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Curatela compartilhada para pessoas com deficiência é aprovada pela Câmara
A proposta que inclui no Código Civil a possibilidade de curatela compartilhada para maiores de 18 anos com deficiência física grave ou deficiência mental foi aprovada na última quinta-feira (16), pela Câmara dos Deputados, e segue para análise do Senado. De acordo com a proposta aprovada, o novo modelo de curatela seguirá os mesmos parâmetros da guarda compartilhada, dividindo a responsabilidade pelos cuidados do curatelado. De acordo com o jurista Nelson Rosenvald, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e procurador de Justiça (MP/MG), na verdade o Projeto de Lei é desnecessário, pois o Estatuto da Pessoa com Deficiência já tratou do tema ao introduzir no Código Civil o Art. 1.775-A, com o seguinte texto: “Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa.” A norma entrará em vigor em 180 dias a contar de sua publicação, em 7 de Julho de 2015.
Segundo ele, ao ser indagado se o Projeto de Lei abranda os dramas vividos pelas famílias hoje no Brasil, Nelson Rosenvald afirma que a omissão legislativa jamais serviu de empecilho para a consagração da funcionalização da curatela, pela via da pluralização de curadores, se esta for a construção que melhor se adapte à proteção e promoção de direitos fundamentais da pessoa submetida à interdição.
Para Rosenvald, sendo a guarda compartilhada a forma eleita pela lei civil para efetivar o direito fundamental à convivência na tríplice dimensão da proteção, promoção e acesso dos filhos menores a uma estruturação psíquica, é evidente que a curatela compartilhada também concretiza o direito fundamental à convivência da pessoa interdita com ambos os pais. “O momento de decretação da supressão da capacidade não pode representar um corte na relação entre o sujeito e um dos seus pais, o que geralmente ocorre quando o dever de cuidado é atribuído a apenas um dos genitores. Assim, o requerimento de curatela compartilhada pelos pais não significa apenas mais uma opção que adere ao rol perfilhado no art. 1.775, do Código Civil, senão o desfecho prioritário na eleição da pessoa do curador, justamente por se tratar da solução virtuosa que melhor dignifica a pessoa do interdito, sendo o processo um instrumento de efetivação das aspirações do direito material. A guarda compartilhada poderá alcançar outros sujeitos conforme aponte a concretude do caso. Ilustrativamente, a responsabilização conjunta de um genitor e um irmão, ou mesmo um filho da pessoa interdita; os dois avós do curatelado; um padrasto e um tio... enfim, no contexto ampliado das famílias a noção de afetividade assume um caráter objetivo, para se aproximar de um ethos de solidariedade entre pessoas que partilham a sua existência”, disse.
Leia a entrevista na íntegra:
Quais outros projetos de lei poderiam ser criados para beneficiar os curatelados?
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) imprimiu sensíveis mudanças no sentido da personalização da curatela, assim como o CPC/15. Eles naturalmente se filiam ao enfoque humanista da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 13/12/2006, (promulgada pelo Decreto Nº 6.949/09), cujo propósito é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. Esse fundamental diploma conceitua as pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”. Destaca-se o princípio do “respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas” (artigo 3, “a”), que fica expresso no reconhecimento de que gozam de “capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida” (artigo 12, item 2). A normativa se edifica à margem da figura da incapacidade, porém culmina por abarcá-la. De fato, a deficiência não induz necessariamente à incapacidade, mas, sob o ângulo jurídico, todo incapaz será considerado uma pessoa com deficiência. O amplo conceito de deficiência se centra na existência de uma menos valia na capacidade física, psíquica ou sensorial - independente de sua gradação -, sendo bastante uma especial dificuldade para satisfazer as necessidades normais. O deficiente desfruta plenamente dos direitos civis, patrimoniais e existenciais. Já o incapaz é um sujeito cuja deficiência se qualifica por padecer de enfermidade ou deficiência persistente que, consequentemente, culmina por lhe frustrar o autogoverno. Assim, a sua proteção será ainda mais densa do que aquela deferida a um deficiente capaz, demandando o devido processo legal e a sujeição às determinações contidas na resolução judicial de incapacidade. Em suma, a constituição do estado de incapacidade de uma pessoa e a necessidade de sua submissão à curatela deve ser considerado requisito suficiente para se estimar que o incapaz é um deficiente que pode se beneficiar da ampla proteção articulada em favor deste, por força da já internalizada Convenção de Direitos Humanos.
Quais são os principais entraves jurídicos envolvendo a curatela no Brasil?
São vários, sejam de ordem material ou processual, mas devo destacar que toda sociedade é, por definição “excludente”. Deliberadamente, selecionamos aqueles que serão incluídos ou excluídos da coletividade. Em um primeiro momento, as religiões cumpriam essa função social; posteriormente, este papel foi delegado à medicina-psiquiatria. Como o ideal da modernidade e dos iluminismos se amparava no cientificismo e no progresso, o Direito desenvolveu o método racional e objetivo da teoria das incapacidades para extirpar a autonomia e segregar aqueles que representavam entraves à estabilidade das relações sociais. Já é hora de compreendermos que a capacidade civil é um direito fundamental do ser humano, corolário de sua dignidade e liberdade, e que o decreto de incapacidade será fundado em circunstâncias excepcionais e motivado invariavelmente na proteção da pessoa que padece de transtornos mentais permanentes, jamais em punição pelo simples fato de se comportar de modo diferenciado. Afinal, a subjetividade é edificada e afirmada na diuturna superação de nossas vulnerabilidades.
Como solucioná-los?
Creio que com um grande debate sobre os avanços da Lei n. 13.146/2015 e do CPC/15. Substituir o tão decantado “louco de todo gênero” do Código Beviláqua pela proteção e promoção de direitos fundamentais da pessoa com deficiência será apenas um giro linguístico sem maiores consequências, caso a sociedade persista em legitimar o discurso da interdição e da curatela como a ordem natural do trato com seres humanos com transtornos mentais. As vicissitudes dos diversos padrões de comportamento humano merecem contextualização, para que se estabeleçam parâmetros objetivos de adequação entre os espaços de preservação da autonomia do sujeito e aqueles em que necessariamente as razões de segurança jurídica demandarão a sua substituição por um curador em um processo de interdição.
Qual o impacto da Lei 13.146/2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência?
A Lei n. 13.146/15 exigirá de todos nós uma postura diferenciada no trato da pessoa com deficiência. Aprenderemos a conviver com diferentes estatutos de proteção, à medida em que em estejam em jogo situações jurídicas de pessoas deficientes com impedimento físico ou sensorial, pessoas deficientes com impedimento mental ou intelectual transitório, pessoas deficientes com impedimento mental ou intelectual permanente não curateladas e pessoas com deficiência permanente qualificada pela curatela. Apenas essas últimas serão taxadas como relativamente incapazes. Nessas quatro variáveis, não caberá adentrar ao mérito da definição clínica da patologia para daí extrair os efeitos jurídicos decorrentes dos atos jurídicos que serão preservados ou invalidados, pois a prescindibilidade e a medida da atuação judicial se prenderão à diversidade da gradação e da qualidade da deficiência.
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