas a lei que autoriza o casamento gay, de fevereiro de 2010, excluía explicitamente o direito de adoção para os casais do mesmo sexo.
Com esta votação o Parlamento confirma dois projetos aprovados em votação final e global no dia 18 de dezembro e vetados politicamente pelo presidente da República, Cavaco Silva, no dia 25 de janeiro, obrigando agora o Chefe de Estado a promulgá-los no prazo de oito dias a partir do momento em que os diplomas cheguem ao Palácio de Belém.
A possibilidade de casais do mesmo sexo adotarem crianças obteve de toda a esquerda137 votos a favor. Foram registrados 73 votos contra de bancadas direitistas e ainda oito abstenções. Quanto à interrupção voluntária de gravidez, o decreto foi aprovado com 119 votos a favor e 97 contra.
O juiz Rafael Calmon, membro do IBDFAM, afirma que não há problema na rediscussão instaurada, pois acha saudável e democrático o chefe de Estado prestigiar o debate prévio antes de promulgar uma lei provida da capacidade de impactar diretamente variados setores da sociedade, dada a evidente necessidade de se avaliar suas consequências sobre o atual e futuro horizontes ideológico, religioso e cultural do país. “A bem da verdade, a aprovação da lei pelo Parlamento já era esperada, pois analisando o panorama português, nota-se que o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado em 2010, apesar das fortes reservas apresentadas por parte do setor mais conservador (normalmente os partidos de direita) e já existe lei em vigor permitindo a adoção singular sem que exista o controle da orientação sexual do candidato. Outro ponto a ser considerado é que, há aproximadamente dois anos, a questão da adoção conjunta foi muito debatida por lá, mas não foi positivada no ordenamento por não ter se formado a maioria necessária para sua aprovação e não terem sido superados entraves de ordem técnico-legislativa. Mais recentemente, razões diversas levaram à modificação deste cenário e os defensores da adoção por casais do mesmo sexo voltaram a possuir iniciativa legislativa. Tanto que apresentaram o projeto antes referido. Por fim, percebo que, há décadas, Portugal vem apresentando algo que parece ser uma curiosa tendência: a modernização legislativa dos direitos de família vem ocorrendo quando existe maioria de esquerda no Parlamento. Ao que tudo indica, foi assim com a adoção internacional, com a despenalização do aborto, com o casamento entre pessoas do mesmo sexo e com o fim da culpa no divórcio, apenas para citar alguns. Tudo indica que com a adoção entre pessoas do mesmo sexo tenha ocorrido o mesmo, até porque, juridicamente, não havia qualquer empecilho, de modo que a questão parecia ser mesmo de cunho ideológico, levando a crer que a aprovação definitiva desta lei fosse questão de tempo”, observa.
Rafael Calmon explica que a importância desse fato pode residir na necessidade de que situações que já ocorrem no mundo empírico recebam enquadramento e tutela normativas adequadas, de modo a que todos os filhos, de todas as pessoas, possam receber idêntico tratamento na seara do Direito: o de filhos. “Sendo promulgada a lei, Portugal se colocará em posição de ponta na questão referente ao tratamento jurídico dos direitos das famílias, na esteira do que já vem sendo feito em outros países da Europa há mais de uma década, a exemplo da Holanda, Suécia e Inglaterra”, diz.
Segundo o juiz, assim como em Portugal, no Brasil não existe lei dispondo especificamente sobre a adoção por pessoas do mesmo sexo.No entanto, também não há nada no sistema de Direito positivo que proíba esta possibilidade. De acordo com Rafael Calmon, a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionou favorável ao reconhecimento de direitos de família às uniões mantidas por pessoas do mesmo sexo, é possível perceber que a sociedade como um todo vem sendo menos preconceituosa a respeito, o que, segundo ele, é bastante positivo, embora não deixe de ser criticável que um acontecimento social desse relevo somente ganhe maior visibilidade e aceitação pelos variados setores da sociedade depois de ter obtido um pronunciamento judicial favorável ao seu reconhecimento no mundo do Direito.
Conforme Rafael Calmon, na jurisprudência brasileira a tendência se repete, pois desde a decisão proferida pelo Supremo, os tribunais de piso passaram a proferir decisões reconhecendo a equiparação de direitos aos casais, independentemente do sexo ou gênero de seus componentes, não sendo diferente em relação à adoção. “Afinal, a família goza de proteção especial do Estado, conferida pela Constituição da República desde o século passado, e sua importância deveria ser reconhecida, também, no seio da sociedade, independentemente da forma de sua constituição, do número e da orientação sexual de seus componentes. Se é assegurado esse nível de tutela às famílias, a negativa de adoção por casais apenas e exclusivamente em função de sua orientação sexual acarretaria uma dupla violação constitucional: de um lado, a família formada pelo casal estaria deixando de ser protegida, para sofrer uma indevida intromissão estatal em sua intimidade; de outro, a criança e o adolescente estariam deixando de ser integralmente protegidos e de conviver em família. É óbvio que toda e qualquer adoção deve ser precedida da máxima cautela e que eventuais entraves ocorridos durante seu trâmite, notadamente na fase de habilitação e da elaboração do parecer da equipe transdisciplinar, podem comprometer seu resultado final”, argumenta.
Por fim, o juiz assegura que essas contingências não podem ser relacionadas exclusivamente ao gênero ou à orientação sexual dos pretendentes, sob pena de configurar discriminação, plenamente repudiada pelo sistema. “Mas, mesmo havendo essa aparente pacificidade no entendimento jurisprudencial, acredito que seria de todo conveniente e necessário que o legislador se posicionasse favoravelmente a respeito, para atribuir maior segurança às situações jurídicas travadas pelas pessoas que se encontram nessa posição”, completa.
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